EDITORIAL
O parlamento cede aos advogados (e sem vergonha)
O inefável bloco central, PS e PSD, sempre juntos em prol do
interesse nacional quando convém, somaram votos para inverter aquele que tinha
sido o espírito dos trabalhos da Comissão da Transparência ao longo de quase
três anos.
Ana Sá Lopes
30 de Março de 2019
A Comissão da
Transparência da Assembleia da República foi criada com fanfarras no começo da
era António Costa e conseguiu passar todo este tempo a engonhar, sem que nada
de substancial se visse. A ideia inicial, pelo menos na direcção do grupo
parlamentar do PS, era impedir a acumulação entre a profissão de advogado e o
cargo de deputado – tornar incompatível o exercício das duas funções, evitando
que o legislador fosse ao mesmo tempo um agente de interesses, alguns mais
ocultos, outros menos.
A ideia não colheu. O passo seguinte era introduzir na lei
tantas normas adversas que tornassem praticamente impossível a um advogado
exercer a sua profissão e ser ao mesmo tempo deputado. Nada feito também. Na
madrugada de ontem, tudo o que eram restrições ao exercício da advocacia foram
ao ar.
O inefável bloco central, PS e PSD, sempre juntos em prol do
interesse nacional quando convém, somaram votos para inverter aquele que tinha
sido o espírito dos trabalhos ao longo destes quase três anos. Os advogados não
se assustem: foram salvos pelas mudanças introduzidas à última hora por
socialistas e sociais-democratas.
A direcção parlamentar do PS engoliu o discurso de ética
republicana com que avançou para esta comissão. Os deputados vão poder
continuar a ser sócios de sociedades de advogados que façam negócios com o
Estado, desde que não intervenham directamente nos processos. A uma alegria
junta-se outra: afinal, os deputados que já trabalham no sector financeiro
podem continuar a fazê-lo.
A ideia inicial era evitar a mistura entre o cargo político
e o financeiro, mas a proibição fica apenas para os novos, que ficam impedidos
de “prestar serviços ou manter relações de trabalho subordinado com
instituições, empresas ou sociedades de crédito, seguradoras e financeiras”.
Os velhos, ou seja, aqueles que já se dedicavam a esse
mester, têm o lugar seguro – o que claramente provoca uma desigualdade entre
eleitos. Mas criaram a Comissão de Transparência, e passaram tanto tempo a
reunir, em nome de quê?
É um caso de muito barulho para nada e de cedência total ao
corpo profissional que mais políticos tem dado ao país: os juristas. Se é para
isso, esqueçam a transparência. Continuem opacos, deixem alegremente fazer
crescer a fúria anti-deputados e depois não se queixem.
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