Ana Gomes: "Ronaldo e Mourinho nunca mais caem em
esquemas criminosos"
Em entrevista à TSF, a eurodeputada socialista afirma que
Portugal "não escapa" aos "esquemas criminosos", que no futebol
nacional podem até ser "mais perversos", e espera que as autoridades
aproveitem os conhecimentos de Rui Pinto, o rosto do Football Leaks
João Francisco Guerreiro
27 Março 2019 — 22:17
A eurodeputada lamenta que até agora "as autoridades
portuguesas não tenham mexido uma palha", para recuperar
"milhões" de euros, que escapam pelos "esquemas" do futebol.
Ana Gomes admite, porém, que "alguma coisa possa mudar", depois das
autoridades húngaras terem entregado Rui Pinto à Polícia Judiciária.
"Espero, e vi com satisfação, que desde que Rui Pinto
chegou a Portugal, as autoridades tributárias e outras, começaram a
interessar-se e a querer exatamente utilizar os conhecimentos dele, como
fizeram as autoridades alemãs, francesas, belgas e espanholas para ir recuperar
ativos", afirmou a deputada, nesta entrevista à TSF, considerando que para
as investigações o trabalho realizado no âmbito do Football Leaks deu um
contributo importante.
A deputada socialista afirma que o assunto foi alvo de
escrutínio no Parlamento Europeu, até no âmbito de um relatório sobre crimes
fiscais, aprovado ontem em Estrasburgo, no qual também foram abordados os ditos
"esquemas" no futebol. No entanto, "quando nós fizemos as
audições sobre o Football Leaks, ainda não se sabia que o Rui Pinto era um dos
"whistleblowers" [denunciantes]", lamentou, congratulando-se, ao
mesmo tempo, por hoje haver "um renovado interesse em Portugal, nessa
matéria".
Por essa razão, Ana Gomes pretende manter um "papel
ativo na política" mas também desenvolver um trabalho pela transparência
"a partir da sociedade civil", quando deixar o Parlamento Europeu. E
espera que em Portugal também seja possível realizar as investigações
"devidas", tal como tem sucedido noutras jurisdições.
"Vemos outras autoridades, designadamente as
espanholas, a recuperar dinheiro de impostos do Ronaldo, Mourinho, e de outros
desportistas do futebol, na ordem de milhões de euros, que foram nesses
esquemas sonegados ao fisco, e não temos conhecimento de que as nossas
autoridades tenham mexido uma palha".
Ana Gomes sugere que a "descoberta" dos vários
casos terá um efeito de dissuasão de práticas que "não são exclusivas do
futebol português". "É um fenómeno global e, portanto, tem que ser
atacado".
"Tenho a certeza que Ronaldo, o Mourinho e outros nunca
mais vão cair nas mãos dos conselheiros que os fizeram entrar nestes esquemas
criminosos", afirmou a deputada, para quem a "preocupação com a promiscuidade
nos negócios do futebol" vem dos tempos de diplomata, na Indonésia.
"Quando vim para a atividade política, estava na
Indonésia, via a RTPi e achava que estava a haver demasiado futebol na
discussão pública. E, desde então agravou-se", lamentou Ana Gomes,
considerando que "através dos media, isto acaba por se tornar num
verdadeiro ópio do povo".
Paraísos fiscais e o exemplo da Madeira
Num tom crítico, dirigido aos regimes que permitem os
chamados "crimes fiscais", a eurodeputada Ana Gomes considera que
"faz sentido" referir a zona franca da Madeira, no âmbito de um
relatório Parlamento Europeu que trata de casos de fuga ao fisco.
Em entrevista à TSF, em Estrasburgo, a eurodeputada
socialista fala de jurisdições em que estão em causa "a evasão, fraude
fiscal, crimes de branqueamento de capitais [ou de financiamento do
terrorismo]", os quais é "preciso combater", começando por
"admitir que existem", até no espaço europeu.
"Se queremos combater os paraísos fiscais, temos
obviamente de admitir que os temos na União Europeia e de os combater na União
Europeia", defendeu Ana Gomes, sublinhando que "a mesma coisa se
aplica a Portugal", onde "infelizmente" considera haver um
"paraíso fiscal".
"Se queremos combater os paraísos fiscais, a nível
global, obviamente temos que olhar para o que se passa a nível europeu e também
temos que olhar para o que se passa em nossa casa. E, infelizmente, temos um
pequeno paraíso fiscal, que se chama Madeira", disse a deputada, para quem
a zona franca "não reverte a favor da população da Madeira".
"Porque quem esteve a ganhar dinheiro nestes últimos 30
anos foram as pessoas ligadas ao grupo Pestana, que está por trás da sociedade
de desenvolvimento na Madeira. E, de facto, o povo da madeira não viu
benefícios nenhuns", afirmou.
"Foi o Orçamento do Estado português que - e bem -
entrou para financiar a Madeira. Não tenho problema nenhum com isso. Tenho
problema se a Madeira ganha dinheiro à custa de um esquema criminoso, seja ele
criminalidade fiscal, seja outro tipo de criminalidade", afirmou.
Nesta entrevista, Ana Gomes questiona, em forma de alerta,
"quantas vezes" a criminalidade fiscal e financeira não é
"utilizada para esconder outro tipo de grande criminalidade, incluindo o
financiamento do terrorismo".
A eurodeputada socialista encerra este ano o seu terceiro
mandato no Parlamento Europeu. Foi eleita, pela primeira vez, em 2004. Nesta
legislatura é vice-presidente da Comissão Especial sobre os Crimes Financeiros
e a Elisão e a Evasão Fiscais. Membro da Comissão das Liberdades Cívicas, da
Justiça e dos Assuntos Internos; da Subcomissão da Segurança e da Defesa, da
Delegação para as Relações com os Estados Unidos e da Delegação à Assembleia
Parlamentar da União para o Mediterrâneo.
* Correspondente do DN e da TSF em Bruxelas
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