quinta-feira, 14 de março de 2019

Associações LGBTI em escolas? Depende muito

"Há 20 anos, a luta das associações LGBT era a minha luta. Hoje em dia, boa parte dela já não é. E não fui que mudei de sítio — foram as associações LGBT que se radicalizaram, e com elas surgiram mil e uma modas, cada vez mais estapafúrdias." 

COMENTÁRIO de OVOODOCORVO citando José Pacheco Pereira:
(…) “Uma parte importante da nossa esquerda radical, a das “causas fracturantes” e “identitárias”, mesmo quando se presume de marxista, abandonou há muito aspectos essenciais da interpretação marxista do mundo, em particular a ideia central de que é a relação de exploração entre o capital e o trabalho que define a forma actual da luta de classes.”
(…) “Resumindo de forma simplificada: a nação não conta, a religião não conta, a origem social não conta, a condição social não conta, a classe social conta cada vez menos, mas a raça, a cor, o sexo e o género contam muito, quase tudo.”
(…) “Sendo a política de “identidades” uma forma de reformismo, daí não vem nenhum mal ao mundo. Porém, tem um efeito perverso cujos custos a esquerda ainda não percebeu que está a e vai pagar: é fazer espelho com a outra política de “causas” da direita radical, os movimentos antiaborto e anti-imigrantes, a islamofobia a favor da “civilização cristã”, a mulher dona de casa, o anti-intelectualismo, a defesa dos valores “familiares”, o lobby pró-armas nos EUA, ou “as meninas são de cor-de-rosa e os rapazes de azul” dos Bolsonaros, os pró-tourada, os homofóbicos, etc. Acantonados nas suas “causas”, cada uma reforça a outra, o SOS Racismo dá forças ao PNR e vice-versa, e fora do “meio” destes confrontos, a nova direita “alt-right” ganha sempre mais força, porque é capaz de transformar isto tudo num discurso global através do populismo e a esquerda não.”
José Pacheco Pereira

“A esquerda “identitária” diz adeus a Marx”

Associações LGBTI em escolas? Depende muito
Não fui eu que mudei de sítio – foram as associações LGBT que se radicalizaram, e com elas surgiram mil e uma modas, cada vez mais estapafúrdias.

João Miguel Tavares
14 de Março de 2019, 6:52

 Depende do quê? Depende de sabermos exactamente o que lá vão fazer. A história a que me refiro tem andado pelos jornais e pelas redes sociais: no âmbito da disciplina de Educação para a Cidadania, uma escola básica do Barreiro decidiu oferecer a estudantes do 6.º e do 8.º anos uma palestra organizada pela Rede Ex Aequo, com o objectivo de “promover a igualdade de géneros” e “sensibilizar os alunos para as diferentes orientações sexuais”.

A Rede Ex Aequo é uma associação LGBTI que tem como objectivo criar (palavras suas) “uma rede de apoio, quebra de isolamento e activismo para jovens lésbicas, gays, bissexuais, trans, intersexo e apoiantes entre os 16 e os 30 anos”.

A controvérsia, como de costume, ocorreu parcialmente pelas razões erradas: foi pedido aos pais 50 cêntimos pela inscrição de cada aluno, valor esse que depois reverteu para a associação, de forma a apoiar as deslocações dos palestrantes. Consta que no total recolheram 27 euros, e foi esse pecúlio extraordinário que deu origem a indignações do tipo “ai, meu Deus, que o nosso dinheiro está a ser desviado para associações LGBTI”. Essa parte da história é obviamente ridícula.


Contudo, há uma parte da história que não é ridícula, e que eu gostaria de discutir aqui. Ela prende-se com a pergunta do título deste artigo: até que ponto as associações LGBTI portuguesas, no actual estado da arte das políticas de identidade, devem ir dar palestras a escolas para miúdos de 11 anos?

Vamos começar por aquilo que me parece consensual. Faz sentido ajudar a combater nas escolas “o bullying homofóbico e transfóbico”, como é objectivo da Rede Ex-Aequo? Claro que faz. Faz sentido apoiar jovens cujo despertar sexual não passa pela atracção pelo sexo oposto e que podem ser vítimas de discriminação? Claro que sim. Estas são matérias que miúdos de 11 anos já têm capacidade para compreender? Claro que têm. Então qual é o problema? O problema está em saber qual é exactamente o âmbito de actuação da Rede Ex-Aequo fora destas matérias que já fazem parte (felizmente) do consenso social.

Regressem, por favor, à última frase do primeiro parágrafo e releiam os objectivos da associação. “Rede de Apoio”? Parece-me impecável. “Quebra de Isolamento”? Sem dúvida. “Activismo para jovens”? Travão a fundo! Isso já não, obrigado. Doutrinar miúdos de 11 anos naquilo que é hoje o “activismo” das associações LGBTI é algo que eu dispenso com grande fervor — porque há muito que esse activismo deixou de se dedicar apenas à protecção do direito à diferença (essa, sim, uma luta essencial), para se transformar numa mescla de engenharia social e de tribalização identitária, de tal forma ideologicamente carregada que uma escola pública não pode, nem deve, andar a promovê-la.

Há 20 anos, a luta das associações LGBT era a minha luta. Hoje em dia, boa parte dela já não é. E não fui que mudei de sítio — foram as associações LGBT que se radicalizaram, e com elas surgiram mil e uma modas, cada vez mais estapafúrdias. A Rede Ex-Aequo não se limita a combater “o bullying homofóbico e transfóbico”. É da facção (o vídeo de apresentação é muito esclarecedor quanto a isso) que nos convida a dizer “oradores e oradoras”, que garante que “juntas e juntos fazemos a diferença”, e que quer esclarecer os nossos filhos sobre o verdadeiro significado da palavra “heteronormatividade”. E isso, caras associações LGBTI, é 100% ideologia. Pode ser defendido e promovido? Com certeza. Mas não em escolas básicas.

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