Não vale a pena
comentar ... “Almas” em posições estratégicas de grande responsabilidade sem
quaisquer dúvidas, sentido estratégico ou antevisão a curto, médio ou longo
prazo ...
“Abençoados os
pobres do espírito, porque deles será o Reino ... dos Infernos.
Enquanto a Europa
tenta, de forma crítica e estratégica, quantificar as avalanches globalizantes
do Turismo de massas através da qualificação, esta santa “alminha” ...
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artigo em baixo.
OVOODOCORVO
Ana Mendes
Godinho rejeita excesso de turismo
19 DE MARÇO DE
2017 - 00:01
Na Entrevista
TSF/DN, a secretária de Estado do Turismo compara os 5,2 milhões de visitantes
que Lisboa recebe por ano, e 19 no total do país, com os 35 milhões de turistas
que Barcelona acolhe.
Ana Mendes
Godinho diz que houve uma inversão no turismo interno e que a reposição do
poder de compra e de quatro feriados foi importante para este crescimento.
Sublinha ainda que as cidades de Lisboa e do Porto estão longe de atingir os
seus limites em matéria de turismo.
"Em termo de
receitas, França já é o nosso principal cliente"
Na estratégia
para o turismo, ao longo dos próximos dez anos, que apresentou recentemente na
BTL não foi dado ênfase ao famoso turismo de sol e praia. Deixou de ser a
prioridade das prioridades?
O turismo de sol
e praia tem tido um papel fantástico em Portugal, fundamental ao longo destes
anos. Aliás, continua a ser uma das grandes motivações dos turistas que vêm a
Portugal. Mas Portugal tem de ser muito mais do que isso. O nosso grande
desafio, aliás, a estratégia a dez anos surge precisamente para responder a
esse desafio, é: como é que nós alargamos a atividade turística ao longo do ano
e ao longo do território para ser sustentável?
Este é um país
que tem sol em dezembro e em janeiro...
E temos de
aproveitar. Aliás, o sol serve-nos para tudo: serve-nos para sermos um destino
de férias, mas também serve para sermos um destino de filmagens - os
realizadores, por exemplo, adoram Portugal porque têm 300 dias de sol para
filmar -, mas também é uma característica de life style que atrai, neste
momento, pessoas para decidirem viver em Portugal. Por isso, o sol é um fator
chave. Aliás, na própria estratégia, é identificado como um dos nossos ativos
claramente diferenciadores e que temos de continuar a aproveitar. Mas temos
muito mais do que sol e praia. E eu acho que é isso que está, neste momento, a
posicionar Portugal de uma forma diferente. As pessoas que vêm a Portugal -
muitas delas até mobilizadas pelo sol e praia -, quando descobrem aquilo que Portugal,
afinal, tem para oferecer, com esta diversidade desconcentrada ao longo do
território mas muito próxima: nós temos desde a serra, ao rio, à praia fluvial,
às descidas nos rios ou às aventuras para bird watching, temos uma riqueza
enorme que as pessoas, neste momento, estão a descobrir. E o grande desafio é
esse: é como é que nós trazemos mais pessoas ao longo do ano, não tão
concentradas no verão, e ao longo do nosso território?
Nós vamos falar
disso adiante, mas isso quer dizer que o sol e praia deixou de estar na sua
lista de prioridades?
Não, continua a
ser uma das grandes motivações dos turistas e, portanto, é fundamental para nós
e continuamos a trabalhá-la.
Já não é preciso
vender isso?
Não é preciso
fazer esforço para o vender. Nós temos é de fazer esforço para vender aquilo
que as pessoas ainda não conhecem. Esse é o grande desafio. Aliás, no âmbito da
estratégia, fizemos várias reuniões no país, no território, em todas as
regiões, mas fomos também aos mercados internacionais ouvir o que é que os
mercados dizem sobre nós. Fomos ao Reino Unido, a Espanha, à França, à Alemanha
ou ao Brasil perguntar, precisamente, como é que viam Portugal. E como é que
veem Portugal? O destino sol e praia é a primeira resposta. Isso já veem. E,
quando lhes perguntávamos: "Então, mas além disso, o que é que é
Portugal?" "Não sabemos." Há um grande desconhecimento sobre o
que existe em Portugal além disso. Claro que estou a exagerar. Lisboa e Porto
já começam a ser, de alguma forma, atrativos que estão no mapa, mesmo do s
mercados internacionais, mas há muito desconhecimento sobre o que existe,
nomeadamente, no nosso Interior. Portugal continua a ser ainda um destino
turístico muito litoralizado - cerca de 90% da nossa procura concentra-se no
litoral -, mas o que sentimos é que, quando as pessoas vêm a Portugal e vão
para o Interior ou descobrem novos produtos, ficam completamente encantadas.
Grande parte dos prémios internacionais que Portugal recebeu em 2016 foram por
experiências e produtos que não são os tradicionais do sol e praia que as
pessoas já conhecem.
Mas são esses que
depois se noticiam...
De que forma é
que a reposição dos feriados nacionais se fez sentir no setor do turismo? É
possível contabilizar o facto de haver mais quatro feriados para os portugueses?
Em 2016, o
turismo interno teve uma recuperação muito grande face aos anos anteriores. Nós
tivemos um crescimento do turismo interno de cerca de 7%, em contraciclo com o
que vinha acontecendo. E isso já reflete dois tipos, penso eu, de indicadores:
o aumento de rendimento por parte dos portugueses e, portanto, alguma margem
para poderem gastar mais nas férias que fazem em Portugal; mas também muito
associado, precisamente, à reposição dos feriados e a alguns fins de semana
prolongados, muitos deles que aconteceram na dita época baixa, mas que
permitiu, de alguma forma, ocupar mais também a hotelaria nessas alturas.
Certamente que em 2017 vamos sentir isto. Nós sentimos os números da procura
interna a aumentarem ainda mais...
Teve boas
notícias, no início deste ano?
Os números que
saíram, de janeiro, são fantásticos. Se os números de 2016 já eram números
muito positivos, o que 2017 mostra é que isto não é uma moda: é um movimento
sustentável e com um crescimento em 2017, em janeiro - portanto, num mês
tradicionalmente difícil -, com crescimentos de cerca de 17% da procura
externa.
Não há como
esconder o facto de o turismo de Portugal ter beneficiado de condições difíceis
noutros mercados, designadamente aqueles onde houve ações terroristas, como a França,
por exemplo, mas acima de tudo o Norte de África, para onde iam muitos turistas
à procura do sol e praia de que falávamos. E se isso, de repente, se modifica e
o fluxo de turistas volta para esses países, em que o turismo é bastante mais
barato, não estará Portugal a instalar excesso de oferta que terá impacto num
momento de quebra de procura?
O
secretário-geral da Organização Mundial do Turismo esteve cá, em Lisboa, no mês
passado, e foi ele próprio que fez estas contas que ilustram que se virmos o
número de pessoas desviadas destes destinos e somarmos os números que Portugal
e Espanha ganharam em 2016, vemos que a soma dos turistas que vieram para
Portugal e Espanha ultrapassa largamente o número dos desvios dos países que
estão neste momento com alguma instabilidade. Mas não há dúvida nenhuma que
Portugal estava no momento certo competitivo para receber estes desvios de
fluxos que se sentiram ultimamente. Mas verdadeiramente o que nós temos neste
momento - e é isso que os números evidenciam -, quanto ao nível de satisfação
das pessoas que nos visitam, é que temos um destino muito competitivo. E o
grande desafio e o que estamos a trabalhar neste momento é para, de alguma
forma, fidelizar as pessoas que estão a descobrir Portugal pela primeira vez.
Mas não há
preocupação com esse excesso de oferta que possa estar a ser construído?
Não. As projeções
que nós fizemos... Aliás, fizemos vários cálculos, mesmo nas metas que traçámos
a dez anos, e as projeções que fizemos são com base na oferta instalada que nós
temos hoje - que eu gosto de lembrar que a nossa oferta instalada, neste
momento, tem cerca de 52% de taxa de ocupação, o que quer dizer que...
Temos muito para
crescer.
Temos muito para
crescer, temos. Temos muito para crescer...
Por isso é lhe pergunto
se não pode haver, de repente, um excesso de oferta, se houver uma inversão da
tendência.
Mas esse é que é
o nosso grande desafio, que é fidelizar as pessoas que vêm para cá e conquistar
novos mercados. E é isso, principalmente, o que está a acontecer. Nomeadamente,
os números de janeiro demonstram isso e os números de 2016 já demonstravam
isso. Nós estamos com aspetos muito positivos em 2016, quanto ao alargamento da
atividade turística ao longo do ano - dois terços do crescimento aconteceram fora
da época alta -; e com a diversificação de mercados que estamos a conseguir
atingir. Dou-lhe o exemplo muito prático que é o do mercado dos Estados Unidos,
que cresceu, em 2016, cerca de 20% e que em janeiro deste ano cresceu 40%,
muito associado às acessibilidades aéreas.
Sim, mas como o
número de partida que não é muito grande...
A base é pequena.
Mas posso-lhe dar outro exemplo, que é o mercado brasileiro...
Outra coisa que
também é difícil de prever para o futuro tem a ver com o brexit. A libra vai
ficar mais barata, significa que o euro vai ficar mais caro, as férias em
Portugal vão ficar mais caras. O que é que está previsto de perda de turistas
britânicos que, acima de tudo no Algarve, são os principais turistas?
Neste momento, os
sinais que temos é que não há quebra nenhuma de turistas britânicos, tivemos um
crescimento de cerca de 12% do mercado...
Ainda não houve o
brexit.
Não houve a
concretização, mas já há...
Sim, já há uma
desvalorização da libra...
Sim e, de alguma
forma, os próprios britânicos já têm essa insegurança sobre o que vai
acontecer. O mercado britânico, mesmo em 2017, continua a crescer
significativamente. O que não quer dizer que não tenhamos de estar atentos.
Neste momento, estamos em permanente contacto com operadores ingleses, no
sentido de perceber se temos de ir adaptando, aqui, alguma estratégia e algumas
campanhas...
Foi o principal
mercado, em 2016, ou não?
O principal
mercado de 2016 foi França, curiosamente. França liderou.
França. Em termos
de receitas ou em termos de turistas?
Em termos de
receitas. A França liderou as receitas turísticas. Depois varia em termos de
dormidas, em termos de números de hóspedes, em termos de regiões. Em termos
globais, para o país, a França atingiu, de facto, um recorde em termos de
receitas.
O tempo de
permanência dos turistas no nosso país, em particular fora do segmento do sol e
praia, é ainda curto. Como é que se pode levar as pessoas a ficarem mais tempo
em Portugal?
Claramente aí o
grande desafio é cada vez mais mostrarmos os produtos que temos e que as
pessoas não conhecem. Se mostrarmos a um turista que chega a Lisboa que, em vez
de ficar só dois dias em Lisboa, consegue com mais três dias, mais quatro dias,
descobrir uma quantidade de produtos completamente diferentes, desde o surf,
desde o vinho, desde a cultura, desde o património à volta ou que pode ir até
Fátima...
Sim, em Lisboa há
Sintra, Cascais, a Costa da Caparica...
Os turistas ainda
se fixam muito nos destinos tradicionais. E, portanto, aqui temos de trabalhar
muito a nível de capacidade de comunicar a oferta que temos e também trabalhar
com os operadores para que eles próprios construam os tais ditos pacotes, entre
aspas, que não sejam os tradicionais. Esse é um desafio enorme...
"Portugal é
imbatível" para companhias como a easyJet
Está ainda
satisfeita com o perfil do turista que temos atualmente?
Não, nunca estou
satisfeita. Acho que há imenso a fazer. Acho que evoluímos imenso. 2016 mostrou
que não há mitos inquestionáveis. O mito da sazonalidade é perfeitamente
trabalhável. Sabemos que as acessibilidades aéreas são cruciais e se tivermos
acessibilidades aéreas a mercados que, durante a época baixa, viajam mais para
a nossa época baixa, como é o exemplo do Brasil, temos muito a ganhar. Se nos
lembrarmos que o mercado brasileiro, em novembro, cresceu 90% percebemos que é
uma questão de inteligência na forma como criamos e reforçamos ligações aéreas
ao longo de todo o ano. Portugal tinha um problema sério. Crescemos muitíssimo
em termos de capacidade aérea desde 2005... De 2005 a 2015 duplicámos a nossa
capacidade aérea, mas a verdade é que ainda tínhamos, em 2015, grande
concentração das nossas ligações aéreas a efetuar-se no verão. Então se
olharmos para o Algarve, tínhamos pouquíssimas ligações aéreas fora da época
alta. Em 2016 trabalhámos muitíssimo nisto e teve efeitos imediatos. É
interessantíssimo ver isto mesmo a nível dos congressos e incentivos a
empresas. Só o facto de termos conseguido criar rotas aéreas - numas, criar de
novo, noutras alargar a operação a todo o ano no Algarve, isto trouxe um novo
mercado no Algarve para o qual o Algarve estava completamente adormecido.
A easyJet, a
propósito do brexit de que estávamos a falar há pouco, anunciou que quer tirar
a sede do Reino Unido e tem duas grandes apostas: Portugal e Áustria. O que é
que o governo português vai fazer para trazer para cá essa companhia, que,
obviamente, permite aumentar, em muito, essa capacidade aérea que beneficia o
turismo?
Eu vou-lhe dizer
uma coisa: eu acho que não temos de fazer sequer muito. Porque os fatores
competitivos...
Os donos da
companhia dirão outra coisa. [Risos].
Os fatores
competitivos que nós temos neste momento põem Portugal numa das principais
opções em várias empresas, neste momento, em termos de localização. Aliás,
temos andado a fazer esse trabalho internacionalmente. E tem sido muito,
também, o nosso foco: aproveitar o turismo como um instrumento para mostrar que
Portugal é, de facto, um país bom para investir. Se já sentimos isso
naturalmente por parte de investidores estrangeiros a nível turístico - eu,
semanalmente, reúno-me com investidores e marcas internacionais que querem
entrar em Portugal -, a verdade é que o turismo pode servir também como um
instrumento para promover Portugal como um bom país para investir e...
Mas este caso
específico está no radar de trabalho do governo?
Clarissimamente.
Seguimos esse assunto com muita atenção...
Estão em
conversações com eles?
...com muita
atenção e a acompanhar, naturalmente. Sendo que, de facto, temos bons fatores
competitivos. Desde logo, estas empresas procuram um país com estabilidade
política e económica, procuram um país em que o clima é bom e onde os seus
trabalhadores não se importem de viver - e, nomeadamente neste ponto, Portugal
é imbatível...
Estas entrevistas
também servem para procurar notícias [risos] e, portanto, vou insistir na
pergunta.
Não lhe posso dar
a resposta sobre se a easyJet já decidiu, mas tudo faremos para que optem por
Portugal...
Mas está
confiante de que a easyJet virá para Portugal? Aquilo que o governo português
lhe está a oferecer...?
Estou confiante
de que Portugal é, neste momento, muito competitivo, em termos de país, para
atrair este tipo de empresas, não só em termos gerais, mas também porque, no
turismo, Portugal se está a afirmar como líder em termos de crescimento e
inovação. E, portanto, as empresas que têm alguma ligação ao turismo também
têm, neste momento, interesse em localizar-se em Portugal.
São precisas boas
acessibilidades aéreas a mercados que viajam na época baixa
Outro dos
problemas que o turismo enfrenta - aliás, foi mencionado por si há pouco -
passa pela sazonalidade que, no fundo, como é que nós podemos lutar contra esse
problema? Que medidas concretas é que se podem aplicar para combater esta coisa
de "O Verão"...?
Desde logo,
acessibilidades aéreas. São cruciais. Dei-lhe o exemplo, há pouco, do que está
a acontecer, nomeadamente, com o mercado do Brasil, que em contraciclo
geográfico, aproveitando a diferença até continental, os brasileiros viajam
muito precisamente nestas alturas do ano: novembro, dezembro, janeiro. Também o
mercado americano, por exemplo, em janeiro está com um crescimento de 40%. Isto
para lhe dizer o quê? Acessibilidades aéreas a mercados que nos interessam mais
nestas alturas do ano são cruciais. Número dois, criar atratividade dos nossos
destinos e criar produtos que também respondam a estes mercados que nós
queremos e que sabemos que viajam mais nestas alturas do ano. Um exemplo muito
concreto: criámos um programa específico, com uma equipa específica, para
captar eventos corporativos e congressos internacionais. Tem sido avassalador o
interesse que, de repente...
Mas isso é muito
Lisboa e Porto, não é?
Não, e Algarve,
por exemplo. Dou-lhe o exemplo do Algarve e não só: dou-lhe o exemplo de
Coimbra, que tem, neste momento, um novo centro de congressos
interessantíssimo.
Enorme. Estreou
há pouco tempo.
Que é um antigo
convento. Espetacular! E que está com um dinamismo e uma procura fantásticos. E
abriu o ano passado. Mas o que é que precisamos? É de pôr Portugal no mapa, de
facto, como um destino de eventos e congressos internacionais, que se não tiver...
Mas estamos
sempre a falar do litoral. E, para o interior, o que é que nós vendemos no
estrangeiro? Estou a pensar no Minho, no Alentejo...
Nós, no interior,
vendemos cultura, gastronomia, vinhos e natureza. Nisto, o que é que estamos a
fazer? Lançámos um programa que se chama Portuguese Trails. O que é que é este
Portuguese Trails? É: vamos virar o mapa! Vamos abrir o nosso mapa que, afinal,
não é só o litoral; vamos abrir o mapa e mostrar este mapa aos nossos
operadores internacionais e à procura internacional. Se perguntar
internacionalmente se conhecem Portugal como destino de natureza: zero. Não
temos notoriedade nenhuma. Se perguntar a quem nos visita qual é a sensação e
qual é o feedback depois de visitar, bastar ver, por exemplo, um resultado de um
inquérito feito no mercado alemão que posiciona Portugal em primeiro lugar como
o destino mais surpreendente em termos de turismo da natureza. Ou seja, temos
um grande gap, há uma grande falta de informação e falta de capacidade nossa de
comunicação deste produto. Por isso, o que fizemos foi isto: criar este
programa que se chama Portuguese Trails e estamos a trabalhar em várias
dimensões.
Mas que necessita
de promoção, não é?
Não só de
promoção, precisa também de estruturação do produto. E é isso que estamos a
fazer. Começámos com o Algarve, precisamente, porque também é um produto que
nos reage e resulta muito bem para a época baixa. E, portanto, aí começámos com
o Cycling and walking, um projeto no Algarve em que estamos a trabalhar com os
operadores todos do Algarve, mas também com os municípios. Envolvemos os 16
municípios do Algarve num projeto único, em que os próprios municípios se estão
a responsabilizar por garantir que as obras acontecem no terreno. É muito
bonito dizer que temos vias cicláveis, mas é essencial que elas existam, porque
também não queremos promover um produto e que depois as pessoas cheguem cá e
acaba um município e começa o outro, mas não há ligação entre os dois. E, por
isso, assumimos este projeto com um grande, de facto, um grande envolvimento
também dos municípios do Algarve. É criar um produto regional e não só de
município. E estamos a trabalhar com operadores precisamente para vender este
produto e para o mostrar através de uma plataforma que criámos que se chama
Portuguese Trails. Portanto, estamos a fazer esta grande aposta de virar o
nosso mapa turístico. Já agora, dar-lhe uma nota: estamos a fazer isto pela
primeira vez trabalhando em conjunto com outras organizações públicas. Não sei
se têm noção mas o ICNF, que tutela as áreas protegidas, tem um conjunto e
conteúdos de informação espetaculares, nomeadamente, sobre a experiência, as
caminhadas, etc. que se fazem nas áreas protegidas. Até hoje isto não era
promovido. O ICNF produzia os conteúdos, mas depois não conseguíamos...
Fazê-los chegar
aos turistas.
Chegar aos
turistas. O que é que fizemos? Pela primeira vez, pusemos Turismo de Portugal e
ICNF a trabalharem em conjunto. Neste momento temos o ICNF com uns conteúdos
maravilhosos e únicos e o Turismo de Portugal a promover. Hoje se forem, aliás,
ali à Feira de Turismo, à BTL, pela primeira vez vão perceber que o grande
produto que estamos ali a promover é o turismo de natureza nesta grande
articulação de conseguirmos mostrar, dar visibilidade internacional aos conteúdos
que o ICNF tem das áreas protegidas, que são, aliás, únicos. Quando eu
internacionalmente digo que o nosso país tem 23% do nosso território
classificado como área de alguma forma protegida, entre Rede Natura e áreas
protegidas, só isto cria logo interesse. Mas é preciso depois mostrar às
pessoas.
Mas, falando em
diversificação, o turismo residencial - rentabilizado, aliás, por outros
parceiros europeus, nomeadamente, aqui pela vizinha Espanha. Tem vindo a
acompanhar a evolução e o crescimento do setor ou não?
Em 2016 tivemos
uma recuperação imensa em termos de compra de casa por estrangeiros. Tem sido,
aliás, é um dos nossos eixos de comunicação, o Living in Portugal, e
aproveitando, claramente, aqui a conjuntura internacional, mas também [é]
Portugal [a] assumir-se cada vez mais como um destino seguro para
diversificação de investimento. Estamos a sentir imenso isso.
E é mais com
reformados, não é? Mas Portugal também está a ser acusado de dumping fiscal em
relação a parceiros europeus - a Suécia, a Dinamarca têm-se queixado de que nós
estamos a fazer batota, nessa matéria.
Não, aí a grande
questão que se tem colocado é que, de facto, há, na legislação sueca, penso que
há um... Não tem a ver com a nossa competitividade em termos de capacidade de
atrair pessoas para viver cá. Aliás, temos transmitido até isso
internacionalmente, que as pessoas não vêm cá... essa não é a razão pela qual
decidem vir para Portugal. Claro que, feitas as contas...
Houve um boom dos
nórdicos que tem a ver com o facto de não pagarem impostos cá com a reforma...
Eles não pagam
impostos... Importa esclarecer que depende dos acordos de dupla tributação que
existem entre países. E o que eles não pagam é relativamente às pensões que
tenham a ver com fundos de pensões privados.
Como, aliás, não
é inédito em Portugal. Acontece também em alguns outros países, nomeadamente em
Espanha. E era essa uma desvantagem que tínhamos.
Pronto. E, aliás,
deixe-me dizer-lhe, isto foi uma medida criada em 2009, o Regime Fiscal do
Residente Não Habitual, que, no fundo, veio só pôr-nos a par de outros
países...
Outros países, é
a Espanha.
E não só. Mas
estávamos em desvantagem. Mas, dito isto, o que nós sentimos, de facto, é cada
vez mais uma grande procura de estrangeiros para viverem em Portugal. Não só de
reformados; estamos a sentir uma grande procura de jovens, nomeadamente destes
jovens associados às novas tecnologias, etc., que é indiferente o sítio onde
vivam para trabalhar, desde que tenham boas acessibilidades aéreas e boa
cobertura de rede para poderem trabalhar, estamos a sentir imensa procura.
Nomeadamente, de dois mercados, que têm um crescimento enorme em 2016, que foi
o mercado francês e o mercado italiano, que começou a aparecer no mapa como um
mercado muito interessante, à procura de casas em Portugal para comprar. Muito
engraçado: eu estive, na Índia há cerca 15 dias, fazendo o follow-up da visita
do nosso primeiro-ministro - que abriu, escancarou as portas, na Índia -, e
verifiquei, já estive com alguns investidores que já compraram casa, aliás, em
Portugal. Até lhe dou o exemplo concreto - quando há pouco estava a falar de
ainda ser só os centros urbanos -, alguns destes investidores tinham comprado
casa na Região Oeste. Várias casas, portanto, para investimento. Mas não só.
Muito engraçado: muitos deles têm família, os descendentes, os filhos, foram
estudar para os Estados Unidos e constituíram família nos Estados Unidos; e
agora estão a usar Portugal como uma plataforma de encontro entre a família,
que...
Fica a meio
caminho.
Fica a meio
caminho entre a Índia e os Estados Unidos e, portanto, encontram-se aqui, a
família, anualmente. Precisamente, Portugal é, aqui, a base de encontro.
Continuando a
diversificação, o turismo religioso. Este será, claramente, um ano diferente -
enfim, o Papa vem a Fátima -, mas o que lhe pergunto é se admite uma crescente
colaboração com a Igreja, nomeadamente no desenvolvimento deste turismo?
Não só crescente,
como já existe. Foi das primeiras reuniões que eu tive, aliás, foi com o senhor
cardeal patriarca, para lhe falar nesta necessidade que eu sentia de haver,
cada vez mais, um trabalho conjunto para promovermos Portugal como um destino
de turismo religioso, nas suas várias vertentes. Fátima, este ano, é
inquestionável e, portanto, aproveitámos também o momento do centenário das
Aparições de Fátima e a vinda do Papa como, aqui, um pretexto para pormos
Portugal no mapa como destino de turismo religioso. Nós, pela primeira vez,
este ano participámos na Feira de São Paulo com um stand vocacionado para
Fátima, em que estávamos...
São os principais
turistas religiosos, é o Brasil?
São. É um dos
principais mercados, aliado aos polacos. E, aliás, o mercado da Polónia está a
crescer muitíssimo: cresceu cerca de 25% o ano passado, para Portugal, e muito
associado à motivação religiosa. Outro mercado que está a crescer muito, em
termos de turismo religioso, é o da Coreia do Sul. Muito interessante, com
movimentos interessantíssimos, grupos que vêm precisamente a Portugal para
turismo religioso e aproveitando...
Nem sequer seria
um mercado muito óbvio, não é? Porque a Polónia, por influência de João Paulo
II, percebe-se, mas...
Não seria. Mas é
um mercado interessantíssimo, em termos de turismo religioso. E, aliás, estamos
a preparar ações específicas dirigidas a turismo religioso e vamos organizar
workshops com operadores especializados em Seul em Julho - vamos lá estar,
precisamente, para promover turismo religioso. Mas o turismo religioso não é só
Fátima. Nós este ano estamos, claramente, a aproveitar Fátima, porque é o
momento para aproveitar Fátima, porque nos dá muita notoriedade, não há dúvida
nenhuma. Mas o turismo religioso são também os Circuitos Marianos, são também
os Caminhos de Santiago, o caminho português de Santiago... E também o caminho
de Fátima. Nós aproveitámos, precisamente, este momento, este ano para, por uma
vez, estruturarmos a sério o caminho de Fátima. Estamos a fazer isso e estamos
a fazer isso com todos - com os municípios, com o Centro Nacional de Cultura,
com a Igreja - para, de facto, afirmar os caminhos de Fátima como um produto
português único e internacionalizá-lo. Acho que andamos há muitos anos a perder
esta oportunidade e, claramente, estamos a aproveitar este ano para promover
internacionalmente Portugal como este destino de caminhos de espiritualidade. E
Fátima é, também, um pretexto. Queremos que não seja só um caminho associado à
religião católica: é muito mais do que isso. É um caminho de espiritualidade
que nos ajuda a promover também este outro lado de Portugal que nós queremos
mostrar que é o de um país de tolerância, aberto, onde as pessoas vêm descobrir
um país mas também se descobrem. Portanto, aproveitando um bocadinho este lado
de espiritualidade de Fátima, abrindo caminho para as pessoas descobrirem cada
vez mais o nosso país. Aliado a isto, claramente, também temos as judiarias e,
portanto, turismo religioso tem estas várias vertentes. Estamos a lançar um
portal só dedicado a isto, Portugal como destino de espiritualidade, nestas
várias vertentes, que cobrem todo o território. Portanto, há pouco, quando me
perguntava o que é que nós temos para vender, o nosso território tem muitíssimo
para vender. Desde a rede das judiarias, que é riquíssima em Portugal:
Belmonte, Tomar, Trancoso... Há pouco, esqueci-me de lhe dizer uma coisa -,
além da grande aposta que temos feito em dinamizar produtos tipicamente do interior,
como por exemplo as termas e as aldeias portuguesas, quer aldeias históricas,
quer aldeias do xisto, lançámos um programa específico, que se chama Valorizar,
na sequência do Programa Nacional para a Coesão Territorial, em que
identificámos claramente quais são os produtos que podemos desenvolver no
interior, turísticos, para que, de alguma forma, incentivar a sua estruturação
- porque muitos destes produtos não estão estruturados; existem isoladamente,
mas não existem enquanto produto turístico. Portanto, para os estruturar,
lançámos este programa especial, com 110 milhões de dotação, precisamente para
mobilizar quem está no interior a construir o produto, par ao comercializarmos
e promovermos. Tem tido uma procura louca! Deve ser dos programas de lançámos
com mais procura, o que também demonstra uma grande vontade, nomeadamente, de
jovens em desenvolverem novos negócios associados ao interior.
Sendo tão
diversificada a oferta turística em Portugal, o que nós temos assistido, nos
últimos anos, é a um grande boom essencialmente em Lisboa e no Porto. O Algarve
já era, Algarve e Madeira. Os Açores também está a correr bem, mas acima de
tudo Lisboa e Porto. E há uma crítica, mesmo, entre os parceiros que apoiam o
governo no Parlamento, uma crítica muito grande àquilo que se tem feito em
Lisboa e no Porto, no sentido de haver uma especulação imobiliária, de se
estarem a retirar as pessoas dos centros das cidades. Não é preciso parar para
olhar e pensar bem no que é que se está a fazer em Lisboa e no Porto? Não a
incomoda este facto de as pessoas estarem cada vez mais a fugir do centro,
porque é impossível viver no centro das cidades?
Não. Eu acho que
se analisarmos os dados da população residente em Lisboa, há 20 anos, e a
evolução, percebemos que não tem nada a ver com o turismo. Ou seja, o centro de
Lisboa e o centro do Porto estavam numa situação desertificada antes de o
turismo ter aparecido. O turismo o que permitiu foi requalificar...
A reabilitação
urbana?
Reabilitar e
requalificar uma zona completamente abandonada. Quem é que ia para a Baixa,
pergunto eu, há 20 anos, à noite? Ou quem é que circulava na Baixa, há 20 anos,
além das poucas empresas ou bancos que tinham ali os seus escritórios?
Mas sendo certo
sendo certo que Lisboa tem vindo a perder gente - eu lembro-me que em 1980
teria 800 mil pessoas; hoje tem poucas mais de 500 mil, eventualmente -, este
fenómeno...
Mas é um
movimento anterior, é um fenómeno completamente anterior ao turismo.
Sim, mas este
fenómeno não vem agravar? O que os críticos dizem é que este fenómeno veio
agravar, muito à conta de haver um excesso de procura e, portanto, as
pessoas... digamos, a autenticidade de que falava há pouco, se estar a perder
nas cidades, porque as pessoas têm a tentação de sair em função do nível de
procura que existe.
Eu gosto de
lembrar alguns números que eu acho que põem estes assuntos no seu devido lugar.
Barcelona, onde se discute a questão da sobrecarga, tem 35 milhões de
visitantes por ano. Portugal, no seu conjunto, tem 19 milhões de visitantes e
Lisboa tem 5,2 milhões. Portanto, quando estamos a falar de sobrecarga,
pensemos o que é que é sobrecarga. Sobrecarga são 35 milhões e aí, sim, está a
discutir-se que são 35 milhões de pessoas a visitarem Barcelona por ano.
Mas Lisboa ou o
Porto estavam preparados par esta sobrecarga que está a acontecer neste
momento?
Clarissimamente.
Aliás, basta ver a grande efervescência positiva, a energia positiva que neste
momento existe em Lisboa e no Porto, em termos de vida, que os centros, que os
centros históricos voltaram a ter, que estavam completamente abandonados. Desde
o dinamismo de novas empresas que surgiram, de novas lojas que estão a
surgir... Dito isto, não quer dizer que não tenhamos de acompanhar e ir
monitorizando... E, aliás, é por isso uma estratégia a dez anos com essa grande
preocupação. Aliás, um dos vetores que está nesta nossa estratégia, uma das
nossas metas, é o envolvimento das populações locais precisamente nos processos
de decisão de turismo e a avaliação do seu grau de satisfação face ao
desenvolvimento da atividade turística. Porque também ninguém quer ter Lisboa
como uma cidade Disneylândia. Não é o objetivo de ninguém. Pelo contrário.
Sim, Alfama sem
"malandros de Alfama" não é um bairro histórico.
Ninguém quer
isso. Ninguém quer isso. Aliás, o sucesso, dito de outra forma, o sucesso que o
alojamento local tem tido em Lisboa e no Porto e não só - é sempre bom recordar
que só 25% do tal alojamento local (que é esse que está em causa quando se fala
aqui na especulação imobiliária; pelo menos, é esse que se costuma discutir),
só cerca de 25% deste alojamento local é que se situa em Lisboa ou no Porto. Ou
seja, muita desta oferta... Nós tivemos um grande crescimento desta realidade
do alojamento local, em todo o país, mas muito porque os turistas querem, cada
vez mais, viver experiências únicas e autênticas, integradas na comunidade. E,
portanto, ninguém quer estragar a galinha dos ovos de ouro que é também o
turismo enquanto elemento de atração de novas populações, mas também que o
turismo sirva para atrair cada vez mais pessoas para viverem no nosso país. É
um bocadinho esse o nosso lema e eu acho que começamos a ter a evidência disso.
Eu sinto muito, é muito engraçado, às vezes, falar com franceses ou com
ingleses que estão, neste momento, a viver cá em Portugal e que dizem que a
primeira vez que vieram, vieram em turismo. Vieram descobrir uma cidade, de que
ouviam falar, Lisboa ou o Porto, e de repente ficam completamente entusiasmados
e repetem a viagem: à segunda vêm, à terceira vêm e à quarta decidem mesmo
comprar casa.
Chegar do Montijo
ao centro de Lisboa "vai ser rapidíssimo"
Em relação à
competitividade no setor do turismo, é essencial a oferta aérea e, por isso,
precisamos de um novo aeroporto. Está dado como adquirido, embora ainda esteja
em estudo, o aeroporto do Montijo como alternativa. Sendo fora de Lisboa, como
é que serão garantidas as ligações à cidade? O aeroporto pode ficar a 30 ou a
40 quilómetros, desde que as pessoas cheguem rapidamente ao sítio onde querem.
E isso é
exatamente aquilo que se tem de garantir e o Turismo faz parte desse grupo de
trabalho para garantir essa solução. Vou-lhe dar um exemplo muito concreto: fui
a Londres há dois meses e o aeroporto, a certa altura, em que fiquei - destes
das low cost -, demorei quase uma hora e meia a chegar ao centro da cidade.
Isto não tem nada a ver com aquilo que nós estamos a propor para o Montijo. O
Montijo é uma solução ótima mesmo em termos de proximidade...
E essa solução
conta com o apoio das companhias low cost, que serão aquelas que
preferencialmente utilizarão a pista do Montijo?
Esta solução
conta, essencialmente, com o turismo, que precisa de ter competitividade aérea.
E só a temos se tivermos claramente, aqui, um alargamento da nossa capacidade.
Portanto, não é
só para as low cost. É para as low cost e companhias de bandeira...
O objetivo é
termos capacidade aérea, que temos de ter e de responder. Porque, tal como
estamos neste momento, a evolução e a taxa de crescimento que nós temos em
termos de procura de acessibilidades aéreas e de novas ligações aéreas, neste
momento, já estamos com dificuldade em gerir. Portanto, temos é de ter aumento
desta capacidade e capacidade de receber cada vez mais gente.
Se não é uma hora
e meia para chegar do Montijo aqui, em quanto tempo é que se vai chegar, saindo
do aeroporto do Montijo, ao centro da cidade de Lisboa?
Vai ser
rapidíssimo! Aliás, ao centro, tem duas hipóteses, pode chegar ao Cais Sodré ou
pode chegar à Expo, onde tem também ligação direta de metro. Aliás, se hoje
fizer esse teste... Se hoje, não havendo nenhum meio de transporte especial, o
fizesse, já chegava de uma forma rápida. Mas a parte do transporte e da ligação
do aeroporto ao centro de Lisboa é crucial na construção desta solução e o
Turismo é, precisamente, parte nesta solução para encontrarmos a forma mais
rápida de chegar rapidamente ao centro de Lisboa, que vai acontecer.
Lisboa ainda não
é Barcelona? Não está assim tão longe
Rafaela Burd
Relvas, Ana Raquel Moreira e Lídia Leão
ECO / 14:03 / DOMINGO,
18 DE MARÇO DE 2018
Lisboa tem oito
mil turistas por mil habitantes. Dois hotéis e 107 alojamentos locais por
quilómetro quadrado. A frota de autocarros reduziu-se em 23% na década em que o
número de hóspedes subiu 70%.
A Área
Metropolitana de Lisboa (AML) superou os seis milhões de hóspedes em 2017.
Paula Nunes/ECO
“Sobrecarga são
35 milhões”. A 19 de março de 2017, Ana Mendes Godinho resumia assim, numa
entrevista ao Diário de Notícias e à TSF, o que entende por sobrecarga
turística. A secretária de Estado do Turismo referia-se ao número de visitantes
que Barcelona recebe anualmente e comparava este valor com os números
portugueses, significativamente inferiores. Por essa altura, Portugal registava
perto de 19 milhões de hóspedes por ano e a região de Lisboa recebia 5,6
milhões. “Gosto de lembrar alguns números que põem estes assuntos no seu devido
lugar”, dizia então a governante.
Entretanto,
Portugal superou os 20 milhões de hóspedes e a região de Lisboa já dá cama a
mais de 6 milhões de turistas por ano. Tudo isto sem contar com o alojamento
local. A resposta mantém-se: ao ECO, a secretária de Estado reitera que não
concorda com “a afirmação de que Portugal tem turistas a mais”. A ideia resume,
de resto, aquela que também tem sido a posição de outros governantes,
responsáveis camarários e empresários do setor: Lisboa conheceu um crescimento
rápido e explosivo do turismo nos últimos anos, mas continua longe de se tornar
numa Barcelona, Veneza, Berlim ou Amesterdão, todas cidades onde o conceito de
“sobrecarga” não é tabu, mas uma realidade tratada com legislação. Onde fica
Lisboa, afinal, quando comparada com estas quatro cidades?
É verdade que os
números absolutos da capital portuguesa quase nem são comparáveis aos destas
cidades, mas importa também colocá-los no seu devido lugar: à escala. Eis
alguns deles: a cidade de Lisboa recebe oito mil turistas por cada mil
habitantes, um rácio superior ao de Barcelona ou ao de Berlim, e regista mais
de 19 mil dormidas por habitante, acima de Amesterdão. Tem dois hotéis por
quilómetro quadrado, número só inferior ao de Barcelona. Tem 107 alojamentos
locais por quilómetro quadrado, cinco vezes mais do que em Berlim e duas vezes
mais do que em Amesterdão. A frota de autocarros e elétricos reduziu-se em 23%
entre 2005 e 2016 e a do metro reduziu-se em 2%.
Olhar para a
evolução do turismo em Lisboa ao longo de uma década é olhar para uma história
de crescimento com poucos paralelos noutros setores da economia portuguesa.
Desde logo, importa distinguir área metropolitana de cidade. De facto, no que
diz respeito à área metropolitana, onde se incluem concelhos como Vila Franca
de Xira, Alcochete ou Mafra, pode dizer-se que Lisboa está longe da saturação
turística. Por outro lado, quando se limita a análise à cidade de Lisboa, e
comparando-a às cidades de Barcelona, Berlim, Amesterdão e Veneza, o caso é
outro e os indicadores de umas e outras não são assim tão diferentes.
Desagregando a
cidade da Área Metropolitana, não há indicador que não cresça a dois dígitos,
ou mesmo a três, durante o período analisado, de 2005 a 2016. Partindo de 2005:
Lisboa tinha 93 hotéis e pensões, num total de 13 mil quartos, recebia 2,3
milhões de hóspedes, responsáveis por cinco milhões de dormidas, e registava
proveitos hoteleiros totais de 347 milhões de euros. Por essa altura, não se
conhecia a real dimensão do alojamento local, que, apesar de existir, não tinha
assumido a proporção de hoje.
No espaço de uma
década, só por duas vezes o turismo em Lisboa assistiu a contrações: 2008 e
2009, anos de pico da crise internacional. De resto, foi sempre a subir e a
capital chegou a 2016 com quase o dobro dos hóspedes, das dormidas e dos
proveitos hoteleiros: pouco mais de quatro milhões de hóspedes, 9,7 milhões de
dormidas e 692 milhões de euros em proveitos totais da hotelaria. Estes números
nunca têm em conta o alojamento local, um subsetor para o qual ainda não
existem estatísticas oficiais – isto apesar de já existirem mais camas em
unidades de alojamento local do que na hotelaria tradicional, pelo que os
valores reais do turismo em Lisboa serão significativamente superiores aos que
são contabilizados oficialmente.
Já em 2017, a
Área Metropolitana de Lisboa registou mais de seis milhões de hóspedes e 14
milhões de dormidas, mas o Instituto Nacional de Estatística (INE) ainda não
disponibilizou estes dados, relativos ao conjunto do ano passado, desagregados
para a cidade de Lisboa. Nos últimos anos, a cidade respondeu, em média, por
72% dos hóspedes e das dormidas da área metropolitana. Assumindo essa
proporção, a cidade de Lisboa terá registado 4,4 milhões de hóspedes e 10,3
milhões de dormidas em 2017. Nesse ano, contava já com 204 hotéis e pensões,
num total de mais de 21 mil quartos e 36 mil camas, de acordo com os números do
Turismo de Lisboa. Ao mesmo tempo, contavam-se 10.700 alojamentos locais com
capacidade para 24 mil quartos e 52 mil camas, segundo os dados fornecidos pela
Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) ao ECO.
Apesar de a
evolução percentual ser superior (também porque a base de partida era mais
baixa), os números absolutos de Lisboa ficam aquém das restantes cidades
analisadas. A comparação, em termos de hóspedes, é a que se mostra no gráfico
seguinte.
Também no que
toca a dormidas os números absolutos são inferiores aos das restantes cidades,
como se vê no gráfico.
Em alguns casos,
o número de hóspedes e de dormidas não é suficiente para avaliar a sobrecarga
de turismo, uma vez que o número de turistas que a visitam mas que acabam por
não ficar hospedados é significativo. Em Veneza, por exemplo, estima-se que
todos os anos, cheguem 30 milhões de visitantes. Contudo, a cidade só regista
4,6 milhões de hóspedes e 10,5 milhões de dormidas, números semelhantes aos de
Lisboa.
… O que significa
isto para quem lá vive?
Questionada pelo
ECO sobre este assunto, a secretária de Estado do Turismo começa por referir
que “a sobrecarga turística envolve vários indicadores e não existe um
indicador único e consensual sobre a forma como se calcula“. Entre os vários
indicadores que podem considerar-se, há a relação entre o número de hóspedes e
de habitantes, a relação entre o número de hóspedes e de imóveis disponíveis, a
perceção do turista e a sua vontade de voltar a determinado local ou a perceção
de aglomeração sentida pelo habitante, enumera Ana Mendes Godinho.
De facto, não
existe um conceito oficial de “sobrecarga turística”. Esta é, aliás, uma lacuna
que Miguel Coelho, presidente da junta de Santa Maria Maior, uma das três
freguesias de Lisboa onde se concentra 58% de todos os alojamentos locais do
município (as outras duas são Misericórdia e São Vicente), pede que seja
resolvida.
Mas, pegando em
alguns dos indicadores sugeridos pela secretária de Estado, e ainda noutros
utilizados pelo Eurostat ou por organizações como o Conselho Mundial de Viagens
e Turismo (WTTC, na sigla em inglês), é fácil de concluir que Lisboa não está
longe das cidades que estão a impor limites ao turismo.
Começando pela
proporção de hóspedes e de dormidas em relação ao número de habitantes. Ao
contrário do que acontece em Barcelona, Berlim e Amesterdão, onde a população
aumentou na última década, a cidade de Lisboa perdeu habitantes, passando de
uma população de 555 mil pessoas em 2005 para cerca de 505 mil em 2016. Assim,
nesse ano, a capital registou oito mil turistas e 19 mil dormidas por cada mil habitantes.
Na União Europeia, segundo os dados do Eurostat, registou-se, em 2015, uma
média de 5.292 dormidas por mil habitantes. O gabinete de estatísticas europeu
considera que, no que toca a dormidas, há sobrecarga a partir das 20 mil noites
por mil habitantes.
Quanto à relação
de hóspedes por habitantes, Lisboa só fica atrás de Amesterdão (embora muito
próxima) e de Veneza, como se vê no gráfico.
Lisboa regista 8
mil hóspedes e 19 mil dormidas por mil habitantes
Outro indicador
que importa analisar é a relação entre turistas e fogos disponíveis para
habitação, como a secretária de Estado também apontou. Esse é, contudo, um dado
difícil de obter. Apesar da insistência, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) não
forneceu ao ECO os dados pedidos sobre o número de fogos destinados à habitação
(ocupados e vagos) que existem no município. Assim, consideraram-se os dados do
INE relativos ao número de alojamentos familiares clássicos: em 2016, eram
323.580. Isto significa, tendo em conta os 10.700 alojamentos locais registados
em Lisboa no final do ano passado, que cerca de 3% das casas existentes no
município servem como alojamento para turistas. Mas há freguesias onde esta
proporção é muito mais expressiva. Um estudo encomendado pela Associação da
Hotelaria de Portugal (AHP) às faculdades de Direito e de Economia da
Universidade Nova de Lisboa mostrava que, em 2016, 22% das casas existentes na
freguesia de Santa Maria Maior estavam registadas na plataforma Airbnb.
Há uma freguesia
onde o preço das casas subiu 17% em 3 meses
Ler Mais
Quanto aos fogos
vagos, só há dados relativos aos Censos de 2011, altura em que existiam 322.865
alojamentos familiares, dos quais 50.209 estavam disponíveis para arrendar ou
para outros fins. Ou seja, do total de alojamentos familiares, cerca de 15%
estavam vagos. Assumindo que esta proporção se mantém, existiriam, em 2016,
cerca de 48.500 fogos vagos. Significa isto que, por cada fogo disponível,
Lisboa tinha 83 hóspedes. Aqui, Lisboa fica atrás das restantes cidades. Com
base em dados do Eurostat, Barcelona teria 110 hóspedes por cada alojamento
vago e Berlim teria 115. Não foi possível encontrar estes dados para Veneza e
Amesterdão.
Pode também
contabilizar-se a distribuição de estabelecimentos turísticos pela cidade.
Lisboa contava, no ano passado, dois hotéis e 107 alojamentos locais por
quilómetro quadrado, números que só são ultrapassados em Barcelona. Na cidade
catalã, encontram-se 6,8 hotéis e 186 alojamentos locais por quilómetro
quadrado. Berlim não chega a ter um hotel por quilómetro quadrado e só tem 20
alojamentos locais nessa área. Amesterdão tem, tal como Lisboa, dois hotéis por
quilómetro quadrado, mas apenas 58 alojamentos locais. E Veneza tem um hotel e
16 alojamentos locais.
Lisboa tem 2
hotéis e 107 alojamentos locais por quilómetro quadrado
Resta, ainda,
avaliar o peso do turismo sobre os serviços públicos. O caso dos transportes é
paradigmático. No caso da Carris, a queda da frota disponível é uma constante
ao longo da última década. Em 2005, a empresa de transporte público contava com
797 autocarros, 58 elétricos e oito ascensores, num total de 851 unidades. Em
2016, oferecia 599 autocarros, 48 elétricos e os mesmos oito ascensores, num
total de 655. A frota total reduziu-se, assim, em 23% neste período. Já a frota
do Metropolitano de Lisboa reduziu-se em 1,7% nesta década, totalizando 111
unidades triplas operacionais (sendo que o “atraso na execução de tarefas de
manutenção periódica e obrigatória” levou a que apenas 77% da frota total
estivesse disponível para circular nesse ano, o que reduz o total para 85
unidades triplas). Isto apesar de a rede metropolitana ter aumentado, com a
inauguração das estações da Reboleira e do Aeroporto.
Tudo isto num
período em que a população da cidade se reduziu em 9%, mas em que o número de
turistas aumentou em mais de 70%. De referir, ainda assim, que a Carris
anunciou que vai comprar 250 novos autocarros até 2020. Como termo de
comparação, entre 2006 e 2016, Barcelona reduziu marginalmente a frota de
autocarros de transporte público, de 1.066 para 1.060 autocarros (uma redução
de 0,5%), mas aumentou a frota do metropolitano de 135 para 171 comboios neste
período (um aumento de 26%).
Vítor Costa, diretor-geral
da Associação Turismo de Lisboa (ATL), reconhece a necessidade de “haver uma
drástica melhoria dos transportes públicos e de criar políticas sociais para
que as populações originais permaneçam nos bairros históricos, de forma digna e
com custos comportáveis”. Mas rejeita que o crescente número de turistas em
Lisboa seja “visto como um fenómeno negativo” que deva ser travado. “Quanto aos
transportes públicos, não é limitando a procura turística que se consegue a sua
melhoria, antes pelo contrário. Sendo essa melhoria boa para os visitantes, que
passam alguns dias em Lisboa, ela é sobretudo boa para os residentes que
utilizam transportes públicos diariamente ao longo do ano”.
“Não concordo com
a afirmação de que Portugal tem turistas a mais”
Questionadas
sobre estes números, Secretaria de Estado do Turismo, Associação da Hotelaria
de Portugal (AHP) e Associação Turismo de Lisboa assumem uma posição
semelhante: os benefícios do turismo ultrapassam os constrangimentos que o
mesmo traz, não há turismo a mais em Lisboa e há espaço para crescer.
“Não concordo com
a afirmação de que Portugal tem turistas a mais. Muito pelo contrário, temos
ainda um imenso potencial de crescimento. Um crescimento sustentável nas suas
várias dimensões e, por isso, assumimos uma estratégia para o turismo a 10
anos”, responde ao ECO a secretária de Estado do Turismo. Para Ana Mendes
Godinho, depois de dois anos em que o Governo desenvolveu “trabalho no sentido
de promover um maior crescimento em valor deixado no território, aumento do
emprego e alargamento da atividade turística ao longo de todo o ano e de todo o
território”, o que “é necessário é continuar este trabalho de planeamento e
monitorização”.
Não concordo com
a afirmação de que Portugal tem turistas a mais. Muito pelo contrário, temos
ainda um imenso potencial de crescimento.
Ana Mendes
Godinho
Secretária de
Estado do Turismo
O mesmo diz Vítor
Costa. “Os benefícios do turismo para Lisboa são amplamente conhecidos. Gera
riqueza, impulsiona a criação de emprego, a reabilitação urbana e melhora a
oferta cultural e a autoestima dos residentes. Mais de 90% dos lisboetas apoia
e tem uma opinião positiva ou muito positiva sobre o turismo, um setor que
gerou 8,4 mil milhões na Região de Lisboa em 2015 e que tem crescido a dois
dígitos por ano“, diz, referindo-se a um estudo encomendado pela ATL à
Intercampus que conclui que 91% dos residentes na capital e 80% dos que ali
trabalham acreditam que a cidade ganhou mais vida com o turismo.
Mais: “as
atividades do setor contribuíram com 150 mil postos de trabalho [em 2015] e
hoje, seguramente, são muitos mais”, acrescenta. O diretor-geral da ATL
sublinha, assim, “o papel de Lisboa enquanto motor do crescimento do turismo em
Portugal e da economia a nível nacional, permitindo a recuperação das finanças
públicas, de forma muito expressiva, mas também a atração de investimentos
estrangeiros a nível da tecnologia, inovação e imobiliário e, até, de
estudantes”.
Já Raul Martins,
presidente da AHP, justifica que “o turismo na cidade de Lisboa está a crescer
a um ritmo mais acelerado comparativamente com outras cidades pois estas
tiveram o seu boom turístico mais cedo, o que faz com que, agora, tenham
abrandado o seu ritmo de crescimento”. O responsável defende até que “há ainda
espaço para crescer”, ainda que reconheça que “para que o turismo cresça de
forma sustentada, tem de haver limites nas zonas que sofrem maior pressão
turística“, além de ser necessário “controlar o volume de oferta de alojamento,
para que não percamos a identidade”.
A imposição de
limites deve ser realizada mediante o estabelecimento de quotas, por zona, para
o número de unidades hoteleiras e/ou de alojamento local em funcionamento.
Miguel Coelho
Presidente da
Junta de Freguesia de Santa Maria Maior
As respostas divergentes
vêm de uma das zonas da cidade onde o turismo exerce maior pressão. Miguel
Coelho, presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, não tem dúvidas
de que “é preciso promover alterações legislativas”, a começar pela
clarificação do conceito de alojamento local, para que se adeque “às diferentes
realidades. Para além disso, “deve inserir-se no quadro legal o conceito de
carga turística, referente à capacidade de os serviços e infraestruturas
manterem padrões de qualidade; ao ponto de saturação a partir do qual os
turistas procuram destinos alternativos; à tolerância da população local ao
turismo sem gerar tensões relevantes”, explica o autarca socialista.
Miguel Coelho
também defende limites ao turismo através da imposição de quotas, que devem ser
estabelecidas “por zona” e “para o número de unidades hoteleiras e/ou de
alojamento local em funcionamento”. Atingida a quota máxima definida em cada
zona, caberá à câmara não emitir novos licenciamentos, advoga. “Esta gestão
deve passar para as autarquias porque é o poder local que tem esta
sensibilidade para perceber os problemas que afetam cada território, as
necessidades das populações que o habitam e a capacidade que esse território
tem para lidar com estes problemas e necessidades”, afirma.
Como se consomem
os “ovos de ouro” sem matar a galinha?
Para todos, a
palavra comum é “sustentabilidade”. Do lado do Governo, o objetivo é “valorizar
o território, a autenticidade, o património, assumindo que o turismo deve
acrescentar cada vez mais valor para as populações locais” e reconhecendo que é
preciso garantir que “as infraestruturas e os transportes respondem às
necessidades e à coexistência de diferentes usos”. Para isso, foi lançada, no
final de 2017, a Linha de Apoio à Sustentabilidade no Turismo, destinada a
financiar projetos que “promovam uma sã coexistência entre turistas e
residentes”.
Os operadores do
setor propõem medidas mais práticas. “Se o transporte fluvial tiver a melhoria
drástica que deve ter, isso evita que haja carros a circular e Lisboa será,
finalmente, a cidade das duas margens”, exemplifica Vítor Costa. A utilização
de instrumentos ao dispor das entidades públicas é outra das soluções: “por
exemplo, direitos de preferência que podem garantir a alocação da habitação
necessária à permanência dessas populações, em condições dignas e comportáveis,
assegurando que se mantém a sua identidade”.
Para já, a
Assembleia da República discute várias propostas para alterar a lei que regula
o alojamento local. Em cima da mesa estão alterações que vão desde a introdução
de quotas para limitar o número de alojamentos locais nas zonas mais
pressionadas pelo turismo, a serem definidas pelas respetivas câmaras
municipais, até à distinção entre o alojamento local “profissional” e “não
profissional”, passando ainda pela obrigatoriedade da autorização do condomínio
para que um alojamento local possa ser explorado. Contudo, o grupo de trabalho
do Parlamento que está a discutir estas propostas pretende ouvir cinco dezenas
de especialistas sobre o assunto. As audições começaram no mês passado e
prevê-se que se prolonguem por este ano.
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