EDITORIAL
A perigosa degenerescência dos “coletes amarelos”
Se há uma primeira palavra a dizer sobre o que se repetiu
ontem nas ruas de Paris é basta. Numa democracia nada justifica a pressão
política através da violência, da destruição e da criação de um clima de
intimidação social.
Manuel Carvalho
17 de Março de 2019, 6:55
Como se gere um
protesto no qual se confundem os protestos legítimos de cidadãos que se sentem
abandonados pelos poderes públicos e as mais cruéis expressões de vandalismo e
de destruição criminosa? A que foi anunciada como a última manifestação dos
“coletes amarelos” pode dispensar uma resposta definitiva, mas, com ou sem uma
cor definida, o protesto social na França de Emmanuel Macron está para
continuar e com ele o crucial confronto entre a defesa do Estado de direito e o
direito ao protesto. A democracia francesa vai-se assim dissolvendo nestas
contradições, Macron vai perdendo credibilidade. No final do dia, quem ganhará
com a mistura de manifestação com arruaça será a extrema-direita; e quem vai
perder são as reivindicações legítimas dos franceses que se sentem deserdados e
traídos pela República.
É por isso que se há uma primeira palavra a dizer sobre o
que se repetiu ontem nas ruas de Paris é basta. Numa democracia nada justifica
a pressão política através da violência, da destruição e da criação de um clima
de intimidação social. Havendo ou não infiltrações do crime organizado ou de
supostas milícias da extrema-direita, a única resposta que se exige aos saques
ou aos incêndios de lojas ou de automóveis é através da acção policial. Ninguém
tem o direito de defender as suas posições políticas destruindo o património
dos outros e, ainda menos, muito menos, através da violação das regras básicas
de convivência social. E se há algo que perturba na dinâmica dos genuínos
“coletes amarelos” é não terem desenvolvido uma oposição feroz aos gangues ou
aos manifestantes mais violentos. Não o fazendo, acabam por perder a simpatia e
o apoio dos cidadãos que reconhecem a razão do seu protesto, mas recusam ver as
ruas da sua capital transformadas num cenário de guerra civil.
A contaminação dos protestos com a violência retira-lhe
assim toda a dimensão de cidadania e transformam-nos numa ameaça à democracia.
Por muitos erros que tenha cometido, Macron foi eleito democraticamente pelos
franceses, continua a dispor de uma maioria no Parlamento e não é suspeito ou
acusado de ter cometido qualquer crime que imponha a sua destituição. O cenário
repetido nas ruas de Paris perdeu com o tempo toda a sua natureza legítima e
democrática e tornou-se um fenómeno de ataque às regras da democracia
representativa através do qual alguns (por muitos milhares que sejam) pretendem
impor pela força uma alternativa à única forma de representação da soberania
popular aceitável: a que é conferida ao poder político pelo voto.
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