sexta-feira, 9 de março de 2018

O "Mono" do Rato ...



Opinião
O mono
Margarida Saavedra

Sr. presidente: se vai ser o pai do “mono do Rato” não tente insultar os lisboetas com desculpas que não têm pés nem cabeça.

8 de Março de 2018, 6:13

A vereadora Eduarda Napoleão apontou para uma perspectiva que tinha sobre a secretária:

— Que me diz a este projeto de ruptura?

Foi a primeira vez que eu vi o que veio a ser conhecido como “o mono do Rato”.

— Digo que não é ruptura, é esmagamento!

Contei-lhe do projeto que existia para o local onde, à semelhança do que foi feito na intersecção da Braamcamp com a Alexandre Herculano, se projetava um jardim. Neste caso, aduziam-se mais razões: dar enfâse ao Palácio Palmela (hoje sede da PGR) e ao fontanário, testemunho da nossa história recente. Também se considerava que o Largo do Rato comportava uma série de conjuntos a preservar — Palácio dos Marqueses de Praia (sede do PS), convento de S. José e conjunto urbano a Norte, os quais ficariam valorizados pela abertura desse jardim.

— Interessante!

Vi então que o projeto jamais passaria pelo meu departamento. Anos mais tarde, sendo eu vereadora, o presidente António Costa abriu a sessão com ar contristado:

— Trago-vos a aprovação da especialidade dum projeto inquietante aprovado pela vereação PSD ao qual, infelizmente, temos de dar sequência mercê de direitos adquiridos. Eu não o teria aprovado!

Eu tinha analisado o processo e julguei dar-lhe uma grande alegria:

— Sr. Presidente, tenho uma excelente notícia para si: há neste projeto razões de facto e de direito que lhe permitem considerar nulo o deferimento!

Não foi alegria: foi fúria, gritos! Direitos adquiridos (não em caso de anulação por erros e omissões); corre o risco de pagar milhares de euros de indemnização (com erros e omissões?); este processo nem tinha que vir a votação (então porque é que veio?); não vê que não pode votar contra? (não, não vejo)...

A polémica estalou, nos jornais, na praça pública. Um grupo de lisboetas intentou uma ação administrativa especial para pedir a anulação de despacho sobre a qual ainda não foi tomada qualquer decisão. Daí a imensa perplexidade perante as declarações do presidente da câmara no passado dia 1 de Março:

Se a câmara reconheceu direitos adquiridos (e se recusou a anular o despacho de deferimento) estavam todos de acordo! Por que decorreu um “intenso contencioso jurídico entre os promotores e a câmara”? Salvo erro, o que existe é um contencioso entre lisboetas e a câmara.
Se, em 2010, a câmara “chegou a acordo com o promotor”, por que esteve o processo parado oito anos? Em termos da legislação aplicável, pode um processo estar “adormecido” oito anos e depois ressuscitar, sem mais nem menos?
Se, como diz o presidente, houve um acordo, por que é que só agora “podemos tentar um diálogo com o promotor para encontrar uma solução que minore o impacto”? Então o acordo foi sobre o quê? É depois do acordo que se tenta o diálogo?

Sr. presidente: se vai ser o pai do mono não tente insultar os lisboetas com desculpas que não têm pés nem cabeça.

Arquitecta e ex-vereadora do PSD


Opiniao
Os monos dos presidentes de câmara

António Prôa
7 de março 2018


Um presidente de câmara ou, de um modo geral, um autarca que limita a sua intervenção no âmbito urbanístico à verificação do cumprimento das leis e dos regulamentos não é verdadeiramente um autarca mas, antes, se substitui ao papel dos técnicos municipais. Um eleito local tem de ter uma visão, uma estratégia e um programa para a cidade.

Recentemente, regressou a polémica do ‘mono do Rato’. Trata-se de um projeto para um novo edifício no Largo do Rato aprovado em 2005 pela Câmara Municipal, mas que acendeu uma contestação popular na sequência da qual veio a ter o licenciamento recusado, tendo vindo a ser concedido em 2010 e cuja obra agora se inicia. Os motivos para as críticas são bem caracterizados pelas expressões do atual presidente da Câmara que o classifica como um edifício que «cria uma rutura naquele local» e que constitui «um elemento de descontinuidade estranha».

A Câmara Municipal de Lisboa assume impotência perante os direitos adquiridos pelo promotor na sequência da aprovação do projeto e posterior licenciamento. De facto, parece já ser tarde para evitar a construção deste edifício que terá um forte e negativo impacto naquela zona da cidade. Ainda assim, o caminho da negociação com o promotor de modo a garantir os seus direitos (leia-se mais valias) talvez até noutro local da cidade, apelando ao bom senso e à sensibilidade perante a contestação generalizada ao projeto, parece não ter sido devidamente explorado.
O ‘mono do Rato’ é mais um exemplo de uma intervenção urbanística que desfigura a cidade, rompendo de forma negativa a envolvente.

Há muitos anos que Lisboa é alvo de um processo de descaracterização urbanística com a demolição de edifícios em zonas consolidadas e a substituição por construções novas sem qualquer preocupação com a integração no meio e de qualidade arquitetónica duvidosa ou com a política de ‘reabilitação de fachada’ que permite ‘inovações’ nos edifícios existentes com soluções de muito mau gosto.

O processo contínuo de construção e renovação da cidade deve dar lugar à criatividade, à inovação e à modernidade. Mas uma cidade como Lisboa deve ser capaz de manter a sua identidade e preservar o seu património arquitetónico e urbanístico. As intervenções urbanísticas devem ter em conta a compatibilização destas linhas.

Um autarca não cumpre cabalmente a sua função se apenas garantir o cumprimento das normas urbanísticas nas leis, nos regulamentos ou nos instrumentos de gestão territorial. Essa tarefa cabe, no essencial, aos técnicos. Um autarca tem de ter uma visão para a cidade assegurando um desenvolvimento urbanístico equilibrado, participado e envolvendo a comunidade, em que a componente estética, sempre discutível, tem de ter lugar.

Ora, o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) estabelece uma condição especial relativa à estética das edificações, fixando, no artigo 121.º, que «as construções deverão ser delineadas, executadas e mantidas de forma que contribuam para dignificação e valorização estética do conjunto em que venham a integrar-se» e ainda que «não poderão erigir-se quaisquer construções suscetíveis de comprometerem, pela localização, aparência ou proporções, o aspeto das povoações ou dos conjuntos arquitetónicos, edifícios e locais de reconhecido interesse histórico ou artístico ou de prejudicar a beleza das paisagens».

Esta é a norma de bom senso que permite aos autarcas condicionarem e intervirem para além do estrito cumprimento das regras urbanísticas quando estas ou os próprios projetos não são bastantes para evitarem a descaracterização da cidade.

Esta norma é o instrumento que permite aos autarcas evitarem a construção de monos.

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