IPMA admite que é cada vez mais difícil prever risco de
incêndio
“Estamos em território não explorado, nunca passámos por
isto”, afirma o presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera à TSF.
Há zonas do país onde têm deflagrado incêndios que nem sequer estavam
assinaladas como tendo risco elevado.
PÚBLICO 27 de Março de 2019, 8:21
É cada vez mais difícil prever com exactidão o risco de
incêndio no país, reconhece o presidente do Instituto Português do Mar e da
Atmosfera (IPMA), Miguel Miranda, apontando o dedo às alterações climáticas.
“Não estamos perfeitamente capazes de antever estes impactos”, admite numa
entrevista à TSF divulgada nesta quarta-feira, adiantando ainda que todo o
cuidado é pouco quando o país está há meses sem chuva significativa.
Ainda que as cartas de risco de incêndio feitas para o mês
de Março (feitas em conjunto com o Instituto da Conservação da Natureza e das
Florestas – ICNF) identifiquem já algumas situações de risco elevado ou muito
elevado, a situação não é particularmente dramática. “[Mas] estamos a ter focos
de incêndios significativos em zonas onde à partida nem sequer estamos a
admitir que o risco é muito grande, tendo em conta o passado”, diz Miranda à
TSF.
“Estamos em território não explorado, nunca passámos por
isto, e somos um bocadinho como as crianças: temos de passar por aquilo que já
vivemos uma vez para sermos capazes de o reconhecer”, vinca o presidente do
IPMA. É uma “situação de mudança”, que exige adaptação, assevera, lembrando que
há variáveis na equação que antes não eram um problema, como a persistência de
falta de chuva no Inverno e os seus efeitos na agricultura.
O risco de incêndio determinado pelo IPMA tem cinco níveis,
que vão de “reduzido” a “máximo”, sendo o “elevado” o terceiro nível mais
grave. Os cálculos para este risco são obtidos a partir da temperatura do ar,
humidade relativa, velocidade do vento e quantidade de precipitação nas últimas
24 horas.
Reagindo aos incêndios dos últimos dias (o calor de Março
provocou 135 incêndios que mobilizaram mais de 1600 bombeiros, grande parte
deles no maior incêndio registado, no concelho de Oliveira de Azeméis), Miguel
Miranda diz que estes fogos são “preocupantes”. “E estão a chamar à atenção
para termos de mudar a forma de avaliar, de trabalhar, e voltando à ideia de
que todo o cuidado é pouco”, conclui.
Risco vai manter-se elevado nos próximos dias
Fogos mobilizaram mais de 1600 operacionais. Governo decreta
“situação de alerta” até domingo
Fogos mobilizaram mais de 1600 operacionais. Governo decreta
“situação de alerta” até domingo
O risco de incêndio vai manter-se elevado genericamente em
todo o território do continente nos próximos dias, sendo esta quarta-feira
máximo em quatro concelhos do distrito de Faro, disse à Lusa a meteorologista
Maria João Frada.
“O risco de incêndio está elevado em todo o território
porque os ventos são secos. Está tudo muito seco. Os solos estão secos e não
tem chovido. Além disso, o vento é de leste soprando com alguma intensidade
sobretudo nas terras altas onde sopra moderado a forte”, indicou a
meteorologista do IPMA.
Segundo Maria João Frada, esta situação tem-se agravado
devido à humidade baixa e às temperaturas máximas elevadas atípicas para esta
altura do ano.
O IPMA colocou em risco máximo de incêndio nesta
quarta-feira os concelhos de Loulé, São Brás de Alportel, Tavira e Alcoutim, no
distrito de Faro. Em risco muito elevado, segundo o IPMA, estão os concelhos de
Castro Marim, Silves, Portimão, Silves, Lagos e Aljezur, em Faro, Gavião, em
Portalegre, e Vinhais, em Bragança.
O IPMA colocou ainda em risco elevado de incêndio 43
concelhos de Faro, Évora, Beja, Santarém, Portalegre, Castelo Branco, Coimbra,
Viana do Castelo, Viseu e Bragança.
Situação de Alerta até domingo
Na terça-feira, o Governo assinou um despacho que determina
a declaração de Situação de Alerta até domingo, com base nas previsões
meteorológicas, que apontam para um “significativo agravamento do risco de
incêndio florestal”.
“Face às previsões
meteorológicas para os próximos dias que apontam para um significativo
agravamento do risco de incêndio florestal no território do Continente e
considerando a decisão da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil,
que determinou a passagem do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais
ao Estado de Alerta Especial Amarelo em todos os distritos, os Ministros da
Administração Interna e da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural
assinaram hoje o Despacho que determina a Declaração da Situação de Alerta”,
lê-se no comunicado do Governo.
A declaração da Situação de Alerta, prevista na Lei de Bases
de Protecção Civil, vai obrigar à adopção de medidas “de carácter excepcional”,
como a “elevação do grau de prontidão e resposta operacional da GNR e PSP”,
reforçando “meios para operações de vigilância, fiscalização, patrulhamentos
dissuasores de comportamentos de risco e de apoio geral às operações de
protecção e socorro que possam vir a ser desencadeadas"; proibição de
queimadas e queimas; e a dispensa de trabalhadores, quer do sector público,
como do privado, que desempenhem funções de bombeiro voluntário.
GNR já recebeu 894 denúncias sobre terrenos a precisar de
limpeza
Dados são os registados pela GNR desde o início do ano até
ontem e compete agora às câmaras actuar. Mas os autarcas alertam para
dificuldades e dizem que poderá ser uma “missão impossível”.
Helena Pereira
Helena Pereira 27 de Março de 2019, 7:30
Desde o início do ano, a GNR já recebeu, através da Linha
SOS Ambiente, 894 denúncias sobre situações de terrenos que necessitam de ser
limpos e que podem representar um perigo público. Os dados foram fornecidos
ontem ao PÚBLICO por fonte oficial, que precisou, contudo, que os autos de
contra-ordenação só começarão a ser passados na segunda-feira, dia 1 de Abril.
O prazo para os proprietários limparem os seus terrenos
terminou a 15 de Março, estando agora essa responsabilidade nas mãos das
câmaras municipais. A GNR, por seu lado, encontra-se neste momento a fazer “o
levantamento e a sinalização dos locais que carecem de gestão de combustível” e
a fazer também acções de pedagogia junto das populações para explicar as
medidas preventivas que devem tomar. Desde o início do ano, houve também 187
contra-ordenações devido a queimas e queimadas feitas sem licença.
Os vários autarcas ouvidos ontem pelo PÚBLICO alertam para
as dificuldades em cumprir a tarefa de garantir a limpeza de todos os terrenos
(os municipais e os de privados que não o fazem) que deve estar concluída até
31 de Maio. Quais os problemas? Fundamentalmente, apontam a falta de verbas
financeiras (aumentos de preços das empresas que limpam terrenos e a
dificuldade de muitos proprietários em ressarcir a câmara dos trabalhos feitos
no caso de limpezas coercivas) e a falta de meios humanos.
“É uma missão impossível”, resume o presidente da Câmara de
Viseu, Almeida Henriques (PSD). Este autarca adquiriu tractores e outros meios
para 17 freguesias (um investimento de 700 mil euros) em vez de ficar
dependente de serviços externos ("É mais barato internalizar"). Criou
ainda ecopontos florestais para os donos de terras deixarem o combustível
florestal.
"Preços aumentam 20%"
O presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues
(PS), explica que “de aviso público para aviso público os preços dos
fornecedores aumentam 20%”. A câmara vai lançar agora uma consulta prévia para
um ajuste de 350 mil euros para operações de limpeza. O socialista, que
recorreu à linha de crédito disponibilizada pelo Governo, fala mesmo “em défice
orçamental” e lembra os casos em que, por dificuldades de partilhas ou
penhoras, os proprietários nunca pagam à autarquia o valor da limpeza que
deviam ter feito. Noutros casos, a identificação cadastral não está actualizada
e nem sequer se conhecem os donos. “Não podemos ter uma perspectiva
persecutória”, salienta Almeida Henriques, a pensar sobretudo nas pessoas mais
idosas ou com poucos meios.
“Estão a transferir responsabilidades para as autarquias que
deviam caber ao Estado central”, alerta, por seu lado, o presidente da Câmara
de Braga, Ricardo Rio (PSD).
António Louro, vereador na Câmara de Mação e presidente de
uma associação de produtores florestais, a Fórum Florestal, defende a
existência de sociedades de gestão dos terrenos e aplaude a posição assumida
recentemente pelo presidente da Agência para a Gestão Integrada dos Fogos
Rurais, Tiago Oliveira, que, em entrevista ao PÚBLICO/Renascença, defendeu que
se não gerir o terreno, o proprietário “tem de o vender”. “Em minifúndios, só
resulta uma gestão conjunta e para isso é preciso apoio financeiro para
viabilizar o arranque deste processo”, argumenta, lembrando ainda que os apoios
de Bruxelas são “muito sectoriais” e não permitem apoiar projectos para mudança
de paisagem que integrem diferentes produções florestais e animais em
simultâneo.
Da parte dos autarcas, “há uma enorme preocupação”, explica
António Louro, acrescentando que se trata de “áreas muito grandes” e “a
capacidade dos municípios esgota-se na sua área de intervenção [terrenos
municipais], nas faixas das estradas municipais e nas zonas industriais”, sem
contar com o papel que agora lhes cabe na limpeza de terrenos dos privados.
“Não é fácil cumprir a legislação”, diz. “Se me pergunta se vou conseguir
resolver os problemas todos, não vou, nem conseguirei”, resume Eduardo Vítor
Rodrigues.
Em dois pontos, contudo, todos os autarcas estão de acordo.
Depois dos grandes incêndios de 2017, as pessoas estão mais sensibilizadas para
cumprir as obrigações de limpeza de terrenos e acessos e, por causa da
meteorologia, os terrenos nesta altura do ano têm vegetação menos densa do que
em 2018. Uma das explicações que avançam é a falta de chuva em comparação com o
Inverno passado. Mas se chover nas próximas semanas tudo pode mudar de repente.
Ontem, em declarações à TSF, Xavier Viegas, responsável pelo
Centro de Estudos de Fogos Florestais da Universidade de Coimbra, alertava para
a necessidade de poder ser necessária uma nova limpeza ainda antes do Verão.
"Trabalhar mais com as pessoas"
“Não faz sentido fixar a data 15 de Março ou 15 de Maio. A
natureza não conhece essas datas. Temos de estar atentos e disponíveis para a
possibilidade de haver fenómenos naturais, climáticos que levem a atrasar ou
adiantar esses trabalhos”, defendeu.
“É preciso trabalhar mais com as pessoas e com as
comunidades, levar a que tenham uma maior sensibilidade e evitem fazer uso do fogo
em dias de risco elevado”, aconselha.
tp.ocilbup@arierep.aneleh
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