Esta notícia de 5 de Março merece ser revisitada e lida
atentamente ...
OVOODOCORVO
Portugal é um
exemplo dos "abusos e corrupção" dos programas de vistos Gold
Novo consórcio
global anti-corrupção denuncia sistema de compra de passaportes europeus e
apela à intervenção da Comissão Europeia. O programa de Autorização de
Residência para Actividade de Investimento, lançado por Portugal em 2012, prova
como o risco de corrupção pode chegar até ao aparelho de Estado.
Rita Siza
RITA SIZA
Bruxelas 5 de Março de 2018, 17:22 actualizado a 5 de Março de 2018, 21:05
A experiência
portuguesa é um exemplo de como os programas de atribuição de residência e
cidadania em troca de investimento que foram desenhados por vários países da
União Europeia, e são genericamente conhecidos como Vistos Gold, estão a
contribuir para o aumento da corrupção e da criminalidade, até dentro da
própria máquina do Estado, denunciou o novo Consórcio Global Anti-Corrupção,
esta segunda-feira em Bruxelas.
O programa
português Autorização de Residência para Actividade de Investimento, em vigor
desde 2012, foi apresentado pelos dirigentes das várias organizações que
integram esta nova plataforma (caso da Transparência Internacional) como
paradigmático das falhas em termos de escrutínio e transparência destes
programas.
O facto de pelo
menos onze dirigentes da Administração Pública, entre os quais o antigo
ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, terem sido constituídos
arguidos num processo de prevaricação, tráfico de influências e corrupção
demonstra que “estes programas, que se tornaram um negócio de milhões de euros,
estão abertos a abusos, incluindo dentro do aparelho do Estado”, conforme
salientou Rachel Owens, directora da Global Witness.
Além do risco de
corrupção, na avaliação ao funcionamento do programa português foram
encontrados problemas de diligência prévia e supervisão — por exemplo, as
instituições bancárias utilizam critérios mais apertados relativamente à
proveniência do dinheiro para proceder à abertura de uma conta do que aqueles
que o Estado pede para conceder um Visto Gold, comparou o consórcio — e de
transparência.
“Os cidadãos têm
direito a conhecer as receitas que o Estado está a obter e o valor dos
respectivos investimentos, mas também quem são estes novos detentores de
passaportes e de onde vem o seu dinheiro. Só assim podem fazer uma avaliação
completa em termos de custos e benefícios destes programas”, afirmou Casey
Kelso, director de advocacia da Transparency Internacional. “Infelizmente, até
agora não foram prestadas quaisquer contas aos portugueses quanto aos
benefícios sociais e económicos deste programa”, lamentou Rachel Owens.
Segundo Kelso, um
dos efeitos nefastos do programa em Portugal manifesta-se na distorção do
mercado imobiliário, que é para onde a esmagadora maioria dos candidatos a
Vistos Gold estão a canalizar o seu investimento. De acordo com os números
facultados pelas autoridades portuguesas, dos 5717 pedidos de Visto Gold
deferidos entre Outubro de 2012 e Janeiro de 2018, 5397 foram atribuídos por
investimentos imobiliários, ou seja, a aquisição de bens de valor igual ou
superior a 500 mil euros. Os restantes foram concedidos pela transferência de
capital no montante de um milhão de euros (311), e ainda pela criação de pelo
menos dez postos de trabalho (9).
O Consórcio
Global Anti-Corrupção não avançou nomes de investidores estrangeiros a quem
Portugal concedeu um passaporte ao abrigo do programa, mas como notou Susana
Coroado, da Transparency Internacional Portugal, estima-se que “vários membros
da classe dirigente de Angola” terão obtido Vistos Gold com a compra de
imóveis, num esquema que a organização reputa de duvidoso. “A lavagem de
dinheiro pela via do imobiliário não é um fenómeno novo. Mas depois deste
programa, esse risco cresceu exponencialmente”, disse.
Portugal só
divulga a nacionalidade dos detentores de Vistos Gold (3645 chineses; 493
brasileiros; 228 sul-africanos; 200 russos e 131 turcos). Mas noutros países,
foram publicadas listas com a identidade dos beneficiários: como revelou o
Organised Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP), que esta
segunda-feira começou a publicar uma série de reportagens a expôr os problemas
e fragilidades dos programas de Vistos Gold em oito países da UE, foram
atribuídos passaportes a indivíduos que estão a ser procurados pela justiça ou
que são abrangidos por sanções internacionais.
“Estes programas,
que se tornaram irresistíveis para vários países pequenos, com problemas
financeiros e não muito bem governados, são um esquema que permite a uma
plutocracia muito dúbia pagar pelo acesso às fronteiras e ao sistema bancário
europeu”, notou Jody McPhilips, do OCCRP.
Para Rachel
Owens, os Vistos Gold constituem um “risco sistémico” que Bruxelas precisa
urgentemente de resolver. “É a segurança dos cidadãos europeus, e a integridade
do espaço Schengen, que estão em causa quando indivíduos cujas fortunas
assentam em actividades ilícitas podem pagar para ter um passaporte cipriota,
húngaro ou português, que lhes permite movimentarem-se à vontade por todo o
território da UE”.
Mas há também uma
questão quase moral apontada por esta activista: “É chocante ver como estes
esquemas agradam aos governos que estão dispostos a abrir as portas da UE a
umas centenas de pessoas duvidosas, mas insistem em fechar as fronteiras às
populações em situação desesperada que pedem asilo.”
Investimento
captado com Vistos Gold cai 8% em Fevereiro
O investimento
captado através dos vistos 'gold' caiu 8% em Fevereiro, face a igual período de
2017, para 91,4 milhões de euros, de acordo com os dados estatísticos do
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) hoje divulgados.
Em Fevereiro o
investimento resultante da Autorização de Residência para a Actividade de
Investimento (ARI), como também são conhecidos os Vistos Gold, atingiu
91.380.873 euros, menos 8% do que em igual mês do ano passado (99.512.868
euros). Face a Janeiro, mês em que o investimento ascendeu a 99.169.840,74
euros, o recuo foi de 7,8%.
Do total do
montante captado em Fevereiro, a maior parte provém da aquisição de bens
imóveis (88,34 milhões de euros), enquanto a transferência de capital angariou
3,03 milhões de euros.
No mês passado
foram atribuídos 159 vistos dourados, dos quais 156 por via do critério de
aquisição de bens imóveis. Do total destes últimos, 11 foram concedidos através
da compra de imóveis para reabilitação urbana. A transferência de capital foi
responsável pela atribuição de três vistos. Não houve qualquer visto para a
criação de, pelo menos, 10 postos de trabalho.
Em termos
acumulados - desde que os vistos 'dourados' começaram a ser atribuídos, a 8 de
Outubro de 2012, até Fevereiro último -, o investimento total captado com as
ARI atingiu os 3.601.816.556,15 euros, dos quais 337.062.493,99 euros por
transferência de capital e 3.264.754.062,16 euros pela compra de bens imóveis.
Desde a criação
deste instrumento, que visa a captação de investimento, foram atribuídos 5.876
ARI: dois em 2012, 494 em 2013, 1.526 em 2014, 766 em 2015, 1.414 em 2016,
1.351 em 2017 e 323 em 2018.
Em termos
acumulados, desde a sua criação até Fevereiro, foram concedidos 5.553 vistos
pelo requisito da aquisição de bens imóveis, 314 por transferência de capital,
e nove pela criação de, pelo menos, 10 postos de trabalho.
A China lidera a
lista de ARI atribuídas (3.709 até Fevereiro), seguida do Brasil (507), África
do Sul (234), Rússia (206) e Turquia (158).
As novas regras
para a obtenção de Vistos Gold, que alargaram os critérios de investimento para
cidadãos fora da União Europeia a áreas como reabilitação urbana e ciência,
entre outras, entraram em vigor em 3 de Setembro de 2015.
Desde 2013 foram
atribuídas 9.861 autorizações de residência a familiares reagrupados: 576 em
2013, 2.395 em 2014, 1.322 em 2015, 2.344 em 2016, 2.678 em 2017 e 546 em 2018.
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