TRANSPARÊNCIA !?
OVOODOCORVO
PSD e PS abrem alas a deputados-advogados e oriundos do
sector financeiro
Propostas de última hora na Comissão da Transparência
invertem a tendência de aumentar as restrições ao exercício do mandato de
deputado.
Leonete Botelho
Leonete Botelho 29 de Março de 2019,
Os dois maiores partidos parlamentares juntaram-se esta
noite para fazer passar regras muito diferentes daquilo que foram defendendo ao
longo dos quase três anos de trabalho na Comissão da Transparência. Em
particular as regras relativas às actividades permitidas aos deputados que são
advogados, membros de sociedades de advogados, ou oriundos do sector
financeiro.
Na votação ao Estatuto do Deputado, o último diploma a ser
votado na especialidade por esta comissão eventual, o PSD apresentou uma
proposta de alteração de última hora que acaba por abrir alas àquilo que antes
queriam evitar. Se por um lado se proíbe ao deputado “emitir pareceres ou
exercer o patrocínio judiciário nos processos, em qualquer foro, a favor ou
contra o Estado ou quaisquer outros entes públicos”, logo a seguir permite-se
que se mantenham ligados a sociedades de advogados que o façam, desde que eles
próprios não intervenham nesses processos.
“É a vida”, resumiu o deputado independente Paulo Trigo
Pereira, na sua declaração de voto, em que alertou para a incoerência da norma
face ao espírito com que a lei estava a ser construída. Na véspera, lembrou o
deputado que foi eleito nas listas do PS, a Comissão tinha votado uma norma no
regime geral do exercício de funções públicas que impede os deputados de
manterem quotas e participações em sociedades superiores a 10% ou a 50 mil
euros, permitindo-se que suspenda a quota para mais tarde poder regressar à
actividade profissional. “Agora passa a ser redundante, pois com esta norma
pode manter-se ligado à sociedade, desde que não intervenha nestes processos”.
O deputado do PSD Álvaro Baptista contestou esta visão,
acabando por confirmar que era mesmo isso que se pretendia: “A maior parte das
sociedades de advogados são pequenas, dependem do sócio para se manterem, e às
vezes até do seu desempenho profissional”, justificou, defendendo que “o
desempenho de funções públicas não deve prejudicar quem vem de outras
actividades”.
Pedro Delgado Alves, o coordenador do PS na comissão,
justificou a abstenção que permitiu que a excepção fosse aprovada dizendo que
concorda com a ideia de que a limitação do advogado-deputado “não se repercute
na actividade da sociedade”. O centrista António Carlos Monteiro concordou e
acrescentou um ponto: “Os advogados têm a sua responsabilidade pessoal e quando
são titulares de cargos políticos sabem que este se sobrepõe ao interesse
particular”, disse.
Noutra proposta de última hora, outro bónus aos juristas,
que continuam a ser a profissão mais representada no parlamento: afinal, eles
até vão poder intervir em processos em que uma das partes seja uma entidade
pública, desde que não seja directamente representada pelo Ministério Público.
Por outras palavras, os advogados-deputados vão poder litigar em quaisquer
processos “penais, cíveis, executivos, de família e menores comerciais ou
laborais em que Ministério Público intervém sem assegurar a representação
directa” daquele organismo público.
Bónus ao sector financeiro
Na votação do artigo 21º do Estatuto dos Deputados, relativo
aos impedimentos, o PSD reservava ainda mais uma surpresa. No texto já votado
indiciariamente tinha sido aprovado que os deputados também estão proibidos de
“prestar serviços ou manter relações de trabalho subordinado com instituições,
empresas ou sociedades de crédito, seguradoras e financeiras”.
Mas na mesma proposta de última hora, os social-democratas
propõem uma excepção: a não ser que já o faça no momento do início de funções.
Ou seja, os economistas, gestores ou (adivinhe) advogados que já trabalhem no
sector financeiro podem continuar a fazê-lo depois de eleitos. Não podem é
começar a trabalhar nesse sector depois de ter chegado ao parlamento. Fecha-se
uma janela, abre-se a porta.
“É substancialmente diferente do que foi aprovado
indiciariamente, é a remoção do impedimento”, constatou o deputado comunista
António Filipe, referindo-se a toda a proposta do PSD de alteração deste artigo
21º, que acabou por ser toda aprovada graças à abstenção socialista.
TRANSPARÊNCIA !?
Afinal, os políticos vão poder guardar as prendas e aceitar
viagens
Ofertas acima de 150 euros têm que ser apresentadas ao
organismo a que os titulares pertencem, mas este pode deixá-los ficar com elas.
Foi criada a Entidade da Transparência e aprovada pena de prisão até três anos
para prevaricadores.
Maria Lopes
Maria Lopes 27 de Março de 2019, 23:44
Marques Guedes, presidente da Comissão da Transparência,
marcou para esta quinta-feira a votação do último diploma sobre o Estatuto dos
Deputados. MIGUEL MANSO
Depois de terem esgrimido argumentos durante várias tardes
sobre qual o limite aceitável para um político ou alto dirigente público
receber uma prenda ou uma viagem de uma entidade privada e até de terem
aprovado, num texto inicial, o registo público na internet para todas as
ofertas e a entrega das prendas de valor superior a 150 euros, nesta
quarta-feira, os deputados da Comissão da Transparência deram um passo atrás.
Os deputados do PSD e do PS, esclareça-se, já que foram quem mudou o sentido de
voto entre esse texto inicial e as votações feitas agora.
Assim, com o voto favorável do PS e do PCP e a ajuda da
abstenção do PSD, caiu qualquer necessidade de registo das ofertas recebidas no
desempenho das funções por políticos e altos dirigentes do Estado e estes só
precisam de as “apresentar ao organismo” a que pertencem. Será este que
decidirá o que fazer com o bem - que até pode ir para casa de quem o recebeu.
O PSD até tinha votado contra esta última proposta, o que
faria com que nenhuma oferta de bens materiais ou de serviços de valor superior
a 150 euros precisasse de ser comunicada, mas o PS avisou que então iria mesmo
“tudo abaixo” na regra das prendas e os sociais-democratas voltaram atrás.
No caso da oferta de viagens e alojamento, PSD e PS (e
também PCP) voltaram a unir-se para fazer aprovar uma regra que estipula que
“não está sujeita a dever de registo a aceitação de ofertas, de transporte ou
alojamento que ocorra no contexto das relações pessoais ou familiares” e outras
que permitem aceitar quaisquer convites compatíveis com a “relevância de
representação própria do cargo” ou “cuja aceitação corresponde a acto de
cortesia ou urbanidade institucional”.
Um cenário que levou o deputado Paulo Trigo Pereira a fazer
um violento ataque sobre o “desastre total e absoluto” da nova lei, que permite
“total opacidade para os convites privados” e “descredibiliza” o processo
legislativo. E acrescentou que casos como as viagens pagas pela Galp ao Euro
2016 que levaram às demissões no Governo e a processos judiciais a deputados
passam agora a ser legais.
O socialista Pedro Delgado Alves replicou que quem aceita
esses convites fica impedido de intervir em questões que envolvam essa entidade
e isso assegura a transparência. Pedro Filipe Soares (BE) e Vânia Dias da Silva
(CDS) lamentaram não haver registo de todas as ofertas ou pelo menos de um
valor mínimo de 150 euros; António Filipe (PCP) recusou o “registo de bagatelas”
e a submissão a códigos de conduta; Álvaro Batista (PSD) vincou o “valor
equilibrado” do que fica aprovado.
Entre outras matérias que acabaram também por ser aprovadas
no novo “regime do exercício de funções pelos titulares de cargos políticos e
altos cargos públicos” está a criação da Entidade para a Transparência, que
ficará encarregue da análise e fiscalização das declarações de rendimentos,
património e interesses destes titulares.
Foi aprovada a obrigação de entrega de uma declaração três
anos após a saída do cargo para controlar se houve um acréscimo desmesurado do
património, e também sanções mais fortes para quem não entregar a declaração -
seja com ou sem intenção. Se, por exemplo, não declarar rendimentos a que
estava obrigado de valor superior a 50 salários mínimos, pode ser punido com
pena de prisão até três anos e esse património será tributado à taxa de 80% no
IRS; se for um antigo titular e não entregar a declaração pode ficar inibido de
voltar a um cargo destes por um período de um a cinco anos.
Sem comentários:
Enviar um comentário