segunda-feira, 12 de março de 2018

Moradores e comerciantes ainda gostam da “cidade do futuro”, apesar do boom imobiliário



Moradores e comerciantes ainda gostam da “cidade do futuro”, apesar do boom imobiliário
REPORTAGEM
Sofia Cristino
Texto
12 Março, 2018

20 anos da Expo 98
Há vinte anos, numa zona industrial abandonada, acontecia a Expo 98. A exposição mundial foi um sucesso e, a partir daqueles terrenos, nasceu uma zona nova de Lisboa. Quinze anos depois do evento, criou-se a freguesia do Parque das Nações, muito pela insistência de um grupo de residentes da área. O Corvo falou com os primeiros moradores e comerciantes que ali se instalaram, recordando como era e no que se tornou aquela parte da cidade. “No início, conseguíamos contar as pessoas que moravam cá pelas luzes das casas”, diz a proprietária da primeira mercearia. Um dos primeiros moradores lembra que havia limpeza 365 dias por ano e um sistema de recolha de lixo inovador. “Era a primeira grande cidade nova”, afirma. Outra residente, que constituiu ali família, conta que os filhos não gostavam de sair dali. “Diziam que Lisboa era suja e velha. Sentia-se uma diferença enorme relativamente ao resto da cidade”, frisa. Mas os problemas não tardaram em aparecer. “Antes viam-se crianças a fazerem piqueniques e agora não. Os bebedouros estão verdes, uma fonte de micróbios. Há ruas que cheiram a urina”, queixam-se. Há também quem considere que a zona cresceu muito rápido. “Não era suposto existir este boom imobiliário. Estamos no limite”, alerta outro residente. Segundo o ex-presidente da Junta de Freguesia perdeu-se muito com a extinção da Parque Expo, empresa que geriu o Parque das Nações. “Foi feita uma passagem de competências atabalhoada”, acusa. Ainda assim, muitos dos moradores não trocariam “a Expo” por nenhuma outra zona.

 “À noite, este piso em frente era terra e, de manhã, estava todo calcetado. Na Expo 98, trabalhavam dia e noite, era impressionante”, conta Teresa Reis, 60 anos, enquanto aponta para a entrada da Farmácia Parque das Nações, um dos primeiros estabelecimentos comerciais a surgir ali. De passada firme, a proprietária da farmácia vai explicando quando surgiram os edifícios circundantes, quais foram os primeiros e os mais recentes e, até, quem foram os primeiros moradores. “Não havia nada do que vemos agora, o que aconteceu aqui foi surpreendente. Quando o português é posto à prova consegue fazer coisas extraordinárias e a Expo foi do melhor que já se fez no nosso país”, diz.

Abriu em plena exposição mundial, em junho de 1998, quando não havia praticamente habitantes. “Por cima da minha farmácia estavam a funcionar algumas delegações da exposição. Lembro-me das primeiras compras dos moradores e de histórias caricatas de paquistaneses e de pessoas de outras culturas muito diferentes da nossa. Tínhamos de falar por gestos para nos entendermos. Foi tudo tão rápido”, recorda Teresa Reis, que também mora ali perto, no quinto andar de um prédio na Alameda dos Oceanos.

Nos meses que antecederam um dos maiores eventos mundiais que Lisboa recebeu, a Expo 98, vivia-se em contrarrelógio. O tempo parecia sempre insuficiente para terminar um projecto sem paralelo na capital portuguesa. E, num ápice, os pavilhões temáticos estavam concluídos, saltando à vista numa frente ribeirinha praticamente deserta. As cabines do teleférico começavam a fazer os primeiros percursos, os vulcões jorravam água e as portas do recinto abriam-se, para receberem milhões de visitantes dos cinco continentes.

Aquela parte da cidade foi, durante muitos anos, uma zona industrial, onde se localizavam fábricas e armazéns abandonados, a antiga refinaria da Sacor, um matadouro e uma lixeira a céu aberto. Estes terrenos e a zona ribeirinha foram totalmente requalificados para acolher a Expo 98 e, assim que o evento terminou, transformaram-se numa zona privilegiada de residência. A 30 de Setembro de 1998, a Exposição Mundial de Lisboa dedicada ao tema “Os Oceanos, um Património para o Futuro” fechava portas e começava a desenhar-se uma “cidade nova”. Durante muitos anos e, ainda hoje, são muitos os que se referem a esta zona oriental de Lisboa como “Expo”, embora já tenha sido baptizada de Parque das Nações.

Hoje, vivem lá mais de 20 mil habitantes e já não há espaço para mais construção. O novo território do Parque das Nações cresceu a um ritmo inesperado, surpreendendo quem não acreditava na revitalização de uma zona industrial deixada ao esquecimento. A oferta comercial é igualmente vasta, respondendo às necessidades de uma população que cresceu muito para além da área do recinto da exposição. Mas nem sempre foi assim.

O Pomar da Rosa foi a primeira mercearia do Parque das Nações. Abriu dois anos depois de terminar a exposição, no Terreiro dos Corvos, na Zona Norte. Pedro Barradas, morador desde 1998, é um cliente habitual da mercearia. “Quando vim para cá morar, para comprar pão quase que se tinha de ir de carro, porque a rede de transportes ainda não estava muito desenvolvida e só tínhamos a Dona Rosa”. Hoje, é preciso pensar antes de sair de casa, tal é a variedade de opções. “Há muito comércio e uma densidade populacional muito maior. A Zona Sul consolidou mais depressa, principalmente com o metro. O que tenho mais saudades é da vista, era melhor em 1998, havia menos prédios e via-se poucos turistas”, explica.

Rosa Coelho ou “Dona Rosa”, como é tratada pelos moradores, veio das ex-colónias portuguesas em África para Portugal depois do 25 de Abril, conta, “apenas com a roupa do corpo”. “Não foi nada fácil, mas conheci pessoas que me ajudaram muito a construir a minha vida aqui. Éramos poucos, uma família. No início, conseguíamos contar as pessoas que moravam cá pelas luzes das casas. Vivia meia dúzia de gente”, lembra. Depois de 27 anos a trabalhar no Centro Comercial da Portela, foi para aquela parte da cidade a pedido das próprias clientes. Passados estes anos, é uma das grandes responsáveis, diz quem lá vai diariamente, por ainda existir ali “um espírito de bairro”, que se poderia ter perdido com a instalação das grandes superfícies comerciais.

“As minhas clientes, que viviam na Portela, vieram morar para aqui e pediram-me para vir. Não me arrependi, são as mesmas de há 40 anos. Só não vi os partos, conheço-as desde crianças. Umas já são mães e avós. Isto é uma espécie de aldeiazinha bairrista”, explica Rosa, 67 anos, de sorriso nos lábios. Mas “não podemos esquecer o que era a zona oriental”, nota. “Isto era só lixo, havia muitas ratazanas. A construção do Parque das Nações foi muito importante para a cidade. As pessoas que moram aqui não dão valor ao potencial que temos”, considera.

Natércia Pinheiro, nora de Rosa, também trabalha na mercearia e partilha a mesma opinião. “Supostamente, isto ia ser uma zona de dormitório, mas deu-se um desenvolvimento flash. Havia prédios com três famílias apenas. Hoje, já não há espaço para mais pessoas. Acho que o Parque das Nações não perdeu nada e ainda tem muito a ganhar”, prognostica.

Ao lado da mercearia, Lucília Santos, 53 anos, vende flores e plantas desde o fim da exposição. Deixou Toronto, no Canadá, para abrir a loja e, admite, não acreditava que o Parque das Nações crescesse tanto. “Não esperava o que aconteceu aqui, foi uma surpresa total no que isto se transformou”, diz. Chegou mais cedo que Rosa, em setembro de 1998. Aproveitou, tal como outros comerciantes, a oportunidade para comprar um espaço a um preço mais acessível. Do que sente mais falta, explica, é do sossego que caracterizava aquela zona. “Não acontecia nada, era muito pacífico. Lembro-me de vir para aqui namorar, não havia ninguém. Foi uma aventura, não sabíamos se ia dar certo, mas correu muito bem”, conta.



Leonor Cunha, 73 anos, é cliente da florista há 16 anos, ou seja, desde que se mudou para ali. “Ver nascer uma cidade de uma lixeira foi um prazer muito grande”, vai falando, enquanto procura uma flor para colocar numa campa, no cemitério. Salienta, no entanto, “perdeu-se paz de espírito”. “O desenvolvimento foi surpreendente, mas perdeu-se pacatez. O Campus de Justiça trouxe uma nova vida, mas também mais trânsito e problemas”, diz, depois de contar as últimas novidades à florista.

Caminhando em direcção à Zona Sul encontramos a papelaria Espelho do Tejo que, juntamente com a farmácia de Teresa Reis, foi a primeira a instalar-se no bairro. “Era um bairro pequenino, todos nos conhecíamos, eram meia dúzia de pessoas. Gosto de viver aqui, porque ainda conheço muita gente”, explica a proprietária da loja e moradora Margarida Barros, 59 anos, que antes morava no Prior Velho. Margarida diz, porém, sentir saudades de algumas características que se foram perdendo.

“Era tudo mais verde e mais cuidado. As minhas filhas saíam à noite e lembro-me de o carro da polícia acompanhá-las até casa no regresso, em 2000. Agora, já não se vê isso”, explica. Quando as filhas foram para a universidade, Margarida conta que os amigos e colegas de faculdade pediam para vir estudar para sua casa. “Adoravam a Expo e pediam para virem para aqui, porque era mais sossegado e, depois, passeavam à beira-rio. Sentia-me feliz, porque vim para aqui mais por elas até”, admite.

“O que se fez aqui foi óptimo, uma cidade completamente nova…”, diz um cliente, que acaba de entrar na papelaria. É dia de Euromilhões e o quiosque está cheio. José Jacinto é um dos clientes mais antigos, foi dos primeiros a morar ali. “Tinha algum receio, quando vim, porque isto era um monte de lixo, mas valeu muito a pena. Esperava que fosse mais um dormitório, não esperava que tivesse este desenvolvimento económico. Superou muito as minhas expectativas iniciais”, diz José Jacinto, que também abriu ali uma clínica dentária.

Nos dias que correm, adquirir produtos alimentares, flores, jornais, ou qualquer outro artigo, não é um problema para quem ali vive. O Parque das Nações desenvolveu-se a um ritmo alucinante e há muitos estabelecimentos comerciais. Durante 23 anos sob a alçada da Parque Expo, entidade responsável pela construção da Expo 98, revitalização urbana e gestão do espaço público desta parte da zona oriental de Lisboa, o Parque das Nações conhecia finalmente o estatuto de freguesia em 2012, no âmbito de uma reorganização administrativa que só entrou em vigor depois das eleições autárquicas de 2013. Nesse ano, foi, também, anunciada a decisão do Governo de extinguir a empresa e, em dezembro de 2016, a Parque Expo cessava oficialmente funções.

Os moradores e os comerciantes já ambicionavam criar uma freguesia autónoma desde o final da exposição, conta a dona da farmácia Parque das Nações. Teresa Reis foi sócia-fundadora da Associação de Moradores e Comerciantes do Parque das Nações (AMCPN), a primeira colectividade de residentes a pensar na criação de uma freguesia. No seu estabelecimento comercial, que começou por chamar-se Farmácia Elma, muitos dos primeiros habitantes reuniram-se para falarem sobre o futuro da “Expo”, como muitos ainda se referem àquela parte da cidade.

“Não havia nada aqui depois da Expo terminar. Para tomar café, tinha de ir à bomba de gasolina. Onde é que as pessoas se encontravam? Na farmácia. Foi aqui que, eu e outros habitantes, começámos a pensar na criação de uma freguesia. Nas primeiras eleições da associação de moradores, vieram cá votar”, conta. A colectividade viria a ser constituída a 10 de agosto de 1999, no cartório de Moscavide. O candidato a presidente da Junta de Freguesia foi José Moreno, pelo PNPN. Também ele chegou a encontrar-se ali com alguns moradores, mais tarde.

Frederico Valente, 67 anos, morador há doze anos, lembra-se bem desses tempos. “As pessoas juntavam-se na farmácia para falarem sobre o Parque das Nações. Foi ali que tudo começou, só sabe quem lá esteve. Foram feitos abaixo-assinados e petições na farmácia. Fazia todo o sentido que se criasse uma freguesia autónoma, numa zona com características muito próprias”, conta.

Em 2013, depois de anos de luta dos comerciantes e moradores da AMCPN e da implementação do modelo da reforma administrativa da cidade, nascia a freguesia do Parque das Nações, que integraria parte da freguesia dos Olivais, no concelho de Lisboa, e parte das freguesias de Moscavide e Sacavém, ambas do concelho de Loures. José Moreno foi, durante mais de dez anos, quem deu a cara pela criação da freguesia, à qual presidiu até ao ano passado. Conhecedor da zona onde vive desde 1998, é de brilho no olhar que vai relatando uma história com “bem mais de vinte anos”.

O Parque das Nações, diz, era “uma autêntica zona industrial”, que começou a desenvolver-se depois dos anos 40. “O aeroporto marítimo de Cabo Ruivo teve um papel importantíssimo durante o período da II Guerra Mundial e ficou ali abandonado, como um tanque de lama. A Doca dos Olivais, onde está o Oceanário, era uma doca de atracagem de hidroaviões e havia lá barcos encalhados, que apodreciam ali. As petrolíferas também já tinham conhecido dias melhores”, descreve José Moreno. “Era uma zona que estava, de facto, altamente decadente. Era preciso acudir-lhe e esta oportunidade da exposição foi excelente”, frisa, ainda.

Moreno vivia na Portela e foi dos primeiros a adquirir os apartamentos, quando estes começaram a ser comercializados ainda em maquetes, em 1994. Na altura, reconhece, a decisão de morar num sítio deixado ao abandonado comportava “algum risco”. “Não havia nada, mas, como gosto de um pouco de aventura, apostei. Tinha familiares reticentes, aconselharam-me a ser prudente e acabaram por comprar mais tarde em condições já menos favoráveis que as minhas”, diz.

Quando o sol espreita, são muitos os que elegem o Parque das Nações para passear, andar de bicicleta ou praticar exercício físico à beira-rio. Alguns sentam-se nos bancos às riscas construídos para a Expo e ficam ali, a observar o Tejo. António Pina, 53 anos, é um deles. Agora está desempregado, mas chegou a trabalhar como pintor da construção civil na edificação da exposição mundial. Diz que precisa de ouvir o rio, longe da confusão do centro de Lisboa. “O Parque das Nações foi das melhores coisas que se fez em Portugal, deu trabalho a muita gente. Vou até Sacavém a pé, faz-se bem”, diz, nostálgico. António salienta, no entanto, que poderia haver mais manutenção do passeio ribeirinho. “A água do rio estraga os passadiços e alguém tem de tratar disto”, alerta.

Paulo Folgado, 49 anos, está a meio de uma corrida. “Corro aqui sempre que posso, é a melhor zona da cidade para o fazer”, diz, enquanto olha para o cronómetro. Trabalhou na Expo 98, na área da fiscalização, mas prefere não se alongar em muitos detalhes. “Posso dizer que esta parte oriental da cidade estava caótica e, agora, está bem melhor”, destaca. Não deixa, porém, de fazer alguns reparos. “Quem cá vive tem uma qualidade de vida inegável, mas a pressão urbanística que se sente agora também é de mais. É um exagero. A restauração é feita para uma classe etária muito específica”, concluí, enquanto faz o último exercício de aquecimento para finalizar o percurso.

A população do Parque das Nações, uma zona que continua a ser muito cobiçada para viver, é, maioritariamente, da classe média-alta. Segundo o único diagnóstico social realizado sobre a freguesia é, também, das freguesias mais jovens e das que tem mais estudos em toda a cidade.

Francisco Martinho, 26 anos, está a passear com uma amiga e confessa que gostava de morar ali. “O único problema é que isto ficou feito para uma elite. Há pouco tempo, andei a ver a possibilidade de morar cá e é impossível. Até os restaurantes não são acessíveis a todos, são caros. Ficamo-nos pelo passeio”, diz, entre risos.  Ana Gouveia, 25 anos, diz que “o melhor do Parque das Nações” é mesmo a zona ribeirinha. “Gosto muito desta zona, essencialmente pelo sossego, sinto que estamos em Lisboa, mas, ao mesmo tempo, não estamos”, diz a habitante de Vila Franca de Xira. Guilherme Alves e Catarina Ornelas acabaram de chegar a Lisboa para estudarem Medicina e, ao contrário de Francisco, escolheram o Parque das Nações para viver. “Agradou-nos muito a calma e sentimos que era uma zona segura. É um espaço muito acolhedor e familiar”, explica Catarina Ornelas.

Filipe Rodrigues, 20 anos, não mora ali, mas frequenta a zona com amigos. Queixa-se da falta de iluminação. “Acho que, à noite, há pouca luz. Venho tomar café com amigos e sentimo-nos inseguros”. Verónica Sousa, 21 anos, vive no Parque das Nações há quatro anos e concorda com Filipe. “Gosto de passear à noite e, se houvesse mais iluminação, se calhar, ia passear mais”, confessa. “Por mim, podiam voltar a abrir alguns espaços nocturnos que fecharam, ficaram completamente abandonados”, acrescenta um amigo, Bruno Almeida, morador desde 2009. Os três estudantes universitários salientam, ainda, que os espaços verdes estão “muito degradados”.

O aumento de visitantes poderá, juntamente com um menor investimento na manutenção dos jardins, ter contribuído para a descaracterização do espaço público, dizem alguns moradores. Sentem que a freguesia está a tomar um rumo diferente do inicial e que, se não se agir rapidamente, o Parque das Nações como o conheceram há vinte anos poderá deixar de existir. Há canteiros sem plantas, espaços com relva seca e ervas daninhas que saltam à vista, até de um olhar mais desatento. O piso é irregular, anda-se aos solavancos, porque as raízes das árvores não páram de crescer. Na Alameda dos Oceanos, as tábuas que compõe o pavimento da artéria central estão partidas, o que põe em risco a segurança de quem por lá passeia ou anda de bicicleta. Nos jardins desenhados para a exposição mundial há árvores a pedirem uma intervenção urgente.

“A Junta não geriu bem o dinheiro público. Os espaços verdes estão abandonados e há muitos pontos de rega desligados. Nunca podaram as árvores, que constituíam uma zona verde identificativa da Expo. Identificava-se logo o Parque das Nações através dessa faixa de árvores, quando se chegava a Lisboa de avião. As árvores são esqueletos no inverno e, no verão, um excesso de folhagem. Não podemos deixar crescer tudo desmesuradamente. Esta é uma Expo muito diferente da que eu conheci e, se esta junta não se mexer, isto perde-se”, repara Emília Morgado. A residir no Parque das Nações desde 2003, diz que ir viver para ali foi “uma decisão ponderada”. “Morar no Parque das Nações foi, no fundo, a procura de um espaço com outro tipo de qualidade de vida. Vim pelos espaços verdes, por ser mais fora do centro da cidade e, aparentemente, mais segura. Era uma promessa de uma qualidade de vida melhor, na qual acreditei”, diz.

Gisela Sá Frias tinha a mesma visão, em 2000. “Vim porque ia ser uma zona feita de raiz, com uma localização excepcional, com uma grande área verde”, explica. “Agradou-me, também, o sistema moderno de recolha do lixo. Os meus filhos nasceram aqui e detestavam sair porque diziam que Lisboa era suja e velha. Na altura, sentia-se uma diferença enorme relativamente ao resto da cidade. Gostava muito mais de quando vim para aqui morar”, confessa.

Florbela Morais mudou-se em 2004 e sente o mesmo. “A Expo tem uma identidade própria. Há uns anos, percebíamos que estávamos numa zona diferente. Mas perdeu muito dessa identidade, os relvados estão a morrer e há remendos em todo o lado. Pondero se ainda é uma opção viver aqui, perdi muita qualidade de vida. O Parque das Nações foi desenhado há muito pouco tempo para já estar assim”, queixa-se. E continua: “O Pavilhão de Portugal é um ícone da Expo e está abandonado. Não aproveitaram o que aqui foi feito e o que se faz de novo é tudo feito de uma forma muito atabalhoada. Está-se a estragar um património muito próprio”. A moradora diz ainda que sente “um grande desequilíbrio” entre a zona acima da linha de comboio, onde se situam os bairros do Casal dos Machados e a Quinta das Laranjeiras, e a zona ribeirinha do Parque das Nações. “Eles acham que nós somos privilegiados, mas eles é que têm piscina, biblioteca e um posto médico”, ressalva.

Gisela Sá Frias vai mais longe. “Antes viam-se crianças a fazerem piqueniques e agora não. Os bebedouros estão verdes, uma fonte de micróbios. Há ruas que cheiram a urina. Temos um grande problema de transportes, a Câmara de Lisboa privilegia passeios pedonais e ciclovias e não faz sentido haver tantas. Vivo na zona Norte e ainda tenho de caminhar muito para chegar ao metro”, queixa-se. A iluminação pública, diz ainda, parece “um catálogo de candeeiros” porque muitos dos antigos foram substituídos por novos, com um design mais moderno.

Emília Morgado concorda. “Os candeeiros velhos estão misturados com os novos, está tudo descaracterizado”, observa. A opção de utilizar lâmpadas LED, apesar de mais económica, também preocupa as moradoras. “Nunca tinha tido problemas em correr à noite e, há pouco tempo, ia sendo atropelada pela falta de iluminação. Estas luzes novas têm menos intensidade”, diz Florbela.

Como estas habitantes, que viviam em freguesias próximas, Pedro Graça foi viver para o Parque das Nações por acreditar que iria encontrar “uma qualidade de vida superior ao resto da cidade” e constituir família numa zona em crescimento. “Mudei-me porque precisava de uma casa maior, já tinha um filho e ia ter outro. As nossas expectativas eram boas, imaginávamos que seria uma zona boa para as crianças crescerem”, diz o morador, a viver na Alameda dos Oceanos.

“Vivi intensamente toda a criação do Parque das Nações. Fomos bombardeados com o pó e os camiões das obras. A Expo, como ainda lhe chamo, era a terra de ninguém. Cheguei a ver cinema ao ar livre”, recorda o ex-morador de Santa Maria dos Olivais. Viveu, também, em Moscavide, quando parte desta freguesia ainda pertencia ao concelho de Loures. “Os limites do concelho de Lisboa não eram mudados desde o século XIX e colocaram-nos dentro do mapa, foi surpreendente”, diz.

Luís Cardoso, 34 anos, vive na Expo desde 2000 e também se lembra de quando visitava o terreno com os pais, que compraram a casa ainda em projecto. “Íamos ver as obras de jipe, aquilo era uma lixeira. Quando os meus pais viram o terreno, até puseram as mãos à cabeça, mas arriscaram. Pensaram que, se se ia fazer ali a Expo, não poderia correr muito mal”, diz, entre risos. Na altura da exposição, entrava no recinto para chegar a casa, tinha uma credencial por ser morador. Hoje, já vive na sua própria casa e também trabalha ali, numa empresa de tecnologia.

 “Senão fosse a Expo, isto continuava a ser um aterro. Houve uma gestão brutal e aproveitou-se bem uma oportunidade única. A vinda de algumas das principais empresas tecnológicas para aqui também trouxe uma grande dinâmica sem se perder a vida de bairro. Hoje, a Expo já é uma parte de Lisboa, já tem características de Lisboa”, explica, sem deixar de fazer reparos. “Não era suposto existir este boom imobiliário. Iam fazer um prédio em cima do rio, mas já está embargado. Estamos no limite, não há espaço para alargar. Acho que se poderão integrar partes mais antigas e reabilitá-las. A ligação da zona sul ao Terreiro do Paço poderá ser a expansão natural”, diz.

Ivo Pereira, 34 anos, morava em São João da Talha antes de se mudar para o Parque das Nações e também acredita que o que se fez naquela frente ribeirinha tem de servir de exemplo para o resto da cidade. “A Expo deu uma nova alma ao Parque das Nações, mas ficou muita coisa por fazer. A frente de Marvila podia ser melhor aproveitada, há quilómetros de rio que se estão a começar a aproveitar agora, mas devia-se ter começado mais cedo. Há aqui muito potencial desaproveitado”, lamenta.

Apesar de ainda ser considerada uma zona nobre da cidade, a freguesia continua a carecer de serviços públicos fundamentais, nomeadamente um centro de saúde, escolas e uma rede de transportes públicos que ligue a zona oriental a outros pontos centrais da cidade de Lisboa. A falta de equipamentos escolares públicos é uma das eternas promessas adiadas. Os filhos de Pedro Graça não conseguiram entrar na Escola Vasco da Gama. “Moramos pertíssimo da escola e o meu filho está na escola em Moscavide, tenho de o levar de carro. Não há oferta escolar pública. Começou por ser uma escola de elite e, agora, está sobrelotada”, explica.

Pedro Graça alerta, ainda, para a falta de um espaço que conte a história da exposição mundial. “Devíamos ter, também, um sítio que mostrasse aos nossos filhos o que foi a Expo e, neste momento, não temos. Acho importante não nos esquecermos do que foi”, queixa-se, referindo-se à exposição “A Cidade Imaginada”, que contava a história da exposição, patente no Pavilhão de Portugal até o ano passado.

Há moradores que vêem na extinção da Parque Expo o motivo da degradação da freguesia. “Antes, lavavam as ruas, agora é a chuva que as lava. A Câmara devia ser trocada pela Parque Expo, fez um excelente trabalho. Não ficou nada por fazer, ficou por manter”, diz Gisela Sá Frias. A maioria dos residentes, contudo, tem uma opinião bem diferente. “A Parque Expo não tinha limite de orçamento para gastar e houve um conjunto de mordomias que não eram necessárias. Há obras embargadas e outras que entraram em falência, porque o dinheiro acabou”, diz Frederico Valente.

Luís Pastor, 62 anos, um dos primeiros moradores, acredita que era “impossível” manter-se a qualidade de manutenção e limpeza que existia no início. “Tínhamos limpeza 365 dias por ano e um sistema de recolha do lixo inovador. Era a primeira grande cidade nova. Era impossível manter essa qualidade, porque os paradigmas da gestão urbana mudaram. O relvado à inglesa tem uma manutenção caríssima e a transição das competências da Parque Expo para a Junta não foi natural. Era previsível o que ia acontecer”, considera o arquitecto.

Segundo o ex-presidente da Junta de Freguesia, José Moreno, a dissolução da Parque Expo tem sido “um processo moroso e extremamente penoso”, o que tem tido reflexos na transferência das competências da empresa para os órgãos de poder local. “Perdeu-se muito com a extinção da Parque Expo, por ter sido tardia e ter sido decidido da forma apressada que foi. Já se sabia que se ia fazer uma reforma administrativa e tê-lo feito dessa forma foi muito mau. Foi feita uma passagem de competências atabalhoada, que ainda hoje não está totalmente concretizada”, indica.

Apesar de tecer várias críticas ao estado actual do Parque das Nações, José Moreno diz que o que se fez ali foi “uma oportunidade única de se recuperar e entregar à cidade uma parte que lhe pertence, com a qualidade que hoje reconhecemos”. “A prova do sucesso que foi a Expo é que, passados vinte anos, continua a suscitar interesse por parte dos estudiosos de vários campos do conhecimento. Nós somos bons e temos de acreditar na capacidade do português em construir, não temos de ter complexos de inferioridade. Temos de acreditar nas pessoas, porque sem pessoas não há nada”, conclui.

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