Comboio Presidencial envolto em polémica acaba em 2020
Uma eventual situação de favorecimento por parte do Museu
Nacional Ferroviário na cedência do comboio Presidencial ao empresário Gonçalo
Castel Branco lançou suspeitas sobre um projecto que vai ter o seu fim em 2020.
O empresário diz que não usufruiu de quaisquer vantagens e que até agora só
perdeu dinheiro com a exploração do comboio de luxo.
Carlos Cipriano 18 de Março de 2019, 7:05
O restauro da composição onde viajaram os dignatários do
Estado Novo custou 1,5 milhões de euros, naturalmente financiado com fundos
comunitários de 1,2 milhões de euros porque a Fundação Museu Nacional
Ferroviário está tecnicamente falida, tendo vindo a acumular prejuízos nos
últimos anos. O contrato assinado em 2019 com a CCDR do Centro previa que
Fundação usasse depois o comboio em “passeios turístico-culturais” mediante
parceiros públicos ou privados.
Em 2015, o empresário Gonçalo Castel Branco, que à data
tinha como sócia Marta Sousa (mulher de Miguel Relvas) acordam com o Museu a
exploração do Comboio Presidencial na linha do Douro em viagens que incluem
refeições a bordo concebidas por chefs de renome e que culminavam com uma
visita à Quinta do Vesúvio em Vila Nova de Foz Côa. No preçário, o bilhete mais
barato para esta viagem turística, gastronómica e cultural custa 500 euros,
podendo chegar aos 2000 se o cliente quiser pernoitar numa unidade hoteleira de
luxo na zona da Régua.
As taxas de ocupação do Presidencial – que por não ter ar
condicionado só tem circulado nos fins-de-semana de Maio e Outubro por serem os
mais neutros em termos de temperatura – tem sido próxima dos cem por cento, o
que levantou dúvidas sobre o mau negócio da Fundação ao ceder uma composição
que geraria lucros sem outra contrapartida que não fosse um plano estratégico
de marketing que Gonçalo Castel Branco realizou para o museu ferroviário.
Mais: a própria CP, que tracciona o comboio com uma das suas
locomotivas, aceitou, no primeiro ano em que a composição circulou (2016),
fazer um desconto de 100 mil euros na prestação do serviço de tracção (é uma
locomotiva da transportadora pública que reboca as carruagens do Presidencial).
Com a crise ferroviária a agravar-se no último Verão, esta
história tinha todos os ingredientes para tornar-se explosiva: Jaime Ramos,
ex-presidente da Câmara do Entroncamento eleito pelo PSD e à data presidente da
Fundação Museu Nacional Ferroviário (tecnicamente falida), é quem atribui o
comboio (recuperado com dinheiros públicos) à empresa da mulher de Miguel
Relvas para realizar um negócio de luxo.
Gonçalo Castel Branco refuta quaisquer situações de
favorecimento, mas admite que as repercussões desta história nas redes sociais
foram fatais para o seu projecto. Mas vai à luta: “primeiro, a Marta começou a
trabalhar comigo ainda antes de casar com o Miguel Relvas e saiu da empresa
seis meses depois do Presidencial ser lançado sem nunca ter ganho um euro;
segundo, não houve qualquer favorecimento porque outros operadores também se mostraram
interessados no comboio mas não aceitaram as condições impostas pelo Museu;
terceiro, eu próprio também ainda não ganhei dinheiro com o projecto, o qual só
deverá atingir o break even dentro de dois anos”.
Dada a sua especificidade como peça de museu, o Presidencial
obriga a cuidados dispendiosos na sua exploração e está limitado a 8000
quilómetros por ano. Ainda assim, desde 2016 já realizou mais viagens do que
durante toda a sua vida ao serviço dos presidentes da República. E já ganhou o
prémio do melhor evento público do mundo.
Gonçalo Castel Branco diz que a média do custo por cada
edição do The Presidential está ligeiramente acima dos 200 mil euros, dos quais
90 mil euros são custos ferroviários. Já as receitas têm rondado os 161 mil
euros, pelo que o projecto está ainda no vermelho.
Os pesados encargos de circulação são confirmados pela
própria Fundação do Museu Nacional Ferroviário que em resposta ao PÚBLICO
confirma que “a T&M suporta os custos relacionados com o cumprimento do
plano de manutenção, reparação de danos ou avarias, custos de operação (aluguer
de locomotiva para tracção das carruagens do comboio, tripulação, combustível e
taxa de utilização da infra-estrutura), seguro de casco e vigilância do comboio
quando parqueado”.
O empresário diz que poderia ganhar dinheiro se nos próximos
dois anos pudesse realizar quatro edições, mas que só foram autorizadas duas
para poupar na quilometragem do comboio. “Se tudo correr bem, vou sair sem
prejuízos nem lucros, mas graças a esta experiência acabei por abrir caminho a
que outros operadores possam investir no turismo ferroviário”.
O mentor do Presidencial diz que não pensou inicialmente
fazer um comboio de luxo, mas que foram os elevados custos de exploração que o
obrigaram a praticar preços tão elevados. E refuta as “contas astronómicas” que
viu nas redes sociais sobre uma alegada facturação de 800 mil euros nas 25
viagens vezes 64 lugares (lotação do comboio) vezes 500 euros. “Desses 1600
lugares, 200 foram para jornalistas e patrocinadores (que fornecem bens e
serviços a troco de lugares oferecidos), o que só dá 1400 lugares vendidos, mas
nem todas as edições tiveram lotação esgotada e há ainda a descontar os 20% de
comissão das agências de viagens e os impostos”.
Gonçalo Castel Branco diz que este projecto lhe deu “muito
gozo, mas nenhum lucro” e que tem outra empresa ligada à produção de eventos
que lhe permite viver. “Eu podia ganhar dinheiro se explorasse barcos
turísticos, mas gosto de comboios...”, lamenta. Para logo contra-atacar:
“causamos incómodo aos interesses instalados no Douro pois somos os operadores
de turismo ferroviário mais bem-sucedidos em termos mediáticos”. Uma alusão a
Mário Ferreira, da Douro Azul, que tem um comboio turístico no Tua que ainda
não conseguiu pôr em circulação.
E insiste que nunca foi favorecido na cedência do
Presidencial. “Sei de concorrentes que abordaram repetidamente o Museu
Ferroviário para ficar com o comboio, mas não aceitaram os pesados encargos que
a sua circulação acarreta para um tão limitado número de lugares e de
quilometragem”.
O Presidencial morreu. Viva o comboio Vintage!
O próximo projecto de Gonçalo Castel Branco, já em curso, é
o Comboio Vintage, que se destina a um segmento de mercado mais vasto e menos
exclusivo que o Presidencial. Gonçalo Castel Branco diz que vai comprar seis
carruagens Shindlers à CP para as recuperar e transformar num comboio turístico
que não só circulará na linha do Douro como em praticamente todo o país.
Numa primeira fase o comboio terá quatro carruagem: duas
restaurante, uma cozinha e uma de apoio. Os restaurantes sobre carris terão um
mobiliário desenhado e patenteado expressamente para este comboio, que permite
transformar o veículo em salão com piano bar. Numa segunda fase, o comboio
contará com duas carruagens-cama.
“Será um Expresso do Oriente português, com preços mais em
conta do que o Presidencial e que poderá ser acessível a quase todos os
portugueses”, diz Gonçalo Castel Branco.
O investimento ronda um milhão de euros, mas o empresário diz
que espera um retorno num prazo relativamente curto porque este comboio não
terá limitações de quilometragem e poderá circular o ano inteiro e em toda a
rede da CP. “Portugal tem condições únicas para o turismo ferroviário. A maior
parte das linhas férreas acompanha rios, montanhas, atravessa planícies, chega
a sítios históricos... e o comboio tanto pode andar no interior como fazer
percursos entre Lisboa, Sintra e Cascais”.
A solidez financeira do projecto é garantida por sócios
luso-americanos que, segundo Gonçalo Castel Branco, “ficaram encantados com o
projecto desde que viajaram no Presidencial e se deram conta do potencial do
turismo ferroviário em Portugal”. Os novos accionistas detêm agora 51% do
capital da T&M.
Esta será a primeira vez que um privado compra carruagens da
CP para desenvolver um projecto turístico. As Shindler foram construídas na
Suíça e vieram para Portugal em 1949 e 1950, tendo sido retiradas do serviço
nos anos 90 deste século. Em 2004 a CP investiu um milhão de euros para recuperar
oito destas carruagens, salvando-as da sucata, para criar o Comboio do Vinho do
Porto que, após algumas viagens seria descontinuado.
A composição esteve abandonada durante oito anos até que em
2016 a empresa volta a recuperar seis carruagens para criar o Miradouro, um
comboio turístico low cost que circulou durante dois verões no Douro e cujas
carruagens estão agora a fazer serviço regular de passageiros.
Gonçalo Castel Branco faz questão de explicar que a
recuperação das suas carruagens não será feita com recursos públicos e que está
a recrutar pessoal reformado da EMEF para trabalhar no seu projecto. “Não faria
sentido afectar operários para trabalharem num comboio turístico quando estes
fazem falta para a manutenção de comboios que satisfazem a mobilidade das
pessoas”, diz.
“Pode parecer chocante falar em turismo ferroviário quando
se sabe das dificuldades actuais dos comboios em Portugal, mas o crescimento
deste segmento iria libertar recursos à ferrovia para se dedicar à operação de
transporte público”, explica, dando o exemplo do Douro onde uma grande parte
das pessoas viaja de comboio pela viagem em si e não para satisfazer uma
necessidade de mobilidade entre uma origem e um destino.
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