Construção de
hotel em estação de Santa Apolónia poderá avançar ainda este ano
Sofia Cristino
Texto
15 Março, 2018
O processo de
construção de um hotel de luxo na estação de Santa Apolónia está numa fase
avançada. As versões finais dos projectos para ali desenhados são conhecidas
esta quinta-feira (15 de Março) e, até ao final do mês de Março, a
Infraestruturas de Portugal (IP) vai avaliar se os mesmos são viáveis. Em 2015,
o vereador Manuel Salgado chegou a sugerir a demolição da estação para ser
construído um espaço verde. Por isso, os vereadores do PCP receiam que esta
seja desactivada. “Há muito tempo que há planos para encerrar a estação.
Naquele local convergem muitos apetites hoteleiros. Lisboa tem hotéis de sobra,
mas os serviços de transportes deixam muito a desejar”, acusam. Já a Associação
Portuguesa dos Amigos dos Caminhos-de-ferro concorda com a intervenção. “É
preferível este tipo de utilização do que deixar as estações de comboios ao
abandono”, defende. A IP garante que não está posta em causa a desactivação
“total nem parcial” da linha e que o futuro hotel não vai perturbar o
funcionamento da estação. Mas, avisa, se nenhuma das propostas lhe agradar, o
hotel não avança.
Termina esta
quinta-feira, 15 de Março, o prazo de apresentação das propostas de seis grupos
hoteleiros para a construção de um hotel, de quatro ou cinco estrelas, na
Estação Ferroviária de Santa Apolónia. O vencedor terá de requalificar uma
parte da estação de comboios, inaugurada no século XIX, obras que deverão ficar
concluídas no prazo de dois anos a contar da data de assinatura do contrato de
subconcessão com a Infraestruturas de Portugal (IP), gestora do complexo
ferroviário. As versões finais dos projectos vão ser avaliadas até ao final do
mês de Março e, de acordo com a sua exequibilidade, o espaço poderá ser ou não
adjudicado. O novo hotel terá, pelo menos, 120 quartos, estando prevista,
ainda, para a área requalificada, serviços de restauração, um bar, um spa e um
cabeleireiro.
A Infraestruturas
de Portugal, empresa nascida da fusão da Estradas de Portugal e da Refer,
anunciou, a 6 de Outubro de 2017, a intenção de atribuir um direito concessório
parcial de instalação e exploração de uma unidade hoteleira naquela estação,
por 35 anos. Mas os vereadores do PCP na Câmara Municipal de Lisboa (AML), João
Ferreira e Carlos Moura, apresentaram uma moção, em Dezembro do mesmo ano,
contra esta decisão. “É um local de transbordo, onde passam milhares de
passageiros, e investiu-se muito dinheiro para ligar o metro à ferrovia. Por
isso, queremos chamar a Câmara de Lisboa à defesa de Santa Apolónia e a travar
este projecto”, apela João Ferreira em declarações a O Corvo.
O vereador diz
que a vontade da empresa pública “não surge do nada”. “Isto já vem muito de
trás, há muito tempo que há planos para encerrar a estação. Naquele local
convergem muitos apetites hoteleiros do ponto de vista da especulação
imobiliária. A decisão de instalar ali um hotel foi anunciada poucos dias
depois das eleições, seguramente para evitar constrangimentos eleitorais a quem
autorizou esta iniciativa”, acusa. A cidade de Lisboa, considera, “tem hotéis
de sobra, mas os serviços de transportes deixam muito a desejar”.
“Segundo dados da
própria CML, a estação de Santa Apolónia permite aos seus utentes pouparem 2,7
milhões de horas em deslocações e mais de três mil toneladas de dióxido de
carbono, o que mostra que a estação tem de continuar em funções”, diz, ainda, o
vereador, que teme o encerramento daquela infra-estrutura ferroviária.
Opinião diferente
tem António Brancanes, presidente da Associação Portuguesa dos Amigos dos
Caminhos-de-ferro (APAC). Ouvido pel’O Corvo, diz que vê de forma positiva esta
intervenção, porque “assegura a preservação do património ferroviário”. “É
preferível este tipo de utilização do que deixar as estações de comboios ao
abandono, como se vê por todo o país. A realidade actual da estação é bem
diferente da realidade de há décadas, a via-férrea precisa de se adaptar aos
tempos modernos. Apesar de ser uma estação icónica e histórica, já não tem a
relevância que tinha no passado e o novo hotel não vem interferir no serviço.
São situações que podem operar ao mesmo tempo”, defende.
Em 2007, a linha
azul de Metro de Lisboa foi alargada em 2158 metros para chegar a Santa
Apolónia, uma intervenção que custou 300 milhões de euros. Até ao início de
2016, o fluxo médio mensal nesta estação era de cerca de 250 mil passageiros,
atingindo uma média anual de três milhões de utentes por ano. Embora reconheça
que a esta estação conflui um grande número de utilizadores, o presidente da
APAC diz que se tem de ter em consideração a evolução das ferrovias no nosso
país. “Santa Apolónia tem muitos utentes, mas hoje não é a principal nem a
única estação de comboios. A Gare do Oriente veio mudar essa centralidade. É lá
que se concentram a maior parte dos serviços, o que permite custos mais
reduzidos e uma maior eficiência”, afirma.
António Brancanes
admite, ainda, que não é fácil dar uma utilização diferente àquela parte da
estação, uma vez que houve uma concentração de serviços e os espaços que
ficaram vagos já não são necessários para fins ferroviários. “Hoje em dia, uma
utilização diferente daquele espaço está condicionada. É preferível que se faça
ali um hotel”, diz. Reconhece, contudo, que “se os serviços não tivessem sido
mudados, se calhar, preferíamos que a estação fosse utilizada apenas para fins
ferroviários”.
O dirigente
lembra, também, que “esta situação também não é nova”, “Na estação de São
Bento, no Porto, já foi construído um hotel. O projecto pioneiro deu-se na
estação de Castelo de Vide, com a construção de uma unidade de alojamento, onde
o património azulejar e a história da estação foram preservados”, recorda. Se Santa Apolónia for encerrada, uma intenção
que já foi admitida pela CML em anos anteriores, António Brancanes diz que,
nesse caso, já estamos a falar de “algo verdadeiramente sem sentido”. “Se a
estação deixar de funcionar, a questão será muito diferente. Obviamente, que
não apoiamos”, afirma.
De acordo com o
caderno de encargos do projecto pensado para a estação de comboios, disponível
no site da IP, as áreas cedidas ao subconcessionário destinam-se exclusivamente
à instalação e exploração de uma unidade hoteleira e de serviços acessórios,
como por exemplo, “serviços de restauração, bar, spa ou cabeleireiro,
devidamente autorizados pela Infraestruturas de Portugal, não lhes podendo ser
dado outro uso”. A IP é responsável por identificar bens patrimoniais do
edifício, “que deverão ser preservados”, nomeadamente, painéis azulejares, o
relógio e mobiliário. “Na portaria do espaço a subconcessionar, existem colunas
e revestimentos em brecha da Arrábida e serralharias que não podem ser
removidas”, lê-se.
Segundo o mesmo
documento, o acesso de pessoas de mobilidade condicionada ao hotel deverá ser
“autónomo do complexo ferroviário” e as soluções encontradas para resolução do
programa do hotel “não podem perturbar o funcionamento regular da vertente
ferroviária da estação”. O subconcessionário terá o direito, ainda, de afixar
logótipos ou outras mensagens de carácter informativo, direccional ou
publicitário, referentes ao hotel, nos locais da fachada da Estação de Santa
Apolónia que forem aprovados pela IP, podendo ter que ser necessária uma
licença da CML.
A hipotética
vontade de encerrar a estação, contudo, já remonta a 1998, aquando da
construção da Gare do Oriente. O projecto inicial para o canal ferroviário
surgiu depois da Expo 98, numa altura em que o interesse dos grandes
investidores imobiliários por zonas potencialmente urbanizáveis aumentou. “Há
dez anos, o encerramento da Estação de Santa Apolónia foi muito discutido. Foi
decidido que não se encerrava, mas agora, que vamos expandir a Gare, é uma
oportunidade de voltar a pensar nisso”, defendia António Costa, em 2008, na
altura presidente da Câmara de Lisboa. “A expansão da Gare do Oriente é uma
oportunidade para repensar se devemos manter o ramal ferroviário de Santa Apolónia
ou se o devemos reutilizar. A libertação do canal ferroviário é uma grande
oportunidade para sanear finanças das empresas ferroviárias e dar um uso
eficiente ao edifício da actual estação”, dizia, ainda.
Já em 2005, a
extinta Refer, através da subsidiária Invesfer, elaborou um plano de
urbanização que previa a substituição da linha férrea por um metro de
superfície, na zona de Braço de Prata, para a estação ser requalificada e,
eventualmente, construir-se um hotel. Em 2015, o vereador do Urbanismo da Câmara
Municipal de Lisboa, Manuel Salgado, fez uma sugestão mais polémica: demolir a
Estação de Santa Apolónia para construção de um espaço verde com ligação ao
Tejo. O vereador dizia que “não faz sentido que a estação esteja no centro da
cidade, já que grande parte dos passageiros que chegam a Lisboa saem na Gare do
Oriente”. “A estação é hoje mais usada para estacionar e lavar os comboios”,
afirmava.
Em 2017, o
presidente da IP, António Ramalho, dizia numa audição no parlamento, sobre um
plano de valorização das estações de comboio, que “não era nada de estranho ter
um hotel” na estação de Santa Apolónia. “Gostaríamos de ter Santa Apolónia
valorizada, mantendo o terminal ferroviário, mas também com algum
aproveitamento comercial, porque do outro lado estará o Terminal de Cruzeiros.
Nas estações do Rossio e do Cais do Sodré já há dois hostels, ambos
considerados dos melhores da Europa. Neste caso, poderia ser um hotel de luxo,
precisamente por causa dos cruzeiros”, afirmava.
Agora, em
declarações a O Corvo, o gabinete de comunicação da Infraestruturas de Portugal
reafirma a sua posição. “O que vamos fazer é uma rentabilização e
aproveitamento de espaços que foram ficando vagos, devido à evolução
tecnológica, à deslocalização dos serviços da antiga Refer para Almada e à
concentração de alguns serviços da IP noutras instalações, nomeadamente no
Campus do Pragal, com ganhos evidentes para a empresa. Vamos ter um espaço
utilizado para diferentes fins e aberto a toda a cidade”, explica.
A empresa garante
que “não está posta em causa a desactivação total nem parcial da linha
ferroviária” e que o futuro hotel “não pode perturbar o funcionamento da
vertente ferroviária da estação”. “Vamos reabilitar o edifício respeitando a
sua traça arquitectónica, numa zona de enorme potencial turístico. A existência
de unidades hoteleiras em edifícios ferroviários, ou junto das estações, é uma
verdade histórica – veja-se, por exemplo, o caso do Palace Hotel, no Rossio, ou
de várias instalações semelhantes em algumas das principais gares de Paris”,
acrescenta.
Os grupos
hoteleiros que apresentaram as versões finais dos projectos para a estação
ferroviária são o The House Ribeira Hotel, o consórcio entre Visabeira e
Montebelo, Pestana, Hoti-Star, Barceló e Salvor. A Infraestruturas de Portugal
espera tomar uma decisão quanto ao projecto vencedor até ao final de março, mas
admite que, se nenhuma das propostas for viável, não avança com a construção do
hotel, sendo ainda cedo para avançar se abre outro concurso.
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