As novas vidas da
centenária A Brasileira
Fechada desde
2013, a famosa cafetaria do Porto reabriu após uma profunda remodelação do
edifício. E para além do café, passa a contar com um restaurante de autor e um
hotel de cinco estrelas.
MIGUEL ÂNGELO
AFONSO 23 de Março de 2018, 21:24
São 8h. Há
precisamente 5994 semanas, o café A Brasileira?, no Porto, abriu pela primeira
vez ao público – a 4 de Maio de 1903. Nesta sexta-feira, 23 de Março de 2018,
as portas voltaram a abrir-se à cidade e ao mundo. Mas já não é apenas um café.
A centenária casa comercial na Rua de Sá da Bandeira tem um currículo renovado.
Nesta nova reincarnação, cinco anos após ter fechado, A Brasileira apresenta-se
como cafetaria, restaurante e hotel de cinco estrelas. Para a abertura, “houve
pessoas que vieram de Lisboa e de Guimarães de propósito”, conta a responsável
da zona Norte do Grupo Pestana, Mariana Lacerda.
São 8h02. As
visitas começam a entrar pela porta do n.º 71 daquela rua, que tem vizinhos bem
conhecidos, como os teatros Rivoli e Sá da Bandeira e também o Coliseu do
Porto. Paira no ar a curiosidade e a expectativa de quem vai reencontrar-se com
um velho conhecido. A casa estava fechada desde Fevereiro de 2013. Mas vamos
por partes.
A fachada
novecentista foi recuperada e o interior restaurado sem apagar marcas e
memórias do passado – graças a António Oliveira, o antigo seleccionador
nacional de futebol, agora na pele de empresário, que comprou "por
paixão" o edifício em 2013. “A paixão [do meu pai] começou nos tempos de
escola, quando vinha para aqui com um amigo, beber café e ver os passantes”,
conta o filho de Oliveira, Pedro.
À entrada do
café, há espelhos à direita, com o mesmo design dos de antigamente. No chão, um
mosaico de flores, mas é o verde água que se destaca nas paredes, com
apontamentos dourados sob um fundo branco. O tom geral é de uma certa
informalidade. Com o objectivo de ser um café para todos e de levar as pessoas
numa viagem ao passado, nem a origem dos grãos de café nem o famoso bolo 4 de
Maio foram descurados: o café que agora é servido vem de uma fazenda brasileira
próxima do local de onde, no século XX, o fundador da casa, Adriano Telles,
importava os grãos de café que vendia depois n'A Brazileira, com "z"
na grafia original.
E o café era bom?
Ao que tudo indica não. Nos primórdios, a bebida era oferecida a quem comprasse
um saco de café – e isto numa sociedade que não tinha o hábito de o consumir em
chávena. “Era tão azedo que as pessoas cuspiam [o café]”, conta Mariana
Lacerda. E o que se lê nas placas que ainda existem em duas colunas, existentes
na cafetaria, sugerem que era mesmo esse o caso: “Por favor: não cuspam no
chão”. Agora, os tempos são outros. Para além dos grãos importados do Brasil,
os proprietários querem apostar também no café de especialidade, torrado
artesanalmente na Maia. E nem o chá é ao acaso. Querendo remontar ao século
passado, os promotores escolheram a marca francesa Compagnie Coloniale, cujas
latas ainda ajudam à decoração.
“É um negócio de
café de excelência e é aí que nos queremos posicionar: no roteiro das
cafetarias mais emblemáticas de Portugal e, claro, do Porto”, explica a mesma
responsável, destacando como aspecto positivo a localização, onde há “uma
azáfama natural". Ali perto fica a estação de São Bento, "os comboios
deixam diariamente pessoas que trabalham no Porto", destaca Mariana
Lacerda. Ali na Baixa portuense, a cidade fervilha de movimento.
Porém, A
Brasileira, como já se disse, já não é só a cafetaria. A partir das 19h dá
lugar a um bar – que fecha às 24h (de segunda a quinta) e à 1h, de sexta a
sábado. “Se sentirmos que A Brasileira começa a ter uma centralidade nocturna
(...) vamos ter de ajustar o horário.”
Os planos não
ficam por aqui. Com o propósito de ser um ponto convergente de diferentes
culturas, o espaço quer reavivar as antigas tertúlias – embora num molde mais
moderno –, vai criar uma esplanada e, possivelmente, um Grab and Go, para quem
comprar um café e seguir marcha.
Na ponta oposta à
entrada da cafetaria, fica a entrada para o hotel de cinco estrelas. Tem 90
quartos (89, se excluirmos a suite privada do proprietário) e será gerido pelo
grupo Pestana, o maior grupo hoteleiro nacional, através de uma parceria de
apoio à gestão. Esta unidade passa a integrar a linha Pestana Collection, a
marca topo de gama deste grupo.
Os hóspedes podem
contar com ginásio, duas salas de reuniões e um pátio francês com um jardim
vertical (sim, há mesmo plantas naturais dispostas em três grandes tapetes que
vão desde o primeiro ao sexto andar).
O arquitecto
brasileiro Jaime Morais, responsável pela decoração do hotel, idealizou seis
pisos temáticos distintos. Cada andar representa uma especiaria introduzida em
Portugal na época dos Descobrimentos. Como? Sobretudo através do odor – cada
piso tem um perfume característico, desde o chá ao anis, passando pela canela,
cacau e a acabar na pimenta e... no café.
Mas há mais
elementos distintivos. À saída do elevador encontra-se uma estante com as
especiarias expostas em pequenos frascos. À direita, está um touch screen
explicativo da história, origem e uso das especiarias. E o tema prolonga-se,
quer nas diferentes imagens vísiveis nos corredores, quer dentro dos quartos,
nas cabeceiras.
Os
pequenos-almoços, almoços e jantares podem ser servidos na cafetaria. Isto
porque, diz Mariana Lacerda, a ideia é interligar as diferentes áreas do
edifício.
O restaurante
abre segunda-feira, 26 de Março e terá a assinatura de Rui Martins (chefe do
Rib Beef & Wine), apostando num "conceito de cozinha portuguesa".
O Grupo OPPA
(propriedade de António Oliveira) investiu 12 milhões de euros nesta
remodelação, cujo projecto é da autoria do gabinete de arquitectura APEL, do
portuense Ginestal Machado e Maria Ginestal.
Sem comentários:
Enviar um comentário