Nova ciclovia e mudanças no trânsito da Avenida de Paris
acabam com segundas filas mas estão a gerar controvérsia
Samuel Alemão
Texto
14 Março, 2019
As alterações em curso numa via com muito comércio e que,
durante décadas, assegurou a ligação viária entre a Praça de Londres e a
Avenida Almirante Reis não estarão a ser bem vistas por todos. Na verdade,
estão até a dividir uma comunidade, sejam lojistas ou moradores. Mais do que a
construção de uma ciclovia, o que está a irritar alguns é a alteração ao
esquema de circulação automóvel, com a inversão do sentido entre a Rua
Presidente Wilson e a Praça de Londres. Para entrar de carro na Avenida de
Paris, é agora necessário fazê-lo através da Avenida João XXI. O suficiente,
dizem alguns comerciantes, para arruinar os seus negócios. Há até quem já sinta
as consequências e planeie fechar a loja. Outros, porém, encaram com muito
optimismo a transformação daquela artéria e acham que o ambiente vai melhorar
muito.
A tinta no pavimento ainda cheira, denunciando juntamente
com o aspecto imaculado que está pintada de fresco. Mesmo só ocupando ainda uma
metade da Avenida de Paris, a nova ciclovia que assegurará a ligação entre a
Praça de Londres e o topo da Avenida Almirante Reis já conseguiu dividir em
igual proporção comerciantes, residentes e frequentadores daquela artéria. E
nas apreciações às alterações introduzidas no esquema de circulação, iniciadas
na sexta-feira da semana passada (8 de Março), até há quem valorize de forma
diferente os distintos aspectos da intervenção. “Acho muito bem que tenham
feito a ciclovia, pois acaba por dar mais movimento de pessoas aqui à rua e até
acaba com os carros em segunda fila. Acho é que podiam ter feito isto sem mudar
o sentido do trânsito, pois o que isto vai provocar é um maior
congestionamento”, diz Manuela Rodrigues, 47 anos, gerente da pastelaria Bolos
do Bairro. “São coisas que, às vezes, são decididas nos gabinetes, sem a devida
avaliação”.
A mudança do sentido a que se refere Manuela refere-se à tal
metade da Avenida de Paris onde a intervenção já está terminada, entre a Rua
Presidente Wilson e a Praça de Londres. O trânsito automóvel passou agora a
circular em direcção a esta praça, a partir da Presidente Wilson, quando antes
nela se iniciava e assim garantia uma ligação ininterrupta à Avenida Almirante
Reis. Mas esse hábito de décadas teve um fim. Com as mudanças trazidas com a
obra incluída no projecto da rede “Lisboa Ciclável”, concretizado pela EMEL em
parceria com a Junta de Freguesia do Areeiro, além da via para bicicletas,
todos os carros passam a aceder à Avenida de Paris e à contígua Praça Pasteur
através da Avenida João XXI e da Rua Presidente Wilson, onde a circulação
bifurca: à direita para a Praça de Londres, à esquerda para A Avenida Almirante
Reis. Sempre com um limite de velocidade de 30 quilómetros por hora. O
objectivo é acalmar o tráfego, melhorando a segurança rodoviária.
Uma estratégia que tem vindo a ser implementada um pouco por
toda a cidade, nos últimos anos, com reconhecidos benefícios sobretudo para
quem circula a pé e de bicicleta. Mas que, ainda assim, não agradará a todos.
Não só aos que contestam a redução do prevalecente espaço dado ao automóvel –
assumida, aliás, como central na estratégia municipal de mobilidade e gestão do
espaço público -, mas também a quem veja nas bicicletas e trotinetas “uma
praga”, como por aí se vai ouvindo. “Ainda ontem ia sendo atropelada por uma
bicicleta”, queixa-se a cabeleireira Manuela Ferreira, 53 anos, embora assegure
que nada tenha contra esta forma de locomoção, mas sim contra “os que não
cumprem as regras e andam em cima do passeio”. Ainda assim, a pequena
empresária contesta as mudanças naquela artéria, sobretudo pela alteração do
esquema de circulação viária. “Esta transformação transtorna-me um bocado o
negócio. Não pela ciclovia, mas sim pela mudança de sentido”. Em poucos dias,
garante, já começou a sentir os efeitos. “As clientes que vêm de carro estão a
desmarcar”, garante.
De igual fenómeno se queixa Marco Oliveira, 40, gerente da
loja “Marco e os Animais”, especializada em tudo o que seja necessário para a
bicharada doméstica. E com resultados bem mais drásticos. Tanto que já decidiu
encerrar o estabelecimento até Maio. Tudo por causa das mudanças na circulação
e, com a construção da ciclovia, impossibilidade de paragem do carro em segunda
fila. “Está a prejudicar-me o negócio de forma dramática. Só nestes dias em que
as alterações estão em vigor, a minha facturação já caiu na casa dos 80%. Tive
clientes a ligarem a perguntar se tínhamos fechado e a irem directamente à nossa
loja de Campo de Ourique. Muita gente encostava o carro para vir comprar uma
saca de ração ou de terra e agora não o pode fazer. Assim não dá para continuar
aqui”, diz, referindo preferir encontrar uma solução na zona do Saldanha. O
empresário acrescenta ainda outras objecções ao novo cenário, nomeadamente o
potencial aumento do congestionamento de tráfego e o facto de, “sendo esta uma
zona com muitos idosos, aumentar o risco de atropelamentos por ciclistas”.
Tal visão é, no
entanto, refutada por outros comerciantes e lojistas da Avenida de Paris, que
olham com optimismo para as mudanças introduzidas. “Acho óptimo que tenham
feito isto, a rua até fica mais arrumada. E até vai dinamizar, criando aqui
movimento de pessoas”, diz Tatiana Monteiro, empregada de uma loja de vestuário
situada praticamente na esquina com a Praça de Londres. “Antes, havia sempre
muitos carros em segunda fila e buzinadelas o tempo todo”, complementa a colega
Cristina Fernandes, ambas na casa dos “vintes”. Idêntica visão têm duas
funcionárias da The Coffee Library Lisboa, café especializado em “donuts”. “As
ciclovias são importantes para a cidade e o ambiente. São mais seguras e
significam menos poluição”, dizem em uníssono Carine, 24, e Gabriela, 18. Para
Isabel Serra, 47, funcionária da cafetaria Empório do Chá, as mudanças
observadas são largamente positivas. “Acabaram com a segunda fila, o que é
óptimo. Agora, até há imensos lugares de estacionamento disponíveis”, observa.
Já Pedro Leal, 32
anos, empregado numa casa de fotocópias a poucos metros, tem uma teoria sobre
os motivos do descontentamento que amiúde se ouve por ali. “Como não tenho
carro, nem carta de condução, não me faz confusão. Acho que haverá aqui uma
resistência à mudança de algumas pessoas, mais apegadas ao carro. Mas a maior
preocupação talvez tenha que ver com o atravessar fora da passadeira, como
muita gente faz. Olham só para um lado e, por força do hábito, não reparam que
os carros vêm do outro”, explica. De resto, só tem elogios a fazer ao espaço
concedido às bicicletas. “Gosto de ver a cidade a investir nas ciclovias”, diz.
O mesmo pensa o morador Luís Gregório, 42, salientando o fim das segundas
filas, “dos constantes buzinadelas e de carros a alta velocidade” como algo
salutar. “Qualquer pessoa com bom-senso acha isto uma boa ideia. Estamos numa
zona residencial”, lembra o também ciclista.
Nem todos os que ali
vivem, porém, pensam de forma semelhante. Uma das vozes discordantes é a de
Manuela Ramos, 60, com quem O Corvo se deparou num momento de evidente
estupefacção perante o que estava a observar. “Isto parece a Feira Popular. Já
é difícil estacionar aqui, agora nem sei como vai ser”, proclama a residente
daquela avenida, onde mora desde que nasceu. Manuela assume uma clara
“irritação com aquilo em que Lisboa se está a transformar”, sem especificar,
mas também não esquece os supostos engulhos à circulação automóvel. “As pessoas
vão ter de dar uma grande volta para aqui chegarem”, queixa-se. O mesmo pensa
Júlio Dinis, 68, dono do restaurante Central de Paris, a funcionar ali desde
1950. “Passava aqui um trânsito que era uma coisa louca. Agora está parado. Não
veio trazer benefício nenhum”, avalia.
A isto, Ana Rebelo,
55, gerente de um outro salão de beleza na avenida, acrescenta a “maior
dificuldade em estacionar e de circulação em situações de emergência”,
consequência do estreitamento da via única destinada ao trânsito automóvel. A
ciclovia vê-a como um investimento desnecessário. “Não vejo assim tantas
bicicletas aí a passar”. Mas mais relevante nesta mudança, critica, “é que
agora há menos movimento, menos carros, e isso não é bom para o comércio”, diz.
Uma avaliação que, na verdade, até coincide com a feita há exactamente um ano
pelos comerciantes da vizinha Avenida Guerra Junqueiro. As vozes de
descontentamento ter-se-ão entretanto calado. “Somos sempre um pouco avessos à
mudança”, admite Ana Rebelo.
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