Alguns prédios do
centro de Lisboa vão poder crescer em altura e acolher mais gente
Samuel Alemão
Texto
20 Março, 2018
A medida está
inscrita no Plano Director Municipal (PDM) de Lisboa desde que o mesmo foi
revisto, em 2012. Mas, como ela não tem um regulamento aprovado, ainda não
passou do papel. Tal deverá, contudo, mudar em breve. Isto se a Câmara
Municipal de Lisboa (CML) cumprir a recomendação que a Assembleia Municipal de
Lisboa (AML) se prepara para aprovar, nesta terça-feira (20 de Março), relativa
à “elaboração e publicação de regulamento relativo aos fogos sujeitos a valor
máximo de renda ou preço de venda”. Em causa estão os créditos atribuídos aos
construtores imobiliários, em resultado dessa oferta à comunidade de fogos a
custos controlados. E com especial ênfase nas zonas históricas da cidade,
classificadas no Plano Director Municipal (PDM) como traçados urbanos A,
considerados “orgânicos e regulares”.
Dito assim, é
complicado. Mas o efeito da alteração será relativamente simples: nos referidos
“traçados urbanos orgânicos e regulares”, sempre que um prédio de habitação se
situe entre dois edifícios com fachadas mais elevadas, aquele poderá ser
aumentado até à cota do mais alto, “desde que a superfície de pavimento
acrescida se destine exclusivamente a habitação e 50% fique sujeita a valor
máximo de renda ou preço de venda”. Ou seja, metade desses apartamentos a
surgir terão de integrar a Bolsa Municipal de Arrendamento e cumprir as normas
do Programa de Renda Convencionada, por uma década. O problema é que falta é
definir as regras e os termos em que tal acontecerá. Razão pela qual a medida
nunca terá sido aplicada até agora.
A criação e a
publicação desse regulamento – que definirá, entre outras coisas, as
tipologias, as áreas, as características e os acabamentos dos fogos
susceptíveis de integrar estes programas – é considerada como “de todo o interesse
para a cidade e para os munícipes” pela Comissão de Habitação, Bairros
Municipais e Desenvolvimento Local da AML. A recomendação – que pede ainda a
definição das condições de alienação dos fogos, de admissão de candidatos, os
valores máximos de venda e a forma de colocação no mercado através da bolsa
municipal, através de um programa específico – nasce de um protesto por parte
de um construtor, materializado através de uma petição entregue na assembleia
municipal, em meados de 2017.
Em Julho do ano
passado, a empresa Aldeota – Imobiliária, Lda, dona de um imóvel situado no
enfiamento das ruas da Quintinha e Nova da Piedade -localizadas entre a Praça
das Flores e a Rua de São Bento – entregou a referida petição na AML. Nela,
queixava-se do arrastar, desde 2015, de um processo de licenciamento relativo à
ampliação do referido edifício, tendo a operação recebido um “chumbo” dos
serviços de urbanismo da autarquia da capital, no ano seguinte. De acordo com
os donos da promotora imobiliária, a não aprovação seria uma consequência
directa da não elaboração pela CML do regulamento relativo aos tais fogos
sujeitos a valor máximo de renda ou preço de venda. Situação que qualificam
como “inaceitável”.
Em causa estará o
desejo de se proceder à ampliação do número 37 da Rua da Quintinha, um imóvel
com piso térreo, para uma altura igual à do prédio adjacente número 35. Uma
pretensão que a firma justificava – e continua a fazê-lo – à luz da tal regra
inscrita no artigo 42 do PDM de Lisboa, respeitante a “obras de construção,
ampliação e alteração”. Numa das alíneas desse artigo, prevê-se a já mencionada
possibilidade de, nos “traçados urbanos A, orgânicos e regulares”, fazer
crescer um prédio até à altura da fachada do edifício confinante mais alto –
desde que a ampliação se destine a habitação e contando que o prédio do outro
lado também seja mais alto. Em troca, o promotor terá de aceitar que 50% da
superfície de pavimento acrescentada fica sujeita ao valor máximo de renda ou
preço de venda, a integrar na Bolsa Municipal de Arrendamento, durante dez
anos, e sujeitando-se às regras do Programa de Renda Convencionada.
Acontece que a
recusa dos serviços de urbanismo em aprovar a obra de ampliação promovida pela
Aldeota – Imobiliária, Lda, em 2016, viria a ser justificada com a inexistência
de um regulamento, previsto no âmbito de um outro regulamento municipal, apenso
ao PDM. Confuso? Sim, muito. Bastante, mesmo. Mas todo este novelo burocrático
pode ser explicado.
É que o
Regulamento Municipal que Aprova o Sistema de Incentivos a Operações
Urbanísticas com Interesses Municipais, criado em 2013, explicita regras
precisas. No seu artigo 3º, referente à “oferta de fogos sujeitos a valor
máximo de renda ou preço de venda”, fala na necessidade de definir as
tipologias, as áreas, as características e os acabamentos dos fogos
susceptíveis de integrar estes programas, através de um outro regulamento – no
qual também se incluirão os termos do contrato a celebrar entre o promotor e a
Câmara Municipal de Lisboa. O problema é que este regulamento nunca foi criado.
Situação que,
alega a imobiliária, travou as suas pretensões, queixando-se que isso lhe
estará a causar “avultados prejuízos”. Na petição enviada no ano passado à Assembleia
Municipal de Lisboa, assinada pelo seu gerente, António Regal, a empresa
argumenta que a razão para o indeferimento é, precisamente, a inexistência do
dito regulamento. Segundo a mesma petição, num despacho de um director de
planeamento da CML, de 5 de Outubro de 2015, anexado à comunicação de
indeferimento, informava-se que o regulamento em falta estaria em elaboração no
pelouro da habitação da autarquia. Mas o tempo passou e tudo ficou na mesma.
Além dos “danos
sérios” causados à sua empresa, o gerente alega que a “omissão” legal da Câmara
de Lisboa, ao não regulamentar o que lhe compete, “frustra os objectivos” do
Plano Director Municipal de Lisboa e “é violadora do direito fundamental dos
cidadãos à habitação”, consagrado na constituição – “e que também cabe às
autarquias locais garantir”, assinala. Por isso, na petição enviada à AML,
requere a elaboração e publicação do desejado e necessário regulamento com
carácter de urgência. As eleições autárquicas de 1 de Outubro vieram, no
entanto, colocar um travão no andamento do processo – que saltou para este
mandato.
Depois de ouvir
os vereadores Manuel Salgado (Urbanismo) e Paula Marques (Habitação), os
membros da comissão especializada da Assembleia Municipal de Lisboa vêm agora
pedir à CML a aprovação e a publicação do regulamento cuja existência está
prevista há cinco anos. Isto apesar de, e afinal, no caso em concreto desta
empresa, “não estarem verificadas as condições” que lhe permitiriam realizar a
tão almejada operação de ampliação. Um parecer do departamento jurídico da
autarquia, pedido por Salgado, terá concluído que a altura proposta do edifício
não se coadunaria com os “pressupostos” inscritos de excepção inscritos no PDM.
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