quinta-feira, 29 de março de 2018

Parque Florestal de Monsanto corre ou não o risco de um grande incêndio?



Parque Florestal de Monsanto corre ou não o risco de um grande incêndio?

Sofia Cristino
Texto
29 Março, 2018

Olhando para a recente acção de sensibilização para a limpeza das florestas lançada pelo Governo, o PSD Lisboa acusa a Câmara Municipal de Lisboa (CML) de adoptar uma postura de “total desmazelo” na manutenção do Parque Florestal de Monsanto. O pulmão da capital corre risco sério de arder, consideram os social-democratas. A associação ambientalista Quercus acha o mesmo. Ouvida por O Corvo, diz que a excessiva presença humana aumenta muito esse risco. Há, contudo, opiniões bem distintas quanto à possibilidade de deflagrar ali um incêndio. Segundo um investigador académico nesta área, a probabilidade de um fogo de grandes dimensões em Monsanto é muito baixa, porque não há focos de ignição. A Plataforma em Defesa das Árvores acredita que a autarquia tem feito um bom trabalho de manutenção. E pede para se parar com “a histeria” em torno das acções de limpeza das florestas. A CML garante que gasta 1,5 milhões de euros por ano no controlo de combustíveis naquele parque, dispondo de um dispositivo de combate muito eficaz. O vereador Sá Fernandes assegura que, nos próximos dois meses, a câmara intervirá no parque de campismo e, ao longo do ano, irá remover cepos e realizar acções de desbaste de infestantes em zonas críticas do parque.

O Parque Florestal de Monsanto, apesar de não estar identificado como zona prioritária de fiscalização e gestão de combustível, pode arder se não for limpo e, por isso, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) tem de deixar de adoptar uma postura de “total desmazelo” quanto à manutenção do considerado “pulmão da cidade” e começar a limpá-lo, diz o PSD Lisboa. A crítica da comissão concelhia do partido surge depois do primeiro-ministro, António Costa, ter apelado à limpeza das florestas, numa altura em que o período crítico dos incêndios se aproxima.

“Nada nos fazia antecipar a violência dos fogos de 2017 e nada nos garante que não possam ocorrer também em Lisboa, não sendo admissível que, esgotado o prazo de limpeza dado por António Costa, de 15 de Março, não exista qualquer informação ou iniciativa de limpeza da Câmara de Lisboa”, diz a O Corvo Luís Newton, líder da bancada do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa (AML).

 O PSD de Lisboa emitiu um comunicado, a 16 de Março, no qual convidava o primeiro-ministro, o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, e deputados do PS, a ajudarem o líder do executivo de Lisboa, Fernando Medina, a limpar a área florestal de Monsanto. “Monsanto tem material altamente combustível. Num caso de incêndio, a segurança dos visitantes da mata e dos utilizadores do parque de campismo, que está sempre lotado no período crítico, no verão, é posta em causa. Há árvores do parque florestal que se encontram por cima de habitações”, considera o deputado municipal.

A associação ambientalista Quercus diz que Monsanto não só é um parque vulnerável à deflagração de um fogo, como corre um sério risco de arder, se não for realizada uma intervenção e gestão profunda daquela área verde. “A presença humana aumenta muito o risco de incêndio, porque há mais pessoas a utilizarem o espaço, a fazerem churrascos e piqueniques, e a fumarem. Se o fogo chegar às copas, propaga-se como noutro local qualquer, pondo em causa as habitações contíguas”, defende o presidente da Quercus, João Branco, em declarações a O Corvo.

 Para o dirigente ambientalista, Monsanto precisa de ganhar uma nova vida. “Não faz sentido nenhum ainda haver eucaliptos, que foram as primeiras árvores a serem ali plantadas, há seis décadas. Na altura, o objectivo da construção do parque era produzir madeira e, hoje, os fins já são outros. Devia haver uma substituição das espécies invasoras por árvores autóctones, intervenções sílvicas e, em certas zonas, poder-se-ia alterar a estrutura do povoamento florestal, diversificando as espécies existentes, por exemplo”, defende. João Branco lembra, ainda, que o parque tem características muito distintas, havendo zonas mais abandonadas do que outras e, a ser pensado um plano de revitalização daquela mata, ter-se-ia de ter em consideração a sua heterogeneidade.


Outros defensores do património florestal e especialistas na área consideram, contudo, que não há razão para alarme quanto à possibilidade de deflagrar um incêndio na maior área verde da cidade de Lisboa. “A probabilidade de Monsanto incendiar é muito baixa, porque não há focos de ignição. O problema dos incêndios é que as pessoas esperam horas pelos bombeiros, há uma grande hierarquia dentro do comando de combate, que, enquanto não obtêm autorização dos superiores, não podem avançar para o terreno. Se os incêndios não forem dominados, dentro de quinze a vinte minutos, ninguém pega neles e, se se desse um fogo em Monsanto, a probabilidade de alguém acudir rapidamente é grande”, explica José Aranha, investigador e professor do departamento de Ciências Florestais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).

 O especialista, que se encontra a inventariar as áreas ardidas em Portugal, ressalva que não existe uma obrigatoriedade legal em limpar as florestas inseridas numa zona urbana, mas diz que é aconselhável que se proceda a essa limpeza. “Devíamos atravessar Monsanto sem termos de nos desviar do mato. Segundo o Plano Director Municipal (PDM), este parque está inserido numa zona urbana, é património de interesse público e é uma zona protegida, pelo que a nova legislação não se aplica a Monsanto, uma vez que só se refere à limpeza das zonas rurais não agricultadas ou a zonas florestais. Por uma questão de bom senso, o mato devia ser limpo porque não estamos livres de ocorrer um incêndio resultante de um acidente”, observa.

Há visões diferentes sobre os reais perigos de incêndio em Monsanto.
Rosa Casimiro, da Plataforma em Defesa das Árvores, partilha a mesma opinião do investigador. “Há uma histeria em torno das acções de limpeza das florestas. A limpeza não pode significar arrancar árvores, até porque pode ser contraproducente. A matéria orgânica vai-se decompondo e alimenta a mata. Uma floresta gere-se a si própria. É preciso ter cuidado nestas avaliações e perceber quando e onde é necessária a limpeza”, explica, em declarações a O Corvo.

 As primeiras espécies a habitarem o Parque Florestal de Monsanto foram os eucaliptos, por serem árvores de crescimento rápido. Ao longo das últimas décadas, foram sendo substituídas por outras árvores de maior longevidade. No entanto, ainda há muitos eucaliptos em Monsanto, realidade que pode constituir uma adversidade maior em caso de incêndio.



“Estas árvores são o grande problema do nosso país, porque ardem mais facilmente. Há imensas falhas e zonas abandonadas na mata, com espécies invasivas, o que constitui sempre uma preocupação”, alerta Rosa Casimiro. No entanto, a activista considera que a melhor maneira de se evitar a ocorrência de um incêndio é vigiar o parque. “A câmara gasta milhões de euros por ano na gestão das espécies daquele ecossistema, acredito que tem feito esse trabalho de conservação e vigilância, que é a forma mais eficaz de se prevenir os fogos”, afirma.

 Essa manutenção, diz ainda José Aranha, deve ser realizada na zona de mato, não fazendo sentido cortar árvores neste parque. Segundo as novas medidas do Governo, sobre a gestão dos combustíveis florestais, é obrigatório que as copas dos pinheiros ou dos eucaliptos estejam afastadas dez metros umas das outras nas zonas a limpar, tendo de ser cortadas todas as árvores que não cumpram estas distâncias.

 “Esta fobia de se cortar os eucaliptos não faz sentido, porque só há uma espécie de eucaliptos que devem ser abatidos, os eucaliptos globulus. E, em Monsanto, não se aplica esta regra, só nas zonas periféricas de contacto entre a zona urbanizada e a zona rural. Se se cortassem as árvores, a vegetação crescia nas clareiras resultantes. Neste momento, há pouca vegetação, é uma zona húmida e fresca e as copas das árvores estão unidas, fazendo sombra sobre o solo que é a melhor forma de impedir um incêndio. A limpar o mato, têm de limpar por baixo das árvores, para evitar a continuidade horizontal e vertical de combustíveis”, explica o especialista.

 O Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV), que se tem debruçado sobre vários dos problemas de Monsanto, diz que o risco de incêndio do parque não constituí uma preocupação para o partido. “Não nos parece que haja um risco de incêndio grave em Monsanto e, no caso de acontecer, seria logo acudido. A CML podia não ter de recorrer a empresas privadas para fazer a manutenção, mas essa é outra questão. Em Monsanto, debatemo-nos por outro tipo de problemas”, diz a deputada Cláudia Madeira, dos Verdes.

 A 14 de Fevereiro, foi criada uma nova legislação com vista a clarificar os critérios aplicáveis à gestão de combustível no âmbito do Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios (SDFCI). Luís Newton (PSD) alerta, contudo, que ainda não se conhece qualquer proposta para adequar o Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PMDFCI) à nova realidade que os fogos do verão passado trouxeram.

 “Assim que foi conhecida a nova lei, ficámos surpreendidos por não existir nenhuma informação sobre o plano de limpeza em Monsanto. Em momento algum se debateu a necessidade de repensar o Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios de Lisboa, aprovado em 2014”, afirma o deputado municipal. A isto acresce o facto, explica ainda, de a CML não ter identificado quais os impactos que a nova legislação poderá ter em Monsanto.

 “Se o parque florestal não estiver contemplado no novo regime legislativo, a responsabilidade de manutenção da câmara aumenta. Se não o está a fazer, é uma grande irresponsabilidade que não podemos deixar passar em claro”, concluí Newton.

 Questionada pelo O Corvo, a Câmara Municipal de Lisboa indica que está a investir cerca de 1,5 milhões de euros por ano, calendarizados de acordo com o Plano de Gestão Florestal (PGF), um programa que assegura o controlo de combustíveis conforme previsto na legislação.

 “Esta limpeza é executada tendo por base critérios de sustentabilidade ambiental, visto o Parque Florestal de Monsanto estar consagrado como ‘Mata-Modelo’ no Plano Regional de Ordenamento Florestal da Área Metropolitana de Lisboa (PROFAML), o que implica o reconhecimento e cumprimento da importância da conservação desta floresta”, diz a autarquia em depoimento escrito a O Corvo.

 A CML dispõe, ainda, de um dispositivo de combate, evidenciado no Plano Municipal de Defesa da Floresta, que inclui, garante, “a preparação de meios de vigilância e de actuação ao mais alto nível, investindo cerca de 2,4 milhões de euros por ano”.

O vereador da Estrutura Verde, José Sá Fernandes, em reunião de câmara realizada esta quarta-feira, dia 28 de Março, garante que o parque está a ser bem gerido e que o decreto-lei recentemente publicado, sobre a gestão de combustíveis, está a ser cumprido e adequado às especificidades do parque de Monsanto. “Estamos a actuar com os pés assentes na terra e com eficácia, senão o estivéssemos a fazer, Monsanto também não seria uma mata certificada”, assegura.

 Sá Fernandes recordou o trabalho que a CML tem vindo a fazer nos últimos oito anos no reforço de controle de combustíveis, salientando que o mesmo já é “bem visível”.  “Já temos vindo a actuar no terreno e, este ano, vamos atacar em 34 zonas críticas, com acções de desbaste de infestantes, ou mesmo de árvores, e remoção de alguns cepos”, anuncia. O vereador garante, ainda, que, nos próximos dois meses, vai intervir no parque de campismo.

 “Espero que Lisboa não sirva de cavalo de batalha, quando o perigo e o problema está mesmo no resto do país”, concluiu, em resposta à polémica que se tem gerado em torno da suposta falta de limpeza do parque.

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