Estudantes fazem greve pelo clima, mas nas escolas o “dia é
normal”
Directores entendem que faltas não podem ser justificadas
com participação na greve, mas há quem admita avaliar motivo depois de perceber
qual a adesão (que adivinham fraca) dos estudantes aos protestos.
Rita Marques Costa 15 de Março de 2019, 7:00
Esta sexta-feira, “se
houver testes, eles realizam-se e se os alunos faltarem, têm falta”. É “um dia
normal. Não estamos a encarar a greve de maneira especial”, garante Eduardo
Lemos, director da Escola Secundária Eça de Queirós, na Póvoa de Varzim e
presidente do Conselho das Escolas. A maioria dos directores que o PÚBLICO
contactou diz que a rotina não será alterada por causa dos protestos
relacionados com a Greve Climática Estudantil.
Os protestos estão marcados para cidades de Norte a Sul do
país e nas regiões autónomas. No Facebook, estão marcados protestos em prol do
ambiente em pelo menos 28 cidades. E não são apenas os estudantes portugueses
que se manifestam nesta sexta-feira. Há greves marcadas em meia centena de
países. Todos se inspiram na adolescente sueca Greta Thunberg, que ao longo de
várias sextas-feiras fez greve às aulas para chamar a atenção para o problema
das alterações climáticas.
Foi também nas redes sociais que os estudantes encarregues
da organização da greve em Portugal deixaram uma mensagem sobre a justificação
de faltas às aulas: “Da parte da organização da Greve Climática Estudantil não
haverá faltas justificadas. No entanto, existem escolas que apoiam a greve e
estão a justificar faltas.”
Mas a questão não é assim tão simples. Para o director da
Eça de Queirós, “não está previsto, quando os alunos faltam às aulas para
participarem numa manifestação (qualquer que seja), que isso seja uma falta
justificada”. “Trata-se de uma actividade que não está prevista no nosso plano
de actividades e que não está prevista na lei como uma causa para justificar
faltas”, esclarece.
O entendimento de Eduardo Lemos é partilhado por vários
directores. “Não temos enquadramento legal para validar uma ausência destas”,
explica Júlio Santos, do Agrupamento de Escolas do Restelo. Carlos Luís, do
Agrupamento de Escolas João de Deus, em Faro, até defende que “a greve é um
direito dos assalariados” e não dos alunos. Da parte da Escola Secundária Clara
de Resende, no Porto, “a orientação é não justificar”, reconhece Maria do Carmo
Oliveira, assessora da direcção. Quanto aos testes, “se estão marcados, estão
marcados”, afirma.
No Liceu Camões, em Lisboa, “a escola não tomou uma posição
relativamente a esta questão porque isso seria abrir um precedente”. “Hoje é
pelo clima, amanhã pela violência doméstica, depois sobre outra coisa”, diz o
director João Jaime. “Um aluno que não vem à escola, nós não sabemos se foi ou
não foi. Mas claro que uma carta do encarregado de educação será analisada pelo
director de turma”. Acima de tudo, nota, “é uma falsa questão achar que só se
pode fazer uma manifestação se se tiver falta justificada. Ninguém vai ser
excluído por faltas por causa desta iniciativa.” Quanto aos testes, admite que
existam. “É natural que haja testes. Há sempre entre esta semana e a próxima.
Não sei se conseguiram negociar com os professores.”
A questão também foi colocada a Isabel Le Guê, professora de
Inglês na Escola Secundária Rainha Dona Amélia, em Lisboa, pelos seus alunos do
7.º ano. “Eu aproveitei para ter uma conversa pedagógica sobre o assunto.
Expliquei o que era uma greve, que quando as pessoas fazem greve é porque
acreditam na causa e, por acreditarem, abdicam de um dia de vencimento. Fiz a
pedagogia toda”, lembra. “E depois perguntei: Agora, digam-me lá vocês, os
estudantes que não recebem nada, qual será o sacrifício? Eles imediatamente
perceberam: São as faltas injustificadas.”
Trata-se de uma actividade que não está prevista no nosso
plano de actividades e que não está prevista na lei como uma causa para
justificar faltas
Eduardo Lemos, director da Escola Secundária Eça de Queirós
Caso a caso
Também na capital, mas no agrupamento de Escolas de
Alvalade, a justificação de faltas “depende da dimensão [do protesto] e da
forma como isto correr”, admite a directora Dulce Chagas. “Se percebermos que
não é um aproveitamento para outras coisas e que eles estão de facto
mobilizados para a causa…”
“Haverá algum fechar de olhos em algumas situações, mas acho
que eles sabem que têm deveres e que sexta-feira é um dia de aulas”, diz Manuel
Esperança, director do Agrupamento de Escolas de Benfica, em Lisboa.
Da parte da directora do Agrupamento de Escolas Dona Filipa
de Lencastre, em Lisboa, o essencial é também perceber se “os estudantes foram
à manifestação”. “Tenho a certeza absoluta que haverá sensibilidade dos
professores”, garante Laura de Medeiros.
A certeza de que os alunos não serão prejudicados também é
dada por Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de
Agrupamentos e Escolas Públicas. E nos casos em que não há disponibilidade
para alterar datas de testes ou justificar faltas, isso pode demover alguns
estudantes? “Pode, mas quando há fortes convicções, as coisas fazem-se.” Já o
director-executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular,
Rodrigo Queiroz e Melo, lembra a importância “da mobilização da juventude em
prol de uma causa em que acreditam”, mas admite que o tratamento da questão vai
“depender do estabelecimento [de ensino] e do impacto” do protesto.
Escolas “também têm de mudar”
O que querem afinal estes jovens? “Chamar a atenção do
Governo para a crise climática e exigimos que a sua resolução seja uma
prioridade”, lê-se na página do Facebook da Greve Climática Estudantil.
Os directores prevêem uma fraca adesão ao protesto, mas não
poupam elogios à iniciativa. “Tenho um respeito absoluto por isto”, diz Laura
de Medeiros. Filinto Lima também diz que “é de louvar a tomada de posição”. Da
parte de João Jaime, “esta é uma causa que os vai despertar”. “Já há muito
tempo que não há causas a despertar os jovens.”
A de certeza de que os alunos não serão prejudicados também
é dada por Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de
Agrupamentos e Escolas Públicas?
A associação ambientalista Zero, que também “aplaude” a
iniciativa lembra, em comunicado, que “se os jovens lutam pelo clima, as
escolas também têm de mudar”. E apela à adopção de hábitos mais sustentáveis
como a utilização de sistemas de energias renováveis, a implementação de menus
vegetarianos nas cantinas ou acabar “obrigatoriamente” com o uso de plásticos
de utilização única.
O partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) também está do lado
dos estudantes. O deputado André Silva vai juntar-se à marcha em Lisboa que vai
do Largo de Camões até à Assembleia da República.
A justiça climática é a luta pelo destino da Humanidade
Só faremos isto em conjunto, pela acção persistente e
decidida de milhões de pessoas. “Vamos mudar o destino da Humanidade.”
João Camargo
João Camargo, engenheiro do ambiente, trabalhador a
“part-time” e activista dos Precários Inflexíveis
15 de Março de 2019, 7:00
Hoje é um dia
histórico, com uma das maiores mobilizações globais de sempre, sobre qualquer
tema que seja. É a maior mobilização de jovens e a maior mobilização pela
justiça climática que alguma vez aconteceu. Todas as pessoas que mobilizaram,
que convocaram e que hoje se juntam e se encontram nas ruas de mais de mil
cidades por todo o mundo devem saber que fazem parte de um momento
extraordinário. Começa uma nova História da justiça climática.
Durante as últimas três décadas, milhares de pessoas por
todo o mundo empurraram um comboio pesado, o comboio da inércia, o comboio da
conformação, o comboio do sistema, à procura de soluções e vontade política
para resgatar a civilização. Muito mais grave do que a meia dúzia de
negacionistas de alterações climáticas (com desproporcionado impacto
mediático), foram mesmo os arquitectos das políticas dos últimos anos os
grandes responsáveis por vivermos numa emergência climática sem paralelo na
História da Humanidade.
“O desprezo pelos jovens, o desprezo pelas pessoas comuns,
foi convertendo superficialmente milhares de milhões em cínicos, em hipócritas,
em seres amorfos e autocentrados. O poder retirado pela economia e pela
política às populações foi criando um espírito de derrota, de impotência, de
conformação a tudo o que viesse de cima, à ordem e à obediência. Apesar de
haver sempre quem resistisse, esse espírito imperou durante muito tempo.”
De nada serviram Barack Obamas, Justin Trudeaus ou Uniões
Europeias a gritar o seu empenho no combate às alterações climáticas, de nada
nos serviram as tintas verdes com que empresas destruidoras como a BP ou a
Volkswagen se foram pintando porque, apesar de andarmos há décadas à procura de
acordos para cortar as emissões de gases com efeito de estufa, 2018 foi o ano
com o mais alto nível de emissões alguma vez registado. Nesse contexto de
enorme frustração, de enorme contradição, empurrámos, contra o senso comum,
contra a política banal, contra a TINA (There Is No Alternative), assistimos ao
colapso em Copenhaga, exigimos que não houvesse mais explorações de petróleo,
gás e carvão, se queríamos salvar o futuro da civilização. Às costas, levávamos
a Ciência, a vontade e a certeza de que isto não podia acabar assim, que a
Humanidade não podia ser só isto.
A temperatura média global nas últimas três décadas só tem
comparação com o período interglacial do Eemiano, há mais de 115 mil anos.
Haveria nessa altura, quanto muito, alguns milhões de seres humanos (menos do
que os dedos de uma mão). O centro da Europa era uma savana, o Reno e o Tamisa
tinham hipopótamos e crocodilos. O nível médio do mar era seis a nove metros
mais alto do que hoje. Os cinco anos mais quentes desde que há registos são os
últimos cinco (2016, 2015, 2017, 2018, 2014). Devido à queima massiva de gases
com efeito de estufa que começou na Revolução Industrial e que disparou a
partir do final da Segunda Guerra Mundial, criámos um clima em que nunca
vivemos antes, diferente daquele em que foi possível inventar a agricultura, a
escrita, a civilização. O capitalismo industrial fóssil acabou com o Holoceno,
o período geológico dos últimos 12 mil anos que permitiu que a nossa espécie de
instalasse e proliferasse por todo o planeta.
Mas a inacção garante-nos uma degradação muito maior do que
esta, e cada dia, cada semana, cada mês em que a máquina industrial fóssil se
mantém em produção máxima agrava o nosso futuro. Cada momento em que a máquina
industrial fóssil se mantém em produção ficam em causa a viabilidade dos
territórios em que habitamos hoje, a sua capacidade de nos continuar a
sustentar, quer pela redução da capacidade de produção alimentar e da
disponibilidade de água, quer pelos fenómenos climáticos extremos e a subida do
nível médio do mar. A reacção perante este estado de coisas é uma manifestação
de autoprotecção. Não estamos a defender a Terra, nós somos parte da Terra e
estamos a defender-nos a nós mesmos.
Nomeada para o Prémio Nobel da Paz, Greta Thunberg, a jovem
sueca de 16 anos que disse exactamente isto na cara das lideranças mundiais na
Polónia, foi o ponto de apoio e a sua greve, todas as sextas-feiras frente ao
Parlamento da Suécia, foi a inspiração para a greve mundial climática. Mais
tarde, o colectivo que convocou esta greve diria em carta aberta publicada no
The Guardian: “Vamos mudar o destino da Humanidade.” Não é menos do que isto o
que precisa de acontecer. Esta chamada à acção colectiva retira o derrotista
enfoque na acção individual que vigorou nas últimas décadas. Só faremos isto em
conjunto, pela acção persistente e decidida de milhões de pessoas. Tentar
reduzir o que acontece neste 15 de Março de 2019 a uma chamada para pequenas
acções individuais ou locais é perverter o que está a acontecer: “Vamos mudar o
destino da Humanidade.”
Tudo irá mudar nas nossas economias e nas nossas sociedades.
Se não formos nós a organizar estas mudanças, será o novo clima, sem qualquer
contemporização. Vivemos neste momento dentro do arranha-céus em chamas do
capitalismo global e todos os alarmes estão a tocar. Não existe nenhum bombeiro
mágico para apagar as chamas. Está na hora de sair e construir uma nova casa
para a Humanidade.
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