Arrendamento. As
casas de Lisboa ainda são para portugueses?
21 mar, 2018 -
19:04 • João Carlos Malta (texto), Joana Bourgard (fotos)
O preço na
capital do m2 é o dobro do resto do país. Já não joga no campeonato nacional. É
na liga europeia que compete. E por isso o desfasamento entre o poder de compra
e os preços de arrendamento é cada vez maior. Em seis anos as rendas aumentaram
25%.
“Queria arrendar
apartamento, mas é impossível. Já viste os preços? Vou mas é ficar onde estou”.
Este é o tipo de conversa que, nos últimos anos, se apoderou dos jovens - e
menos jovens, também - que procuram casa, sobretudo na Grande Lisboa e no
Grande Porto.
A perceção tem
também dados concretos: o Instituto Nacional de Estatística publicou, esta
quarta-feira, um relatório que conclui que arrendar casas em Lisboa custa o
dobro do resto do país e o Confidencial Imobiliário revela à Renascença que,
nos últimos seis anos, o arrendamento subiu 25% na capital.
O líder da
imobiliária Century 21 em Portugal, Ricardo Sousa, afirma que a realidade das
rendas em Lisboa faz com que a cidade seja cada vez menos para os portugueses.
“Já é pouco
acessível. Não sei se inevitável [que seja assim], mas o que claramente estamos
a registar em Lisboa é um desfasamento enorme entre o poder de compra dos
portugueses e a oferta disponível”, sinaliza.
“As famílias e os
jovens estão a sair para os mercados mais periféricos, seja nos concelhos
limítrofes, e há casos em que procuram até 70 ou 80 quilómetros de distância”,
defende.
Famílias reféns
Este especialista
do ramo imobiliário defende que o disparar de preços em Lisboa faz com que haja
“famílias que estão reféns dentro das próprias casas”.
Reféns? Ricardo
Sousa explica a imagem: “Se preciso de comprar uma casa maior porque tenho mais
um filho e não cabemos no T2, os casais não vendem porque não conseguem comprar
mais nada na cidade”, explica.
É também cada vez
mais comum haver trabalhadores com 30 anos e mais, a terem de partilhar casa
porque não conseguem pagar a renda sozinhos. “Por isso, vão para casas maiores
e dividem o valor”, explica Ricardo.
De facto, segundo
Ricardo Guimarães, um dos administradores do Confidencial Imobiliário,
organismo que agrega informação estatística sobre este sector, diz que os dados
revelam que em Lisboa os preços cresceram 25%, entre 2011 e o final do ano
passado.
Mas se fizermos
uma análise mais fina dos dados, percebemos que o crescimento é maior se o
período se restringir ao pós-crise (2013-2017): o aumento das rendas cifrou-se
em 46%.
Por outro lado,
entre 2011 e 2013 (anos de intervenção da troika), os valores caíram 18% na
capital. “Lisboa foi também o mercado mais penalizado na fase de descida,
porque era o mercado que tinha as rendas mais elevadas e responde de forma
muito direta”, explica Ricardo Guimarães.
No resto do país,
a evolução no preço entre 2011 e 2017 foi de 0%, ou seja, as rendas estagnaram.
Pode-se concluir, portanto, que Lisboa joga noutro campeonato.
Isto é
sustentável?
Ricardo Guimarães
defende que “nenhum mercado se pode desenvolver ignorando a realidade de compra
do mercado doméstico. Um mercado apenas relacionado com o turismo tem um
limite”.
Mas para já é o
que parece estar a acontecer no terreno. E Ricardo Sousa, da Century 21, não
antevê grandes mudanças.
“Aquilo que
sentimos é que Lisboa é uma cidade da Europa e compete com outras cidades da
Europa. Isso faz com que seja um mercado com dinâmicas próprias e que vai
continuar a afastar-se do resto do país”.
O presidente da
Associação Nacional de Proprietários, António Marques, diz que a disparidade
entre Lisboa e o resto do país não o surpreende porque “Lisboa é Lisboa”. “O
resto não é paisagem, porque o país é um todo e devemos respeitar, mas a
realidade é o que é, e não podemos alterá-la”, começa por afirmar.
O representante
dos proprietários defende ainda que os valores das rendas “são muito elevados”
porque a “procura é muito alta”. “É uma lei do mercado básica”, conclui.
Marques assaca ao
Estado a culpa da falta de soluções dos residentes de Lisboa e Porto. “O que
falta é habitação publica para pessoas de baixos rendimentos, isso concordo que
faz falta”.
Mas atualmente
não são também as pessoas de classe média a terem problemas com as rendas? “O
que se passa não é as rendas estarem altas, o que se passa é os salários
estarem baixos. Temos é de atacar os problemas por aí”, remata o presidente da
Associação Nacional de Proprietários, António Marques.
Volatilidade
explicada
Ricardo Sousa
defende que uma das características do mercado nacional que explica este
fenómeno é ser formado “por uma multiplicidade de pequenos proprietários e
pequenos investidores” que têm “um, dois ou três apartamentos”.
“Isso mexe com o
risco, se tenho um ou dois apartamentos o risco associado é elevado e isso
reflete-se no preço. O facto de não ter economias de escala para gerir o
património com mais eficiência tem consequências no preço”, argumenta.
Em Lisboa, há
ainda “muita pouca oferta e muita procura”, o que faz com que o mercado reaja
depressa na atualização do valor de renda quando os imóveis chegam ao mercado.
“Isso explica as
oscilações de preço e algum comportamento irracional”, defende o administrador
da Century 21.
Porto. Esta
cidade não é para pobres, nem para remediados
A Associação de
Inquilinos do Porto defende que a realidade do Porto não é muito diferente da
de Lisboa.
“Os preços estão
inacessíveis para um casal médio que a ganhar 700 ou 800 euros dificilmente
consegue arrendar. Não consegue por menos de 600 euros que é metade do
rendimento do casal”, explica o presidente da mesa da Assembleia Geral
Associação de Inquilinos do Porto, José Martins.
Tal como o
presidente da Associação Nacional de Proprietários, também o representante dos
inquilinos pede ao Estado uma intervenção diferente para facultar habitação em
condições acessíveis.
“Somos o país da
Europa com menos habitação social. Temos 10%, contra 25% dos países nórdicos,
onde o nível de vida é superior ao nosso”, sintetiza.
José Martins
defende ainda que já não estamos na fase em que se possa discutir se os
portugueses têm ou não dificuldade em viver nas grandes cidades.
“Não corremos o
risco. É uma realidade. Os centros são para portugueses de classe alta, já nem
sequer é para os de classe média, a não ser os que têm contratos”, aponta.
“Esta fúria
turística não é um mal, mas não pode ser é um rolo triturador que leva tudo à
frente”, remata.
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