Festa-protesto”
quer encher Almirante Reis contra gentrificação e habitação inacessível
Sofia Cristino
Texto
22 Março, 2018
Insatisfeitos com
o rumo que Lisboa está a tomar, diversos colectivos sócio-culturais organizaram
a manifestação “Rock in Riot”, para ocupar as ruas, num acto simbólico de
reapropriação da cidade, a qual dizem já não sentir como sua. Queixam-se da
falta de habitação, da privatização da cultura e da própria fruição de espaços
de convívio. O protesto acontece no sábado (24 de Março), na Avenida Almirante
Reis, e os organizadores pedem que os participantes tragam bicicletas, skates e
patins. Vão-se ouvir diversos tipos de músicas, desde um DJ a bandas a tocar.
Haverá mesmo uma pianista a tocar em cima de uma carrinha. “É uma
festa-protesto, à espera de muita gente, porque há muitas pessoas descontentes,
que têm sido sujeitas a uma lógica de negócio. A cidade está transformada numa
mercadoria gigante”, diz a associação Habita, parte da organização. Os
problemas de habitação não são só dos bairros típicos, mas também da periferia
e dos bairros sociais, lembra-se. “Há pessoas com relações de trabalho muito
precárias, trabalham demasiado e não encontram casa. Estão cansadas e
revoltadas”, diz um dos organizadores.
A proposta é
simples: ocupar as ruas de Lisboa e “fazer barulho” contra as políticas de
gentrificação e turisficação da cidade. A “festa protesto”, sob o mote “Ocupar
a rua, reclamar a Cidade”, foi pensada por grupos sócio-culturais e
associações, como a Habita e a Associação Terapêutica do Ruído, que, juntamente
com pessoas insatisfeitas com o rumo que a cidade está a tomar, criaram o movimento
Rock in Riot. A manifestação acontece no próximo sábado (24 de Março), estando
prevista uma marcha pela Avenida Almirante Reis, entre a Alameda e o
Intendente. Os organizadores dizem esperar a comparência de centenas de
pessoas.
“É uma
festa-protesto à espera de muita gente, porque há muitas pessoas descontentes e
que se revêm nesta crítica, que têm sido sujeitas a uma lógica de negócio e não
a uma lógica de bem comum. Queremos passar a ideia de que as ruas não devem ser
só para os automóveis, nem para as pessoas circularem de casa para o trabalho e
do trabalho para casa, mas podem ser utilizadas numa velocidade menos
acelerada. A cidade é para ser vivida e celebrada”, explica a presidente da
associação Habita, Rita Silva, em declarações a O Corvo.
A concentração para o Rock in Riot realiza-se
na Alameda, pelas 14 horas deste sábado (24 de Março), e os organizadores
apelam para que os participantes levem bicicletas, skates e patins. “Há uma
pianista que quer participar e vai estar durante o percurso a tocar em cima de
uma carrinha ou de um jipe. Vai-se ouvir diversos tipos de músicas, desde um DJ
a bandas a tocar. Fazendo uso da rua, afirmamos uma reapropriação da cidade”,
informa Nuno Couto, membro da colectividade Regueirão dos Anjos 69, um dos grupos
culturais responsáveis pelo protesto.
O protesto não tem uma conotação política
partidária, nem sindical, e todos podem aparecer. “As pessoas que vão
participar na manifestação têm em comum um conjunto de ideias sobre como é que
a cidade deveria ser construída, não há uma ligação a um partido. Muitas delas
já têm uma intervenção a vários níveis. Acreditamos que, se houver um combate
político, é possível reverter esta situação e esta manifestação insere-se nessa
luta”, explica, ainda.
Nos últimos cinco anos, a cidade de Lisboa tem
sofrido profundas alterações, a nível do acesso à habitação e da reconfiguração
de espaços que deixaram de ser vividos colectivamente. O preço do metro
quadrado das casas disparou, empurrando muitas pessoas para a periferia. Alguns
sítios de convívio também fecharam, para darem lugar a novos espaços com fins
bem distintos. Estas mudanças não se sentem só no centro histórico da cidade,
lembra Nuno Couto.
“Muitas vezes, concentramo-nos apenas nos
problemas de habitação dos bairros típicos de Lisboa e esquecemo-nos da área
metropolitana da cidade. Há mais pessoas afectadas, nas periferias e nos
bairros tipificados como bairros sociais. Os processos de despejo acontecem em
toda a cidade e têm sido mal organizados, gerando a exclusão de centenas de
pessoas que começam a ter de arrendar quartos ou comprar lojas para usar como
habitação”, repara.
As principais causas deste cenário, apontadas
pelos estudiosos e críticos das transformações da cidade de Lisboa, têm sido a
intensificação da actividade turística, o processo de gentrificação e um boom
imobiliário acelerado. Mas há outros motivos.
“O que está a acontecer não tem só a ver com o
turismo, tem a ver com o facto de ter existido uma crise económica, em 2008, e
um conjunto de pessoas que decidiram que uma boa maneira de gerar lucro seria a
especulação imobiliária. Estamos a assistir a um processo de gerar capital
através de algo que já existia, mas que sofreu uma intensificação nos últimos
anos. A mudança da lei das rendas, promovida pelo anterior governo, e as alterações
nos benefícios fiscais, também geraram este tipo de fenómenos”, considera Nuno
Couto, que diz, ainda, que o principal objectivo deste protesto é “denunciar a
vedação de direitos básicos aos habitantes de Lisboa”.
“Há, cada vez mais, uma maior dificuldade na
satisfação daquilo que são os direitos à habitação e à cultura. A privatização
de serviços públicos, como o Teatro Maria Matos, é um desses exemplos, pois
está a ser sujeito a uma lógica de mercado. Queremos apenas mostrar que existe
uma série de problemas na forma como a cidade está a ser gerida, que têm a ver
com um fenómeno estrutural, que se intensificou”, explica.
A presidente da associação Habita, Rita Silva,
chama a atenção, também, para o facto de os munícipes estarem cansados da
ausência de soluções políticas, o que também se vê na falta de iniciativas
deste cariz.
“Não temos visto um questionamento ou um
protesto sobre a nossa cidade, que está transformada numa mercadoria gigante,
quer pelo encerramento ou privatização dos serviços públicos, quer pela
transformação da cidade numa montra turística. A cidade neste momento não é
para nós. Há espaços, onde as pessoas se juntavam, que fecharam para se
tornarem num mero meio de criar dinheiro. As pessoas estão cansadas”,
observa.
Nuno Couto partilha a mesma opinião. “Nos últimos
cinco anos, tem havido claramente uma diminuição das manifestações. Houve mais
protestos no período da austeridade, que reuniam centenas e milhares de
pessoas”, diz. Mas há várias razões para se ver menos pessoas a saírem à rua,
explica, ainda.
“A configuração parlamentar e as soluções
governativas contribuíram para a diminuição das manifestações. Há pessoas com
relações de trabalho muito precárias, que trabalham demasiado e não encontram
casa a preços compatíveis com a sua situação laboral. Estas pessoas estão
cansadas e revoltadas, o que faz com que protestem de outra forma, um protesto
que tem uma natureza de resistência mais individual. É difícil transformar
estas formas de resistência oculta em resistência aberta, mas não é sinal de
inconformismo, é um sinal de ausência de solução política e organizativa”,
considera.
Segundo os organizadores da iniciativa, há um
conjunto de fenómenos que se cruzam e não podem ser dissociados. “O aumento dos
preços da habitação é fruto dos negócios partilhados entre a banca, fundos
imobiliários e o poder autárquico. A expulsão das populações mais pobres e
marginalizadas do centro, a gestão policial dos bairros das periferias e o
policiamento de comportamentos e expressões corporais no espaço público, assim
como, a privatização de ruas, praças, jardins e teatros municipais não são
fenómenos separados, mas constituem expressão da forma como o espaço urbano se
tornou numa máquina produtora de capital”, escrevem no seu manifesto.
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