"Modernidade"
ou pseudo estratégia / "fuga para a frente", contribuindo com
argumentos sofisticados para a instalação definitiva da Dysneylandia do
'Happening' !?
OVOODOCORVO
Uma proposta
modesta para salvar o Chiado
A fórmula para
salvar os alfarrabistas da Rua do Alecrim, em Lisboa, está à frente dos nossos
olhos. Não consegui falar com o actual marquês de Pombal, proprietário das
lojas. Mas como descendente de um português iluminado, vai com certeza gostar
da proposta.
Bárbara Reis
23 de Março de
2018, 6:23
É prematura a
notícia da morte da Rua do Alecrim — que nos leva do Chiado à beira-rio — mas o
funeral aproxima-se e terá réplicas. Depois do Alecrim, morre a Rua Garrett, a
seguir a Nova do Almada, a da Misericórdia, do Carmo e, nesse ponto, como
acontece nas doenças infecto-contagiosas, o vírus espalha-se por toda a Baixa
de Lisboa.
Se não fizermos
nada. Se deixarmos as coisas avançarem organicamente, estas ruas vão
desaparecer das vidas dos residentes do centro histórico e dos “forasteiros” de
Alvalade, de Algés ou da Amadora. As ruas morrem quando deixamos de lá ir. Não
é ficção. Para além dos homens-estátua, há quanto tempo não vê um “local” na
Rua Augusta? É compreensível. O Mercado da Ribeira é mais tranquilo. Em 1994
fiz uma reportagem em Celebration, uma cidade “falsa” inventada pela Disney, na
Flórida, com cópias da arquitectura dos “bons velhos tempos” americanos,
coretos e colunas neo-neo-clássicas e aquele revivalismo infantil que só fica
bem nos livros da Anita. É um lugar esquisito. Na baixa lisboeta, já temos a
Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau, que vende pastéis de bacalhau com queijo
da Serra “desde 1904” (mas chegou em 2015), as enguias de escabeche “desde
1942” (que chegaram em 2016), uma terceira loja-irmã acaba de inaugurar na Rua
da Prata, para não falar d’O Mundo Fantástico da Sardinha Portuguesa, o sóbrio
nome escolhido para uma loja parecida no Rossio. Na Rua Augusta, os empregados
não falam português, such a silly detail, e todos os novos negócios encontraram
um bonito verso de Fernando Pessoa para que os clientes tenham uma “experiência
cultural”.
A boa notícia é
que a solução para o Chiado e para o centro histórico de Lisboa está à frente
dos nossos olhos. Perante este estado de coisas, é urgente aplicar uma
estratégia moderna, que responda à transformação dos novos tempos, mas respeite
a cultura e o património e — cereja em cima do bolo — garanta eficiência e
sustentabilidade.
No Chiado, há
quatro igrejas que, além de terem bonitas fachadas, têm áreas bastante amplas.
Claramente, o bairro não precisa de tantos templos religiosos. Além de estarem
vazias a maior parte do tempo, mesmo em hora de missa, as igrejas mostraram
serem incapazes de gerar receitas suficientes para garantir o aquecimento dos
interiores, a segurança dos equipamentos e o restauro em continuum que
edifícios com dois séculos exigem.
Se juntarmos a
Igreja de São Roque, lá em cima, as igrejas do Chiado equivalem a três campos
de futebol. São um activo interessante, mas têm um problema de gestão grave. Um
uso mais amigo do bairro, afinal esta é uma “zona prime”, geraria lucro e
permitiria, através de um sistema justo, uma redistribuição de receitas em
benefício da maioria. Um upgrade, mesmo que suave, teria vantagens a curto e a
longo prazo. O actual marquês de Pombal, proprietário de alguns edifícios na
Rua do Alecrim, seria o primeiro beneficiário: já não teria de expulsar os
alfarrabistas e antiquários que ali estão há décadas e a quem ele teve, forçado
pela pressão do turismo, de triplicar a renda. Um Programa de Urbanismo
Comercial do Centro Histórico (PUCCH) de Lisboa adequado à situação implicaria
descontinuar as quatro igrejas. A Basílica dos Mártires seria um bom recinto de
bowling. Afinal, esta é apenas uma reconstrução feita após o terramoto do que
era, também, apenas uma expansão da ermida original de 1147. Num espírito
construtivo, e para que os turistas possam ter uma experiência da cidade,
manter-se-ia à vista a Maleta de Caracteres Stencil Para Texto, um objecto
insólito cuja função permanece um mistério. Também não há razão para nos agarrarmos
com sentimentalismo à Igreja do Loreto, que à sua maneira também é fake (ali
existia a ermida de Santo António, em cima da qual os italianos construíram já
duas igrejas, a última depois de 1755). O potencial é grande. O Loreto tem 12
capelas, um excesso. Seria fácil escolher uma, talvez a favorita de Eça de
Queirós. É de manter activa a missa de domingo das 11h30, a única em italiano,
de modo a preservar a história do lugar. Já as missas em português podem ser
deslocalizadas para a periferia. Seria um bom hotel de luxo, talvez ao estilo
veneziano, com escadas à Danieli. A fachada, claro, é para ficar. O fogo posto
que em 2017 queimou parcialmente a Igreja do Loreto mostra, aliás, a
necessidade de entregar o equipamento a alguém capaz de contratar a Securitas.
O mesmo com a Igreja da Encarnação. Não vamos ser puristas com uma igreja que,
para nascer, destruiu parte da muralha fernandina. Além disso, passará a estar
ainda mais vazia, porque com este PUCCH de Lisboa, todos os residentes com
salários abaixo dos quatro mil euros líquidos mensais serão reinstalados em
bairros sociais na periferia e a Encarnação sempre foi a igreja dos pobres. De
modo a respeitar a sua história, mais tolerante e menos elitista, seria um bom
pavilhão multiusos. A Igreja do Sacramento, com o seu acesso fora da caixa,
seria a casa permanente da Web Summit.
Temos de pôr a
nostalgia atrás das costas. As cidades mudam. A própria Rua do Alecrim já se
chamou Rua do Conde, Rua Direita do Conde, Rua Antiga do Conde, Rua Direita do
Alecrim e Nova Rua das Duas Igrejas. Temos de olhar para este problema com
modernidade. Temos de saber optimizar os espaços, não ter medo de arriscar e
explorar uma boa oportunidade de negócio. As igrejas do Chiado têm menos
clientes diários do que os alfarrabistas da Rua do Alecrim. O upgrade da
utilização dos seus metros quadrados é, para além de urgente, um passo natural.
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