Soluções
naturais, espaço livre e segurança são marcas do novo Jardim do Campo Grande
Samuel Alemão
Texto
23 Março, 2018
A inauguração da
reabilitação da zona Sul do Jardim do Campo Grande, inicialmente prometida para
o final de 2016, está agora marcada para o próximo dia 25 de Abril. Depois das
complicações com cablagens eléctricas, os trabalhos correm a bom ritmo. Quando
terminarem, revelarão um parque urbano “mais transparente, cómodo e seguro”,
conforme os princípios definidos pelos estrategas da Estrutura Verde da Câmara
Municipal de Lisboa. Guiando O Corvo numa visita pelo jardim, chamam a atenção
para a adopção de medidas respeitadoras do ambiente – as Nature Based Solutions
-, com especial ênfase no sistema de retenção e aproveitamento de água. Mas
também para a plantação de árvores, grandes relvados e a criação de caminhos
pedonais lineares. Tudo isto resguardado por uma barreira de montículos de
terra. O objectivo é eliminar o ruído automóvel e aumentar a área verde.
As sementes foram
lançadas e, neste dias de transição, entre um inverno de rigor tardio e uma
primavera pela qual todos anseiam, há quem confesse o desejo por um singrar
mais acelerado das espécies plantadas. “Um engenheiro da empresa que nos está a
tratar do espaços verdes disse-me que, com esta chuva que tem caído, se fosse
lá em cima no Norte, de onde eles são, isto já estava verde. Mas temos de ter
paciência, a variedades escolhidas para aqui são diferentes, porque o clima cá
é diferente do de lá de cima”, confidencia Ângelo Mesquita, director municipal de Estrutura Verde Ambiente e
Energia da Câmara Municipal de Lisboa (CML), enquanto guia O Corvo numa visita
às obras de reabilitação da zona Sul do Jardim do Campo Grande. A inauguração
dos trabalhos, há muito aguardada, está prevista para 25 de Abril. E ali
trabalha-se a todo o ritmo para cumprir o prazo.
Os atrasos numa
intervenção cuja finalização chegou a ser anunciada para o final de 2016, pelo
vereador José Sá Fernandes, quase obscurecem os méritos da mesma. Mas o seu
director municipal trata de pôr as coisas em contexto. “Quando começamos a
mexer em coisas antigas, temos sempre surpresas. E aqui tivemo-las ao nível das
infra-estruturas eléctricas, pois tivemos que realizar uma reinstalação
integral das cablagens que asseguram a iluminação pública desta zona. Não faria
sentido estarmos a realizar esta obra e, depois, voltar a abrir buracos. Por
isso, aproveitou-se o momento. Mas estas coisas demoram sempre mais tempo do
que desejamos”, justifica Ângelo Mesquita, pouco antes de pedir a atenção do
jornalista para as caixas de metal enterradas no pavimento betuminoso, numa das
laterais, junto ao passeio e à ciclovia virados para a Biblioteca Nacional. Ao
lado, o trânsito passa incessante, produzindo um contínuo ruidoso.
Algo que,
assegura o responsável em funções há mais de quatro décadas na autarquia da
capital, deixará de ser uma marca constante de um dos mais emblemáticos parques
verdes da cidade. Essa será uma das grandes novidades, nota. Os montículos de
terra dispostos de forma intercalada entre si, ao longo de todo o perímetro do
jardim, servem de barreira acústica, reduzindo de forma significativa o barulho
dos carros. Característica importante, num espaço rodeado por vias rodoviárias
de grande tráfego. Consegue-se assim um efeito mitigador do ruído, sem recorrer
ao tão feios painéis acústicos. Mas, as barreiras de terra têm ainda outras
duas funções importantes. Por um lado, aumentam a sensação de resguardo face ao
exterior, e, por outro, garantem o crescimento da área arrelvada. “Permite
duplicá-la”, explica João Castro, arquitecto paisagista da CML.
O grande orgulho
deste técnico, responsável pelo desenhar de muitos dos espaços verdes públicos
de Lisboa, bem como de Ângelo Mesquita, está, contudo, na forma “inteligente”
como se passa a gerir o fluxo hídrico. As bacias de retenção das águas das
chuvas inseridas na topografia do jardim asseguram uma abordagem completamente
diferente à forma como é feita a drenagem das mesmas. Mas também um assinalável
ganho na paisagem. “Veja como é bonita esta charca! Uma maravilha”, diz,
entusiasmado, ao apontar para uma área alagada, junto a um conjunto de árvores
situado perto da extremidade meridional do jardim, já na zona de Entrecampos –
o resultado de uma bacia de retenção com capacidade para um milhar de metros
cúbicos. O efeito visual é, de facto, inesperado e aconchegante. Como que um
refúgio florestal, com efeitos balsâmicos, pelo forte contraste com a aspereza
da pulsão citadina contemporânea em redor. No fundo, o cumprir da sua missão.
Tendemos sempre a ver num jardim citadino de
grandes dimensões, como este, um elemento de apaziguamento, de conforto, em
relação à trepidante envolvente urbana. A intervenção agora em vias de ser
terminada na zona Sul do Campo Grande – e que complementa aquela já antes feita
na zona Norte, inaugurada em 2013 – mais não é, afinal, que o confirmar de tal
desígnio. Mas adaptando-o aos novos tempos e conceitos de paisagismo, além de
corrigir o que se revelava desadequado. “O jardim era um pouco fechado e
inseguro, com zonas em que as pessoas se sentiam pouco confortáveis, a partir
de certas horas. A nossa intervenção veio permitir uma maior transparência e
conferir maior segurança a quem circula, além de aumentar a comodidade do
espaço”, assegura Ângelo Mesquita, destacando o facto de agora apenas existir
um eixo pedonal “para que o verde seja o mais estruturante”.
Os responsáveis
camarários asseguram que a empreitada em curso nesta parte do Jardim do Campo
Grande resultará num aumento da superfície verde. Além da redução dos espaços
de circulação pedonal a apenas um único caminho, para isso também contribuem os
tais montes de terra – que, pela sua inclinação, permitem duplicar a área de
superfície vegetal por metro quadrado. Ao contrário do que acontecia antes,
será possível desfrutar de amplos relvados, ideais para todos os tipos de
actividades de lazer. A isso acresce, explicam, a preocupação com o aumento do
número de árvores. Foram plantadas 118 e cortadas “cerca de meia-centena”, por
necessidade imperiosa, devido ao seu mau estado. “Retiramos algumas espécies
infestante e, ao nível do arvoredo, as que estavam em fracas condições
fitosanitárias. Procurámos não abater árvores, sem que não houvesse
necessidade”, assegura o director municipal das Estruturas Verdes.
A primeira
impressão para quem circula agora no espaço ainda em obras é, porém, a de que
há mais espaço e nos encontramos mais expostos. Mesmo o recorte dos edifícios e
o fluxo rodoviário à volta do parque parecem evidenciar-se mais. Mesmo apesar
das tais barreiras de terra. A memória que muita gente terá deste espaço verde
– cuja tipologia que lhe conhecíamos fora definida na década de 1940 pelo
arquitecto Francisco Keil do Amaral e no total, juntando as zonas Sul e Norte,
tem quase 12 hectares – era de um lugar mais sombrio, por certo. Parece que
faltam árvores. Mas não faltam, garantem-nos. A sensação terá muito que ver com
o arranjo paisagístico, mais arrumado e privilegiando uma leitura mais ampla e
com a criação de caminhos mais lineares. As árvores que estão a ser plantadas,
quando crescerem, aliviarão essa sensação de nudez.
De resto, esta
zona Sul do parque continua a ser de uma “heterogeneidade brutal”, salienta
João Castro. Até porque aqui prevalece um conjunto arbóreo mais denso e com
“espécies mais exóticas”. “Na zona Norte do jardim, a espécie dominante é o
eucalipto, que tanta má fama tem, mas faz ali todo o sentido. Aqui, na Sul,
existe uma diversidade maior. E isso reflecte-se também na plantação agora
realizada, com eucaliptos, freixos, áceres, pinheiros mansos e tílias”, explica
o técnico municipal, salientando a importância de se terem ali adoptado medidas
o mais possível respeitadoras do ecossistema. O que vulgarmente se chama de
Nature Based Solutions (NBS). É dentro desta categoria que se inclui o já
mencionado sistema de bacias de retenção e charcas.
Associadas a uma
rede de sumidouros, permitirão que o jardim seja auto-suficiente a nível
hídrico – evitando o recurso ao abastecimento com água da rede -, além de
assegurarem o aliviar da carga na rede de drenagem a jusante. Quando chover torrencialmente,
a água ali acumulada deixará de confluir para as zonas baixas da cidade, pois
será retida pela mancha verde, evitando-se assim que verta para a rede pluvial
– uma solução que, aliás, está a ser adoptada em vários pontos críticos da
capital, como em Monsanto e na Ameixoeira. Estando preparada para esses
momentos de maior pressão ao nível da pluviosidade, a estrutura vegetal do
Jardim do Campo Grande não deixará, asseguram os responsáveis municipais, de
responder à altura em situações de stress hídrico – ou seja, de seca. Este
será, afinal, um jardim reabilitado a pensar nas inevitáveis alterações
climáticas.
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