sábado, 10 de março de 2018

Portugal é um exemplo dos "abusos e corrupção" dos programas de vistos Gold



Esta notícia de 5 de Março merece ser revisitada e lida atentamente ...
OVOODOCORVO
Portugal é um exemplo dos "abusos e corrupção" dos programas de vistos Gold

Novo consórcio global anti-corrupção denuncia sistema de compra de passaportes europeus e apela à intervenção da Comissão Europeia. O programa de Autorização de Residência para Actividade de Investimento, lançado por Portugal em 2012, prova como o risco de corrupção pode chegar até ao aparelho de Estado.

 Rita Siza
RITA SIZA Bruxelas 5 de Março de 2018, 17:22 actualizado a 5 de Março de 2018, 21:05

A experiência portuguesa é um exemplo de como os programas de atribuição de residência e cidadania em troca de investimento que foram desenhados por vários países da União Europeia, e são genericamente conhecidos como Vistos Gold, estão a contribuir para o aumento da corrupção e da criminalidade, até dentro da própria máquina do Estado, denunciou o novo Consórcio Global Anti-Corrupção, esta segunda-feira em Bruxelas.

O programa português Autorização de Residência para Actividade de Investimento, em vigor desde 2012, foi apresentado pelos dirigentes das várias organizações que integram esta nova plataforma (caso da Transparência Internacional) como paradigmático das falhas em termos de escrutínio e transparência destes programas.

O facto de pelo menos onze dirigentes da Administração Pública, entre os quais o antigo ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, terem sido constituídos arguidos num processo de prevaricação, tráfico de influências e corrupção demonstra que “estes programas, que se tornaram um negócio de milhões de euros, estão abertos a abusos, incluindo dentro do aparelho do Estado”, conforme salientou Rachel Owens, directora da Global Witness.

Além do risco de corrupção, na avaliação ao funcionamento do programa português foram encontrados problemas de diligência prévia e supervisão — por exemplo, as instituições bancárias utilizam critérios mais apertados relativamente à proveniência do dinheiro para proceder à abertura de uma conta do que aqueles que o Estado pede para conceder um Visto Gold, comparou o consórcio — e de transparência.

“Os cidadãos têm direito a conhecer as receitas que o Estado está a obter e o valor dos respectivos investimentos, mas também quem são estes novos detentores de passaportes e de onde vem o seu dinheiro. Só assim podem fazer uma avaliação completa em termos de custos e benefícios destes programas”, afirmou Casey Kelso, director de advocacia da Transparency Internacional. “Infelizmente, até agora não foram prestadas quaisquer contas aos portugueses quanto aos benefícios sociais e económicos deste programa”, lamentou Rachel Owens.

Segundo Kelso, um dos efeitos nefastos do programa em Portugal manifesta-se na distorção do mercado imobiliário, que é para onde a esmagadora maioria dos candidatos a Vistos Gold estão a canalizar o seu investimento. De acordo com os números facultados pelas autoridades portuguesas, dos 5717 pedidos de Visto Gold deferidos entre Outubro de 2012 e Janeiro de 2018, 5397 foram atribuídos por investimentos imobiliários, ou seja, a aquisição de bens de valor igual ou superior a 500 mil euros. Os restantes foram concedidos pela transferência de capital no montante de um milhão de euros (311), e ainda pela criação de pelo menos dez postos de trabalho (9).

O Consórcio Global Anti-Corrupção não avançou nomes de investidores estrangeiros a quem Portugal concedeu um passaporte ao abrigo do programa, mas como notou Susana Coroado, da Transparency Internacional Portugal, estima-se que “vários membros da classe dirigente de Angola” terão obtido Vistos Gold com a compra de imóveis, num esquema que a organização reputa de duvidoso. “A lavagem de dinheiro pela via do imobiliário não é um fenómeno novo. Mas depois deste programa, esse risco cresceu exponencialmente”, disse.

Portugal só divulga a nacionalidade dos detentores de Vistos Gold (3645 chineses; 493 brasileiros; 228 sul-africanos; 200 russos e 131 turcos). Mas noutros países, foram publicadas listas com a identidade dos beneficiários: como revelou o Organised Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP), que esta segunda-feira começou a publicar uma série de reportagens a expôr os problemas e fragilidades dos programas de Vistos Gold em oito países da UE, foram atribuídos passaportes a indivíduos que estão a ser procurados pela justiça ou que são abrangidos por sanções internacionais.

“Estes programas, que se tornaram irresistíveis para vários países pequenos, com problemas financeiros e não muito bem governados, são um esquema que permite a uma plutocracia muito dúbia pagar pelo acesso às fronteiras e ao sistema bancário europeu”, notou Jody McPhilips, do OCCRP.

Para Rachel Owens, os Vistos Gold constituem um “risco sistémico” que Bruxelas precisa urgentemente de resolver. “É a segurança dos cidadãos europeus, e a integridade do espaço Schengen, que estão em causa quando indivíduos cujas fortunas assentam em actividades ilícitas podem pagar para ter um passaporte cipriota, húngaro ou português, que lhes permite movimentarem-se à vontade por todo o território da UE”.

Mas há também uma questão quase moral apontada por esta activista: “É chocante ver como estes esquemas agradam aos governos que estão dispostos a abrir as portas da UE a umas centenas de pessoas duvidosas, mas insistem em fechar as fronteiras às populações em situação desesperada que pedem asilo.”

Investimento captado com Vistos Gold cai 8% em Fevereiro
O investimento captado através dos vistos 'gold' caiu 8% em Fevereiro, face a igual período de 2017, para 91,4 milhões de euros, de acordo com os dados estatísticos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) hoje divulgados.

Em Fevereiro o investimento resultante da Autorização de Residência para a Actividade de Investimento (ARI), como também são conhecidos os Vistos Gold, atingiu 91.380.873 euros, menos 8% do que em igual mês do ano passado (99.512.868 euros). Face a Janeiro, mês em que o investimento ascendeu a 99.169.840,74 euros, o recuo foi de 7,8%.

Do total do montante captado em Fevereiro, a maior parte provém da aquisição de bens imóveis (88,34 milhões de euros), enquanto a transferência de capital angariou 3,03 milhões de euros.

No mês passado foram atribuídos 159 vistos dourados, dos quais 156 por via do critério de aquisição de bens imóveis. Do total destes últimos, 11 foram concedidos através da compra de imóveis para reabilitação urbana. A transferência de capital foi responsável pela atribuição de três vistos. Não houve qualquer visto para a criação de, pelo menos, 10 postos de trabalho.

Em termos acumulados - desde que os vistos 'dourados' começaram a ser atribuídos, a 8 de Outubro de 2012, até Fevereiro último -, o investimento total captado com as ARI atingiu os 3.601.816.556,15 euros, dos quais 337.062.493,99 euros por transferência de capital e 3.264.754.062,16 euros pela compra de bens imóveis.

Desde a criação deste instrumento, que visa a captação de investimento, foram atribuídos 5.876 ARI: dois em 2012, 494 em 2013, 1.526 em 2014, 766 em 2015, 1.414 em 2016, 1.351 em 2017 e 323 em 2018.

Em termos acumulados, desde a sua criação até Fevereiro, foram concedidos 5.553 vistos pelo requisito da aquisição de bens imóveis, 314 por transferência de capital, e nove pela criação de, pelo menos, 10 postos de trabalho.

A China lidera a lista de ARI atribuídas (3.709 até Fevereiro), seguida do Brasil (507), África do Sul (234), Rússia (206) e Turquia (158).

As novas regras para a obtenção de Vistos Gold, que alargaram os critérios de investimento para cidadãos fora da União Europeia a áreas como reabilitação urbana e ciência, entre outras, entraram em vigor em 3 de Setembro de 2015.

Desde 2013 foram atribuídas 9.861 autorizações de residência a familiares reagrupados: 576 em 2013, 2.395 em 2014, 1.322 em 2015, 2.344 em 2016, 2.678 em 2017 e 546 em 2018.

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