Opinião
O mono
Margarida Saavedra
Sr. presidente: se vai ser o
pai do “mono do Rato” não tente insultar os lisboetas com desculpas que não têm
pés nem cabeça.
8 de Março de
2018, 6:13
A vereadora
Eduarda Napoleão apontou para uma perspectiva que tinha sobre a secretária:
— Que me diz a
este projeto de ruptura?
Foi a primeira
vez que eu vi o que veio a ser conhecido como “o mono do Rato”.
— Digo que não é
ruptura, é esmagamento!
Contei-lhe do
projeto que existia para o local onde, à semelhança do que foi feito na
intersecção da Braamcamp com a Alexandre Herculano, se projetava um jardim.
Neste caso, aduziam-se mais razões: dar enfâse ao Palácio Palmela (hoje sede da
PGR) e ao fontanário, testemunho da nossa história recente. Também se
considerava que o Largo do Rato comportava uma série de conjuntos a preservar —
Palácio dos Marqueses de Praia (sede do PS), convento de S. José e conjunto
urbano a Norte, os quais ficariam valorizados pela abertura desse jardim.
— Interessante!
Vi então que o
projeto jamais passaria pelo meu departamento. Anos mais tarde, sendo eu
vereadora, o presidente António Costa abriu a sessão com ar contristado:
— Trago-vos a
aprovação da especialidade dum projeto inquietante aprovado pela vereação PSD
ao qual, infelizmente, temos de dar sequência mercê de direitos adquiridos. Eu
não o teria aprovado!
Eu tinha
analisado o processo e julguei dar-lhe uma grande alegria:
— Sr. Presidente,
tenho uma excelente notícia para si: há neste projeto razões de facto e de
direito que lhe permitem considerar nulo o deferimento!
Não foi alegria:
foi fúria, gritos! Direitos adquiridos (não em caso de anulação por erros e
omissões); corre o risco de pagar milhares de euros de indemnização (com erros
e omissões?); este processo nem tinha que vir a votação (então porque é que
veio?); não vê que não pode votar contra? (não, não vejo)...
A polémica
estalou, nos jornais, na praça pública. Um grupo de lisboetas intentou uma ação
administrativa especial para pedir a anulação de despacho sobre a qual ainda
não foi tomada qualquer decisão. Daí a imensa perplexidade perante as
declarações do presidente da câmara no passado dia 1 de Março:
Se a câmara
reconheceu direitos adquiridos (e se recusou a anular o despacho de
deferimento) estavam todos de acordo! Por que decorreu um “intenso contencioso
jurídico entre os promotores e a câmara”? Salvo erro, o que existe é um
contencioso entre lisboetas e a câmara.
Se, em 2010, a
câmara “chegou a acordo com o promotor”, por que esteve o processo parado oito
anos? Em termos da legislação aplicável, pode um processo estar “adormecido”
oito anos e depois ressuscitar, sem mais nem menos?
Se, como diz o
presidente, houve um acordo, por que é que só agora “podemos tentar um diálogo
com o promotor para encontrar uma solução que minore o impacto”? Então o acordo
foi sobre o quê? É depois do acordo que se tenta o diálogo?
Sr. presidente:
se vai ser o pai do mono não tente insultar os lisboetas com desculpas que não
têm pés nem cabeça.
Arquitecta e
ex-vereadora do PSD
Opiniao
Os monos dos
presidentes de câmara
António Prôa
7 de março 2018
Um presidente de
câmara ou, de um modo geral, um autarca que limita a sua intervenção no âmbito
urbanístico à verificação do cumprimento das leis e dos regulamentos não é
verdadeiramente um autarca mas, antes, se substitui ao papel dos técnicos
municipais. Um eleito local tem de ter uma visão, uma estratégia e um programa
para a cidade.
Recentemente,
regressou a polémica do ‘mono do Rato’. Trata-se de um projeto para um novo
edifício no Largo do Rato aprovado em 2005 pela Câmara Municipal, mas que
acendeu uma contestação popular na sequência da qual veio a ter o licenciamento
recusado, tendo vindo a ser concedido em 2010 e cuja obra agora se inicia. Os
motivos para as críticas são bem caracterizados pelas expressões do atual
presidente da Câmara que o classifica como um edifício que «cria uma rutura
naquele local» e que constitui «um elemento de descontinuidade estranha».
A Câmara
Municipal de Lisboa assume impotência perante os direitos adquiridos pelo
promotor na sequência da aprovação do projeto e posterior licenciamento. De
facto, parece já ser tarde para evitar a construção deste edifício que terá um
forte e negativo impacto naquela zona da cidade. Ainda assim, o caminho da
negociação com o promotor de modo a garantir os seus direitos (leia-se mais
valias) talvez até noutro local da cidade, apelando ao bom senso e à
sensibilidade perante a contestação generalizada ao projeto, parece não ter
sido devidamente explorado.
O ‘mono do Rato’
é mais um exemplo de uma intervenção urbanística que desfigura a cidade,
rompendo de forma negativa a envolvente.
Há muitos anos
que Lisboa é alvo de um processo de descaracterização urbanística com a
demolição de edifícios em zonas consolidadas e a substituição por construções
novas sem qualquer preocupação com a integração no meio e de qualidade
arquitetónica duvidosa ou com a política de ‘reabilitação de fachada’ que
permite ‘inovações’ nos edifícios existentes com soluções de muito mau gosto.
O processo
contínuo de construção e renovação da cidade deve dar lugar à criatividade, à
inovação e à modernidade. Mas uma cidade como Lisboa deve ser capaz de manter a
sua identidade e preservar o seu património arquitetónico e urbanístico. As intervenções
urbanísticas devem ter em conta a compatibilização destas linhas.
Um autarca não
cumpre cabalmente a sua função se apenas garantir o cumprimento das normas
urbanísticas nas leis, nos regulamentos ou nos instrumentos de gestão
territorial. Essa tarefa cabe, no essencial, aos técnicos. Um autarca tem de
ter uma visão para a cidade assegurando um desenvolvimento urbanístico
equilibrado, participado e envolvendo a comunidade, em que a componente
estética, sempre discutível, tem de ter lugar.
Ora, o Regulamento
Geral das Edificações Urbanas (RGEU) estabelece uma condição especial relativa
à estética das edificações, fixando, no artigo 121.º, que «as construções
deverão ser delineadas, executadas e mantidas de forma que contribuam para
dignificação e valorização estética do conjunto em que venham a integrar-se» e
ainda que «não poderão erigir-se quaisquer construções suscetíveis de
comprometerem, pela localização, aparência ou proporções, o aspeto das
povoações ou dos conjuntos arquitetónicos, edifícios e locais de reconhecido
interesse histórico ou artístico ou de prejudicar a beleza das paisagens».
Esta é a norma de
bom senso que permite aos autarcas condicionarem e intervirem para além do
estrito cumprimento das regras urbanísticas quando estas ou os próprios
projetos não são bastantes para evitarem a descaracterização da cidade.
Esta norma é o
instrumento que permite aos autarcas evitarem a construção de monos.
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