Câmara de Lisboa “assegura” acesso aos bairros históricos
dos carros de quem presta auxílio a familiares idosos
Samuel Alemão
Texto
20 Março, 2019
São bastante frequentes as queixas de automobilistas
relativas à “prepotência” da EMEL, por não poderem entrar em zonas de acesso
condicionado, como Castelo, Santa Catarina e Bairro Alto, para ajudar os pais
ou outros membros da família. O presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria
Maior chegou, no verão passado, a dizer que as regras estavam desenquadradas da
realidade dos bairros históricos. Depois de questionada por vários partidos na
Assembleia Municipal sobre a situação, a Câmara de Lisboa vem agora recordar
que, afinal, a “prestação de apoio social ou humanitário” está prevista nos
regulamentos e dá direito à emissão de dísticos e cartões de acesso especiais.
Tem sido uma queixa recorrente nos bairros históricos da
capital onde o acesso automóvel é condicionado por um sistema de pilaretes
retrácteis, como Castelo, Alfama, Bairro Alto e Santa Catarina. Muitos dos
residentes idosos ou doentes crónicos dependem da assistência quotidiana de
familiares, alguns dos quais filhos, que moram noutros locais, mas alegadamente
têm-se visto impedidos de a receber de forma ordenada devido aos supostos
entraves colocados pela Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de
Lisboa (EMEL). A alternativa seria a compra de um cartão de visitante, que
permite o estacionamento temporário, custa 25 euros e cujo crédito se esgota
rapidamente após um período inicial de meia-hora. Confrontado com as queixas de
cidadãos contra a actuação da empresa e as questões dos partidos na Assembleia
Municipal de Lisboa (AML), a câmara vem agora relembrar que tais situações
estão acauteladas no regulamento de estacionamento da cidade. Basta que se peça
o acesso especial.
Nos últimos cinco meses, foram três as forças políticas com
assento na assembleia municipal – MPT, PCP e PEV – a solicitarem, através de
requerimento, explicações à Câmara Municipal de Lisboa (CML) sobre as regras de
acessibilidade de veículos automóveis aquelas áreas da cidade, por parte de
quem cuida de cidadãos em estado de maior fragilidade. Em Outubro passado, o
MPT endereçava duas perguntas à vereação relacionadas com a mobilidade na zona
histórica do Castelo, interrogando, em
primeiro lugar, sobre a forma “como é feita a triagem” de quem entra naquele
bairro, “designadamente em casos de necessidade de prestação de auxílio a
familiares por motivo de doença”, mas também se a CML planeava “rever o
regulamento em vigor, considerando que o actual modelo se encontra desajustado
à realidade actual dos bairros históricos”. Nos primeiros dias de Janeiro, foi
a vez do PEV (Partido Ecologista “Os Verdes”) perguntar “que medidas são
tomadas no sentido de dar resposta à necessidade de estacionamento das redes
informais de cuidadores e/ou familiares?”.
As repostas da câmara às perguntas contidas nestes dois
requerimentos chegaram recentemente, do gabinete do vereador da Mobilidade,
Miguel Gaspar, a última das quais nesta terça-feira (19 de Março), endereçada
ao MPT. E em ambas se remete para o Regulamento Geral de Estacionamento e
Paragem na Via Pública de Lisboa, em particular para o ponto 7 do artigo 39º,
segundo o qual, “em situações excepcionais devidamente fundamentadas na
necessidade de prestação de apoio social ou humanitário, mediante requerimento
sujeito a parecer prévio da Junta de Freguesia, a EMEL pode autorizar a emissão
de dísticos e cartões de acesso especiais”. E recorda que a norma indica os
procedimentos a adoptar para requer esses salvo-condutos, bem como os
requisitos para a atribuição. O principal dos quais passa pelo parecer
favorável da junta de freguesia da zona de acesso automóvel condicionado a que
o pedido se refere. Por exemplo, no Castelo e em Alfama será a Junta de
Freguesia de Santa Maria Maior e na Bica ou no Bairro Alto será a Junta de
Freguesia da Misericórdia.
A situação no Bairro Alto serve de exemplo, aliás, para o
terceiro dos requerimentos, o do PCP – entregue no mesmo dia do apresentado
pelo PEV, a 8 de Janeiro -, e que ainda não teve resposta. Nele se dá conta do
caso de uma mulher que se queixa de não poder ajudar a mãe de 83 anos e com
mobilidade reduzida, estando a idosa “presa dentro do Bairro Alto, pois a EMEL
não faculta a entrada aos carros da filha e dos netos”. A alternativa será a
compra do tal cartão de acesso temporário para visitantes, no valor de 25
euros. “O que nós pretendemos é que nos seja facultada a entrada no Bairro Alto
só e unicamente para buscar e levar a minha mãe e avó dos meus filhos. Operação
essa que entre a entrada e a saída não demoraria mais do que 15 minutos”,
explica queixosa num relato reproduzido pelo requerimento dos deputados
municipais comunistas. “Sabem quantos casos iguais ao da minha mãe existem?
Idosos presos dentro das suas próprias casas, unicamente porque a EMEL se julga
dona do Bairro Alto”, acusa a mulher que também deu o seu testemunho a O Corvo,
a 15 de Fevereiro, num artigo sobre as queixas de moradores e comerciantes
relacionadas com a actuação da empresa municipal.
A 1 de Agosto de
2018, O Corvo publicou uma reportagem em que os residentes do Castelo e seus
familiares apresentavam lamentos semelhantes. “Vivi 24 anos no Castelo e, hoje,
quando quero visitar a minha irmã de carro, tenho de enviar um email à Empresa
Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL) com 48 horas de
antecedência a informá-la. Isto é pior do que nas prisões”, dizia uma mulher.
“Fui operada à vista, o meu filho foi buscar-me ao hospital e trouxe-me a casa
de táxi. Deixou-me na entrada e fiz o resto do caminho a pé. Tenho um atestado
médico, que a EMEL exigiu para ele entrar, e, mesmo assim, não o deixaram
passar”, queixava-se uma residente com 73 anos. Um quadro que levou mesmo o
presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho (PS), a
considerar “inconcebível” o que se tem vindo a passar no Castelo. “A
regulamentação da EMEL está desactualizada face à nova realidade que existe nos
bairros históricos e a empresa tem de se ajustar. Tenho solicitado junto dos
responsáveis para que as normas sejam revistas e se encontrem novas soluções”,
dizia o autarca, no verão passado.
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