quarta-feira, 27 de março de 2019

IPMA admite que é cada vez mais difícil prever risco de incêndio / GNR já recebeu 894 denúncias sobre terrenos a precisar de limpeza



IPMA admite que é cada vez mais difícil prever risco de incêndio
“Estamos em território não explorado, nunca passámos por isto”, afirma o presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera à TSF. Há zonas do país onde têm deflagrado incêndios que nem sequer estavam assinaladas como tendo risco elevado.

PÚBLICO 27 de Março de 2019, 8:21

É cada vez mais difícil prever com exactidão o risco de incêndio no país, reconhece o presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), Miguel Miranda, apontando o dedo às alterações climáticas. “Não estamos perfeitamente capazes de antever estes impactos”, admite numa entrevista à TSF divulgada nesta quarta-feira, adiantando ainda que todo o cuidado é pouco quando o país está há meses sem chuva significativa.

Ainda que as cartas de risco de incêndio feitas para o mês de Março (feitas em conjunto com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas – ICNF) identifiquem já algumas situações de risco elevado ou muito elevado, a situação não é particularmente dramática. “[Mas] estamos a ter focos de incêndios significativos em zonas onde à partida nem sequer estamos a admitir que o risco é muito grande, tendo em conta o passado”, diz Miranda à TSF.

“Estamos em território não explorado, nunca passámos por isto, e somos um bocadinho como as crianças: temos de passar por aquilo que já vivemos uma vez para sermos capazes de o reconhecer”, vinca o presidente do IPMA. É uma “situação de mudança”, que exige adaptação, assevera, lembrando que há variáveis na equação que antes não eram um problema, como a persistência de falta de chuva no Inverno e os seus efeitos na agricultura.

O risco de incêndio determinado pelo IPMA tem cinco níveis, que vão de “reduzido” a “máximo”, sendo o “elevado” o terceiro nível mais grave. Os cálculos para este risco são obtidos a partir da temperatura do ar, humidade relativa, velocidade do vento e quantidade de precipitação nas últimas 24 horas.


Reagindo aos incêndios dos últimos dias (o calor de Março provocou 135 incêndios que mobilizaram mais de 1600 bombeiros, grande parte deles no maior incêndio registado, no concelho de Oliveira de Azeméis), Miguel Miranda diz que estes fogos são “preocupantes”. “E estão a chamar à atenção para termos de mudar a forma de avaliar, de trabalhar, e voltando à ideia de que todo o cuidado é pouco”, conclui.

Risco vai manter-se elevado nos próximos dias
Fogos mobilizaram mais de 1600 operacionais. Governo decreta “situação de alerta” até domingo
Fogos mobilizaram mais de 1600 operacionais. Governo decreta “situação de alerta” até domingo
O risco de incêndio vai manter-se elevado genericamente em todo o território do continente nos próximos dias, sendo esta quarta-feira máximo em quatro concelhos do distrito de Faro, disse à Lusa a meteorologista Maria João Frada.

“O risco de incêndio está elevado em todo o território porque os ventos são secos. Está tudo muito seco. Os solos estão secos e não tem chovido. Além disso, o vento é de leste soprando com alguma intensidade sobretudo nas terras altas onde sopra moderado a forte”, indicou a meteorologista do IPMA.

Segundo Maria João Frada, esta situação tem-se agravado devido à humidade baixa e às temperaturas máximas elevadas atípicas para esta altura do ano.


O IPMA colocou em risco máximo de incêndio nesta quarta-feira os concelhos de Loulé, São Brás de Alportel, Tavira e Alcoutim, no distrito de Faro. Em risco muito elevado, segundo o IPMA, estão os concelhos de Castro Marim, Silves, Portimão, Silves, Lagos e Aljezur, em Faro, Gavião, em Portalegre, e Vinhais, em Bragança.

O IPMA colocou ainda em risco elevado de incêndio 43 concelhos de Faro, Évora, Beja, Santarém, Portalegre, Castelo Branco, Coimbra, Viana do Castelo, Viseu e Bragança.

Situação de Alerta até domingo
Na terça-feira, o Governo assinou um despacho que determina a declaração de Situação de Alerta até domingo, com base nas previsões meteorológicas, que apontam para um “significativo agravamento do risco de incêndio florestal”.

 “Face às previsões meteorológicas para os próximos dias que apontam para um significativo agravamento do risco de incêndio florestal no território do Continente e considerando a decisão da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, que determinou a passagem do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais ao Estado de Alerta Especial Amarelo em todos os distritos, os Ministros da Administração Interna e da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural assinaram hoje o Despacho que determina a Declaração da Situação de Alerta”, lê-se no comunicado do Governo.

A declaração da Situação de Alerta, prevista na Lei de Bases de Protecção Civil, vai obrigar à adopção de medidas “de carácter excepcional”, como a “elevação do grau de prontidão e resposta operacional da GNR e PSP”, reforçando “meios para operações de vigilância, fiscalização, patrulhamentos dissuasores de comportamentos de risco e de apoio geral às operações de protecção e socorro que possam vir a ser desencadeadas"; proibição de queimadas e queimas; e a dispensa de trabalhadores, quer do sector público, como do privado, que desempenhem funções de bombeiro voluntário.

GNR já recebeu 894 denúncias sobre terrenos a precisar de limpeza
Dados são os registados pela GNR desde o início do ano até ontem e compete agora às câmaras actuar. Mas os autarcas alertam para dificuldades e dizem que poderá ser uma “missão impossível”.

 Helena Pereira
Helena Pereira 27 de Março de 2019, 7:30

Desde o início do ano, a GNR já recebeu, através da Linha SOS Ambiente, 894 denúncias sobre situações de terrenos que necessitam de ser limpos e que podem representar um perigo público. Os dados foram fornecidos ontem ao PÚBLICO por fonte oficial, que precisou, contudo, que os autos de contra-ordenação só começarão a ser passados na segunda-feira, dia 1 de Abril.

O prazo para os proprietários limparem os seus terrenos terminou a 15 de Março, estando agora essa responsabilidade nas mãos das câmaras municipais. A GNR, por seu lado, encontra-se neste momento a fazer “o levantamento e a sinalização dos locais que carecem de gestão de combustível” e a fazer também acções de pedagogia junto das populações para explicar as medidas preventivas que devem tomar. Desde o início do ano, houve também 187 contra-ordenações devido a queimas e queimadas feitas sem licença.

Os vários autarcas ouvidos ontem pelo PÚBLICO alertam para as dificuldades em cumprir a tarefa de garantir a limpeza de todos os terrenos (os municipais e os de privados que não o fazem) que deve estar concluída até 31 de Maio. Quais os problemas? Fundamentalmente, apontam a falta de verbas financeiras (aumentos de preços das empresas que limpam terrenos e a dificuldade de muitos proprietários em ressarcir a câmara dos trabalhos feitos no caso de limpezas coercivas) e a falta de meios humanos.

“É uma missão impossível”, resume o presidente da Câmara de Viseu, Almeida Henriques (PSD). Este autarca adquiriu tractores e outros meios para 17 freguesias (um investimento de 700 mil euros) em vez de ficar dependente de serviços externos ("É mais barato internalizar"). Criou ainda ecopontos florestais para os donos de terras deixarem o combustível florestal.


"Preços aumentam 20%"
O presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues (PS), explica que “de aviso público para aviso público os preços dos fornecedores aumentam 20%”. A câmara vai lançar agora uma consulta prévia para um ajuste de 350 mil euros para operações de limpeza. O socialista, que recorreu à linha de crédito disponibilizada pelo Governo, fala mesmo “em défice orçamental” e lembra os casos em que, por dificuldades de partilhas ou penhoras, os proprietários nunca pagam à autarquia o valor da limpeza que deviam ter feito. Noutros casos, a identificação cadastral não está actualizada e nem sequer se conhecem os donos. “Não podemos ter uma perspectiva persecutória”, salienta Almeida Henriques, a pensar sobretudo nas pessoas mais idosas ou com poucos meios.

“Estão a transferir responsabilidades para as autarquias que deviam caber ao Estado central”, alerta, por seu lado, o presidente da Câmara de Braga, Ricardo Rio (PSD).

António Louro, vereador na Câmara de Mação e presidente de uma associação de produtores florestais, a Fórum Florestal, defende a existência de sociedades de gestão dos terrenos e aplaude a posição assumida recentemente pelo presidente da Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais, Tiago Oliveira, que, em entrevista ao PÚBLICO/Renascença, defendeu que se não gerir o terreno, o proprietário “tem de o vender”. “Em minifúndios, só resulta uma gestão conjunta e para isso é preciso apoio financeiro para viabilizar o arranque deste processo”, argumenta, lembrando ainda que os apoios de Bruxelas são “muito sectoriais” e não permitem apoiar projectos para mudança de paisagem que integrem diferentes produções florestais e animais em simultâneo.

Da parte dos autarcas, “há uma enorme preocupação”, explica António Louro, acrescentando que se trata de “áreas muito grandes” e “a capacidade dos municípios esgota-se na sua área de intervenção [terrenos municipais], nas faixas das estradas municipais e nas zonas industriais”, sem contar com o papel que agora lhes cabe na limpeza de terrenos dos privados. “Não é fácil cumprir a legislação”, diz. “Se me pergunta se vou conseguir resolver os problemas todos, não vou, nem conseguirei”, resume Eduardo Vítor Rodrigues.

Em dois pontos, contudo, todos os autarcas estão de acordo. Depois dos grandes incêndios de 2017, as pessoas estão mais sensibilizadas para cumprir as obrigações de limpeza de terrenos e acessos e, por causa da meteorologia, os terrenos nesta altura do ano têm vegetação menos densa do que em 2018. Uma das explicações que avançam é a falta de chuva em comparação com o Inverno passado. Mas se chover nas próximas semanas tudo pode mudar de repente.

Ontem, em declarações à TSF, Xavier Viegas, responsável pelo Centro de Estudos de Fogos Florestais da Universidade de Coimbra, alertava para a necessidade de poder ser necessária uma nova limpeza ainda antes do Verão.

"Trabalhar mais com as pessoas"
“Não faz sentido fixar a data 15 de Março ou 15 de Maio. A natureza não conhece essas datas. Temos de estar atentos e disponíveis para a possibilidade de haver fenómenos naturais, climáticos que levem a atrasar ou adiantar esses trabalhos”, defendeu.

“É preciso trabalhar mais com as pessoas e com as comunidades, levar a que tenham uma maior sensibilidade e evitem fazer uso do fogo em dias de risco elevado”, aconselha.


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