sábado, 17 de março de 2018

Palácio da Ajuda: Nova caixa de jóias de Lisboa afinal vai custar 21 milhões





Palácio da Ajuda: Nova caixa de jóias de Lisboa afinal vai custar 21 milhões

Ministro da Cultura e presidente da câmara não pouparam elogios ao novo projecto para a ala poente do palácio, já em obra. Medina diz mesmo que é de “extraordinária qualidade”. Estimativa inicial de custos era de menos seis milhões. Normas de segurança da exposição do tesouro real, arranjos previstos na envolvente e um restaurante são os responsáveis pela subida.

JOÃO PEDRO PINCHA e LUCINDA CANELAS 16 de Março de 2018, 21:06

Passou um ano e meio e a ambição desde a primeira apresentação pública do projecto que visa instalar no Palácio Nacional da Ajuda uma exposição permanente com o tesouro real cresceu, assim como o seu custo estimado. Dos 15 milhões de euros anunciados em Setembro de 2016, numa cerimónia a que assistiram centenas de pessoas e que teve até direito à presença (e ao discurso) do primeiro-ministro, António Costa, passou-se, agora, para os 21 milhões. O motivo? Não há um, mas três, disse ao final da manhã desta sexta-feira Vítor Costa, director-geral da Associação de Turismo de Lisboa (ATL), um dos parceiros deste projecto que envolve o Ministério da Cultura (MC) e a Câmara Municipal de Lisboa (CML) e que quer rematar a ala poente de um monumento nacional que está há mais de 200 anos à espera de ser terminado.

O aumento de custos deve-se, explicou o director da ATL, a “recomendações de segurança da consultora internacional” contratada para acompanhar a idealização das caixas fortes onde ficarão as jóias e as peças de ourivesaria da casa real portuguesa (uma colecção com mais de 7000 objectos); à “valorização do espaço público da Calçada da Ajuda”, que “não estava incorporada” quando o projecto foi apresentado em 2016; e à construção “de um restaurante de grande categoria” no quarto piso da ala sul, para tirar partido da vista para o Tejo.

Revisto o valor da obra, repartem-se os encargos: o MC continua a assegurar os já anunciados quatro milhões de euros, garantidos pelo seguro das jóias da coroa roubadas em Haia em Dezembro de 2002; a associação de turismo investe directamente cinco milhões, saindo os restantes 12 milhões do fundo de desenvolvimento a que a ATL tem acesso e que é alimentado pela taxa turística de Lisboa.

Esta sexta-feira, na sessão de apresentação que antecedeu uma breve visita à obra, a decorrer desde Fevereiro, Fernando Medina, presidente da câmara de Lisboa, disse que os trabalhos deverão estar concluídos no primeiro trimestre de 2020 e sublinhou a “extraordinária qualidade” dos projectos de arquitectura, com assinatura de João Carlos dos Santos, também subdirector-geral do Património, e de museografia, de Francisco Providência.

“Uma parceria [autarquia, ATL e Cultura] única na sua forma” para uma obra “absolutamente estratégica para a cidade”, acrescentou Medina, garantindo que só as verbas resultantes do turismo a tornam possível e que a sustentabilidade desse turismo, que não tem parado de crescer nos últimos anos, passa necessariamente por uma “qualificação dos espaços identitários” de Lisboa.

O museu das jóias
O “novo museu das jóias da coroa”, assim lhe chamou João Carlos dos Santos, resulta do quinto projecto que este arquitecto concebeu para a conclusão do Palácio Nacional da Ajuda, um monumento de elevada carga simbólica que conheceu o seu primeiro desenho em 1791, viu a primeira pedra lançada quatro anos mais tarde, mas acabou por ficar mais de dois séculos à espera de ser terminado. E ainda assim muito longe do inicialmente previsto (ficarão eterna e naturalmente por construir as partes central e poente). Pelo meio houve incêndios, invasões, revoluções, mudanças de regime e crises económicas que interferiram na sua construção e o deixaram como que em suspenso. Nas últimas décadas, foram muitos os alunos de arquitectura que imaginaram como poderia ser rematado. Mas houve também arquitectos encarregues de o fazer a título oficial, como Raul Lino, em pleno Estado Novo (um projecto em 1944 e outro em 1956), e Gonçalo Byrne, em 1989, autor da proposta que muitos gostariam de ter visto construída.

No essencial, o projecto que está já em obra prevê a conclusão da fachada poente do edifício (a que dá para a Calçada da Ajuda) e a construção de duas caixas fortes para as jóias e peças de ourivesaria dos reis de Portugal – as que usavam em actos oficiais de grande aparato protocolar e na intimidade do dia-a-dia, em bailes e jantares -, bem como áreas de lazer, uma loja e uma sala polivalente com capacidade para 120 pessoas. Isto para além do restaurante de que falava o director da ATL.

“Será um museu de grande qualidade e grande atractividade” num palácio que é já um “extraordinário monumento”, disse o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, elogiando a relação com a autarquia e o turismo e demonstrando confiança no resultado final do trabalho de uma vasta equipa multidisciplinar: “Vamos superar a ‘maldição do arquitecto’ [o atraso de mais de dois séculos] porque temos um bom arquitecto e há vontade política do Governo e da câmara de Lisboa.” O presidente da autarquia, por seu lado, quer ver o palácio renovado como uma das âncoras da revitalização da zona Belém-Ajuda.

Em transformação
Aproveitando as obras no palácio, a câmara de Lisboa quer lançar várias empreitadas em toda a zona ao redor do monumento. A começar pela requalificação da própria Calçada da Ajuda, por onde se fará o acesso à futura exposição das jóias da coroa. O projecto de João Carlos dos Santos, marcado por “uma estrutura de lâminas de sombreamento” que, diz o arquitecto, distingue imediatamente aquilo que é antigo do que é novo, contempla agora uma escadaria entre a rua e a entrada do palácio, além de uma praça que já estava prevista. Este crescimento do palácio vai tornar a calçada mais estreita e será necessária uma “adequação do trânsito”, explica Medina.

No fundo vai continuar-se para norte, até à Rua das Açucenas, a obra que nos últimos anos foi feita na restante Calçada da Ajuda a partir do Museu dos Coches. Ao longo de todo este eixo, que abrange os vários monumentos de Belém e que se pretende que integre de forma mais eficaz o palácio da Ajuda, está a acontecer “uma intervenção muito profunda”, disse Medina. O autarca enumerou a recuperação do Jardim Botânico Tropical, do Teatro Luís de Camões, do Padrão dos Descobrimentos e dos jardins da Praça do Império, a construção do Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT) e de duas pontes pedonais por cima da via férrea como exemplos de valorização da zona (a do MAAT está praticamente pronta mas não tem ainda data de inauguração, a dos Coches deverá estar terminada em Junho).

As intervenções vão continuar. Medina disse, por exemplo, que tem de ser pensada uma ligação directa entre a Torre do Galo e o palácio, assim como a requalificação do jardim do Largo da Ajuda, por onde entram agora os visitantes. “Ganhávamos em fechar este circuito”, acrescentou. A concretização do projecto do palácio vai levar ainda ao redesenho da mobilidade da zona, sobretudo no que diz respeito à rede de eléctricos que a câmara quer alargar, mas o presidente da câmara não adiantou mais detalhes.

Definitivamente posto de lado está o plano de gestão integrada de todos os museus e monumentos do eixo Belém/Ajuda, como chegou a querer o anterior Governo. “Havia uma espécie de autarcia” com esse plano, criticou esta sexta Luís Filipe Castro Mendes. “O que nós substituímos foi uma visão centralista de gestão de equipamentos por uma de enriquecimento do território”, corroborou Fernando Medina.

Presidente da autarquia, ministro e subdirector-geral do Património não responderam esta sexta-feira a perguntas sobre o valor do bilhete a cobrar na exposição permanente das jóias, sobre a repartição das receitas (se é que vai haver) ou sobre o tempo necessário para que se cubra o investimento feito (quando a obra estava orçada em 15 milhões de euros, falava-se em 12 anos).

E o concurso?
Uma apresentação pública do remate da Ajuda, sobretudo quando esta implica o anúncio de um acréscimo de custos da ordem dos seis milhões de euros, volta a levantar a questão que muitos arquitectos e historiadores de arte têm vindo a comentar em fóruns vários, em público e em privado: Por que razão não foi este projecto de arquitectura a concurso quando se trata de intervir num monumento nacional com tamanha carga histórica e simbólica e de um investimento tão avultado?

“Não tinha de haver [concurso]. Este projecto foi feito por um funcionário da casa. Não havia necessidade legal de abrir um concurso porque o arquitecto não recebeu remuneração especial”, respondeu ao PÚBLICO o ministro da Cultura, no final da visita à obra.

“A solução que foi aprovada é uma boa solução. É evidente que tudo é passível de discussão, tudo pode ser debatido. Havia projectos anteriores de grande valor, nomeadamente o do arquitecto Gonçalo Byrne e o do arquitecto [Frederico] Valsassina, mas esses projectos tinham um problema – implicavam uma alteração da estrutura viária, da circulação na área. No caso de um dos projectos implicava a demolição de casas… Eram, portanto, projectos extremamente caros.”

Para vencer a tal “maldição do arquitecto”, acrescentou Castro Mendes, era preciso tomar uma decisão e avançar. “Evidentemente que [o actual projecto] foi visto, foi analisado. A câmara municipal não ia entrar num projecto que não fosse arquitectonicamente de qualidade. Agora, claro, o projecto vai ser objecto de discussão, mas a nossa preocupação era vencer a maldição do arquitecto e fazer, e andar para a frente. Penso que temos um projecto bom.”

Castro Mendes gosta particularmente do facto de João Carlos dos Santos ter-se mantido fiel ao desenho original na frente da ala poente que dá para o pátio interior do palácio: “Esta estrutura continua a ter o seu lado inacabado, o que lhe dá um certo romantismo e mantém a memória de um projecto que nunca foi concluído”, disse o ministro, apontando para aquela fachada. “A verdade da história é que este palácio ficou por acabar e nós não queremos acabá-lo como os reis queriam, queremos apenas dar-lhe uma utilização, uma funcionalidade, um valor – o museu das jóias da coroa. E depois o bar, o restaurante e outras áreas de lazer que vão existir lá em cima. Isto vai valorizar o palácio, que é um grande monumento e que vai ter mais visitantes.”

A estimativa de visitantes é de 250 mil/ano, um número que o autor do projecto considera “conservador”.

A directora-geral do Património, Paula Silva, não compareceu como estava previsto a esta segunda sessão de apresentação do projecto por estar em reunião na Ajuda – em cima da mesa estava a requalificação da Fortaleza de Peniche, um projecto para o qual foi já lançado o concurso de arquitectura, que deverá receber propostas na primeira quinzena de Abril.

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