Palácio da
Ajuda: Nova caixa de jóias de Lisboa afinal vai custar 21 milhões
Ministro da
Cultura e presidente da câmara não pouparam elogios ao novo projecto para a ala
poente do palácio, já em obra. Medina diz mesmo que é de “extraordinária
qualidade”. Estimativa inicial de custos era de menos seis milhões. Normas de
segurança da exposição do tesouro real, arranjos previstos na envolvente e um
restaurante são os responsáveis pela subida.
JOÃO PEDRO PINCHA
e LUCINDA CANELAS 16 de Março de 2018, 21:06
Passou um ano e
meio e a ambição desde a primeira apresentação pública do projecto que visa
instalar no Palácio Nacional da Ajuda uma exposição permanente com o tesouro
real cresceu, assim como o seu custo estimado. Dos 15 milhões de euros
anunciados em Setembro de 2016, numa cerimónia a que assistiram centenas de
pessoas e que teve até direito à presença (e ao discurso) do primeiro-ministro,
António Costa, passou-se, agora, para os 21 milhões. O motivo? Não há um, mas
três, disse ao final da manhã desta sexta-feira Vítor Costa, director-geral da
Associação de Turismo de Lisboa (ATL), um dos parceiros deste projecto que
envolve o Ministério da Cultura (MC) e a Câmara Municipal de Lisboa (CML) e que
quer rematar a ala poente de um monumento nacional que está há mais de 200 anos
à espera de ser terminado.
O aumento de
custos deve-se, explicou o director da ATL, a “recomendações de segurança da
consultora internacional” contratada para acompanhar a idealização das caixas
fortes onde ficarão as jóias e as peças de ourivesaria da casa real portuguesa
(uma colecção com mais de 7000 objectos); à “valorização do espaço público da
Calçada da Ajuda”, que “não estava incorporada” quando o projecto foi
apresentado em 2016; e à construção “de um restaurante de grande categoria” no
quarto piso da ala sul, para tirar partido da vista para o Tejo.
Revisto o valor
da obra, repartem-se os encargos: o MC continua a assegurar os já anunciados
quatro milhões de euros, garantidos pelo seguro das jóias da coroa roubadas em
Haia em Dezembro de 2002; a associação de turismo investe directamente cinco
milhões, saindo os restantes 12 milhões do fundo de desenvolvimento a que a ATL
tem acesso e que é alimentado pela taxa turística de Lisboa.
Esta sexta-feira,
na sessão de apresentação que antecedeu uma breve visita à obra, a decorrer
desde Fevereiro, Fernando Medina, presidente da câmara de Lisboa, disse que os
trabalhos deverão estar concluídos no primeiro trimestre de 2020 e sublinhou a
“extraordinária qualidade” dos projectos de arquitectura, com assinatura de
João Carlos dos Santos, também subdirector-geral do Património, e de
museografia, de Francisco Providência.
“Uma parceria
[autarquia, ATL e Cultura] única na sua forma” para uma obra “absolutamente
estratégica para a cidade”, acrescentou Medina, garantindo que só as verbas
resultantes do turismo a tornam possível e que a sustentabilidade desse
turismo, que não tem parado de crescer nos últimos anos, passa necessariamente
por uma “qualificação dos espaços identitários” de Lisboa.
O museu das jóias
O “novo museu das
jóias da coroa”, assim lhe chamou João Carlos dos Santos, resulta do quinto
projecto que este arquitecto concebeu para a conclusão do Palácio Nacional da
Ajuda, um monumento de elevada carga simbólica que conheceu o seu primeiro
desenho em 1791, viu a primeira pedra lançada quatro anos mais tarde, mas
acabou por ficar mais de dois séculos à espera de ser terminado. E ainda assim
muito longe do inicialmente previsto (ficarão eterna e naturalmente por
construir as partes central e poente). Pelo meio houve incêndios, invasões,
revoluções, mudanças de regime e crises económicas que interferiram na sua
construção e o deixaram como que em suspenso. Nas últimas décadas, foram muitos
os alunos de arquitectura que imaginaram como poderia ser rematado. Mas houve
também arquitectos encarregues de o fazer a título oficial, como Raul Lino, em
pleno Estado Novo (um projecto em 1944 e outro em 1956), e Gonçalo Byrne, em
1989, autor da proposta que muitos gostariam de ter visto construída.
No essencial, o
projecto que está já em obra prevê a conclusão da fachada poente do edifício (a
que dá para a Calçada da Ajuda) e a construção de duas caixas fortes para as
jóias e peças de ourivesaria dos reis de Portugal – as que usavam em actos
oficiais de grande aparato protocolar e na intimidade do dia-a-dia, em bailes e
jantares -, bem como áreas de lazer, uma loja e uma sala polivalente com
capacidade para 120 pessoas. Isto para além do restaurante de que falava o
director da ATL.
“Será um museu de
grande qualidade e grande atractividade” num palácio que é já um
“extraordinário monumento”, disse o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro
Mendes, elogiando a relação com a autarquia e o turismo e demonstrando
confiança no resultado final do trabalho de uma vasta equipa multidisciplinar:
“Vamos superar a ‘maldição do arquitecto’ [o atraso de mais de dois séculos]
porque temos um bom arquitecto e há vontade política do Governo e da câmara de
Lisboa.” O presidente da autarquia, por seu lado, quer ver o palácio renovado
como uma das âncoras da revitalização da zona Belém-Ajuda.
Em transformação
Aproveitando as
obras no palácio, a câmara de Lisboa quer lançar várias empreitadas em toda a
zona ao redor do monumento. A começar pela requalificação da própria Calçada da
Ajuda, por onde se fará o acesso à futura exposição das jóias da coroa. O
projecto de João Carlos dos Santos, marcado por “uma estrutura de lâminas de
sombreamento” que, diz o arquitecto, distingue imediatamente aquilo que é
antigo do que é novo, contempla agora uma escadaria entre a rua e a entrada do
palácio, além de uma praça que já estava prevista. Este crescimento do palácio
vai tornar a calçada mais estreita e será necessária uma “adequação do
trânsito”, explica Medina.
No fundo vai
continuar-se para norte, até à Rua das Açucenas, a obra que nos últimos anos
foi feita na restante Calçada da Ajuda a partir do Museu dos Coches. Ao longo
de todo este eixo, que abrange os vários monumentos de Belém e que se pretende
que integre de forma mais eficaz o palácio da Ajuda, está a acontecer “uma
intervenção muito profunda”, disse Medina. O autarca enumerou a recuperação do
Jardim Botânico Tropical, do Teatro Luís de Camões, do Padrão dos
Descobrimentos e dos jardins da Praça do Império, a construção do Museu de
Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT) e de duas pontes pedonais por cima da
via férrea como exemplos de valorização da zona (a do MAAT está praticamente
pronta mas não tem ainda data de inauguração, a dos Coches deverá estar
terminada em Junho).
As intervenções
vão continuar. Medina disse, por exemplo, que tem de ser pensada uma ligação
directa entre a Torre do Galo e o palácio, assim como a requalificação do
jardim do Largo da Ajuda, por onde entram agora os visitantes. “Ganhávamos em
fechar este circuito”, acrescentou. A concretização do projecto do palácio vai
levar ainda ao redesenho da mobilidade da zona, sobretudo no que diz respeito à
rede de eléctricos que a câmara quer alargar, mas o presidente da câmara não
adiantou mais detalhes.
Definitivamente
posto de lado está o plano de gestão integrada de todos os museus e monumentos
do eixo Belém/Ajuda, como chegou a querer o anterior Governo. “Havia uma
espécie de autarcia” com esse plano, criticou esta sexta Luís Filipe Castro
Mendes. “O que nós substituímos foi uma visão centralista de gestão de
equipamentos por uma de enriquecimento do território”, corroborou Fernando
Medina.
Presidente da
autarquia, ministro e subdirector-geral do Património não responderam esta
sexta-feira a perguntas sobre o valor do bilhete a cobrar na exposição
permanente das jóias, sobre a repartição das receitas (se é que vai haver) ou
sobre o tempo necessário para que se cubra o investimento feito (quando a obra
estava orçada em 15 milhões de euros, falava-se em 12 anos).
E o concurso?
Uma apresentação
pública do remate da Ajuda, sobretudo quando esta implica o anúncio de um
acréscimo de custos da ordem dos seis milhões de euros, volta a levantar a
questão que muitos arquitectos e historiadores de arte têm vindo a comentar em
fóruns vários, em público e em privado: Por que razão não foi este projecto de
arquitectura a concurso quando se trata de intervir num monumento nacional com
tamanha carga histórica e simbólica e de um investimento tão avultado?
“Não tinha de
haver [concurso]. Este projecto foi feito por um funcionário da casa. Não havia
necessidade legal de abrir um concurso porque o arquitecto não recebeu
remuneração especial”, respondeu ao PÚBLICO o ministro da Cultura, no final da
visita à obra.
“A solução que foi
aprovada é uma boa solução. É evidente que tudo é passível de discussão, tudo
pode ser debatido. Havia projectos anteriores de grande valor, nomeadamente o
do arquitecto Gonçalo Byrne e o do arquitecto [Frederico] Valsassina, mas esses
projectos tinham um problema – implicavam uma alteração da estrutura viária, da
circulação na área. No caso de um dos projectos implicava a demolição de casas…
Eram, portanto, projectos extremamente caros.”
Para vencer a tal
“maldição do arquitecto”, acrescentou Castro Mendes, era preciso tomar uma
decisão e avançar. “Evidentemente que [o actual projecto] foi visto, foi
analisado. A câmara municipal não ia entrar num projecto que não fosse
arquitectonicamente de qualidade. Agora, claro, o projecto vai ser objecto de
discussão, mas a nossa preocupação era vencer a maldição do arquitecto e fazer,
e andar para a frente. Penso que temos um projecto bom.”
Castro Mendes
gosta particularmente do facto de João Carlos dos Santos ter-se mantido fiel ao
desenho original na frente da ala poente que dá para o pátio interior do
palácio: “Esta estrutura continua a ter o seu lado inacabado, o que lhe dá um
certo romantismo e mantém a memória de um projecto que nunca foi concluído”,
disse o ministro, apontando para aquela fachada. “A verdade da história é que
este palácio ficou por acabar e nós não queremos acabá-lo como os reis queriam,
queremos apenas dar-lhe uma utilização, uma funcionalidade, um valor – o museu
das jóias da coroa. E depois o bar, o restaurante e outras áreas de lazer que
vão existir lá em cima. Isto vai valorizar o palácio, que é um grande monumento
e que vai ter mais visitantes.”
A estimativa de
visitantes é de 250 mil/ano, um número que o autor do projecto considera
“conservador”.
A directora-geral
do Património, Paula Silva, não compareceu como estava previsto a esta segunda
sessão de apresentação do projecto por estar em reunião na Ajuda – em cima da
mesa estava a requalificação da Fortaleza de Peniche, um projecto para o qual
foi já lançado o concurso de arquitectura, que deverá receber propostas na
primeira quinzena de Abril.
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