Estaria o leitor
disposto a entrar num avião pilotado pela hospedeira de bordo? Ou a ser tratado
num hospital pelas auxiliares de enfermagem?
O problema Cara
Helena é que os "Comandantes do Avião" e os "Médicos
Especialistas" têm demonstrado uma grande arrogância autista e total
indiferença nas suas intervenções, em áreas Patrimoniais consolidadas ... (
Mono do rato, Praça das Flores, Museu Judaico / Alfama, etc., )
"O ensino da
Arquitectura em Portugal tem sido dominado por uma geração que nega a
importância do restauro."
(...) "Com
efeito, toda a retórica do autor é construída à volta de uma argumentação que,
de forma enganadora, só reconhece duas alternativas para a intervenção
arquitectónica na cidade: arquitectura contemporânea, leia-se modernista, em
ruptura e afirmação consciente e demarcada com a envolvente histórica, que o
autor considera como a única capaz de representar autenticidade, ou o perverso
“fachadismo”, ou artificial operação cutânea que constitui uma mentira perigosa
para o futuro da Arquitectura e da autenticidade da cidade.
Ora o
“fachadismo” é sem dúvida uma perversão, mas sim, do conceito do restauro integral
que considera um edifício histórico como uma unidade indivisível, entre fachada
e interior.
Para dar um
exemplo muito rapidamente: qual é o valor de um edifício pombalino, que faz
parte de uma solução sistemática e global para uma reconstrução funcional de
uma imensa área vítima de um cataclismo sísmico, sem a “gaiola”, que constitui
precisamente a solução estrutural anti-sísmica pensada por engenheiros da mesma
reconstrução?
Toda esta
confusão “arquitolas” é fruto do facto de o ensino da Arquitectura em Portugal
ter sido dominado ideologicamente por toda uma geração que, de forma
manipuladora, tem sempre negado o reconhecimento da importância do ensino e da
prática do restauro. Utilizando de forma manipuladora o argumento da Carta de
Veneza crítico do restauro integral, os arquitectos de restauro são vistos e
acusados no ensino como apologistas do sacrílego “pastiche”. Compreende-se o
nervosismo de Nuno Almeida e de toda uma classe, agora sujeita a “honorários
limitados” e a um crescente e justificado clamor crítico da opinião pública,
capaz de inibir e amedrontar os técnicos responsáveis pelas aprovações."
António Sérgio
Rosa de Carvalho in "A tempestade perfeita" 6 de Abril de 2017
https://www.publico.pt/2017/04/06/local/opiniao/a-tempestade-perfeita--1767806
https://www.publico.pt/2017/04/06/local/opiniao/a-tempestade-perfeita--1767806
O regresso do
pato-bravismo
Estou convencida
de que isto foi aprovado sem que a maioria dos deputados tivesse sequer noção
do que fora feito em comissão.
Helena Roseta
22 de Março de
2018, 6:32
O Parlamento
aprovou há dias em votação final uma lei que, a pretexto de salvaguardar os
chamados “direitos adquiridos” de um pequeno grupo de engenheiros civis
matriculados até 1987 em quatro faculdades de Engenharia do país, acabou por
deitar por terra uma espécie de “Tratado de Tordesilhas” que desde 2009 e ao
fim de muitos anos de luta pelo direito à arquitectura tinha permitido
estabelecer fronteiras claras entre as responsabilidades e campos profissionais
de engenheiros, arquitectos e engenheiros técnicos. Foi então aprovada a Lei
31/2009, em resultado de uma grande negociação entre as três ordens
profissionais e o Governo, que representou cedências de todas as partes em
benefício de um acordo de convivência e cooperação, indispensável no sector da
construção.
A lei deixava um
período transitório, para que engenheiros, engenheiros técnicos e outros
profissionais de formação média, como os agentes técnicos de arquitectura e
engenharia, conhecidos como ATAE, que desde 1973 podiam assinar projectos de
arquitectura, o pudessem continuar a fazer por cinco anos — o tempo necessário
para, querendo, se qualificarem como arquitectos e se inscreverem na respectiva
ordem. O prazo de transição acabou e o Governo anterior resolveu prorrogá-lo.
Terminada esta prorrogação, surgiu no Parlamento uma petição de um grupo de
engenheiros, invocando os tais “direitos adquiridos” ao abrigo de uma directiva
comunitária sobre formação profissional exigível para o exercício de profissões
na área da saúde e da arquitectura. Portugal transcreveu a directiva, mas não
actualizou devidamente a lista dos cursos superiores nacionais mais antigos,
mantendo nela aquele pequeno grupo de engenheiros. O provedor de Justiça
entendeu recomendar à AR a correcção desta situação (um grupo de não
arquitectos poder exercer a profissão à luz da directiva comunitária, mas não o
poder fazer em Portugal à luz da Lei 31/2009) e assim renasceu uma polémica,
que tem 45 anos, sobre quem pode e quem não pode fazer projectos de
arquitectura.
O tema é antigo e
não gerou grande interesse mediático, por parecer circunscrito a um pequeno
grupo de pessoas. Mas de repente entrou em acção aquilo a que eu chamo a “caixa
preta” do processo legislativo — a produção concreta do texto final da lei em
sede de especialidade, na comissão parlamentar, sem qualquer escrutínio
público.
O ponto de
partida foi um projecto de lei do PSD que procurava responder à petição dos
engenheiros, transformando em definitiva a situação transitória consagrada em
2009. Mas as alterações na especialidade deturparam completamente o projecto
inicial. O PAN apresentou um aditamento que, além de alterar a Lei 31/2009, que
era o que estava em causa, alterava também a Lei 41/2015, que estabeleceu as
qualificações mínimas para se poder obter um alvará de obra pública, consoante
o tipo de obra e o seu valor (a que se dá o nome de “classe de obra”). E o que
acabou por ser aprovado na comissão e confirmado no plenário com os votos
favoráveis do PSD, do PCP, do PEV e do PAN foi que a partir de agora os tais
ATAE, que correspondem aos antigos construtores civis diplomados e que têm uma
formação profissional de cinco anos a partir do 9.º ano de escolaridade, podem
passar a deter alvarás de obra pública não até 332.000 euros (classe 2), como
estipulado em 2015, mas até 1.328.000 euros (classe 4). Bastou mudar o número
da classe de 2 para 4 nos quadros anexos à lei e temos como resultado que a
partir de agora, se esta lei for promulgada, a generalidade das obras públicas
lançadas pelos municípios, por exemplo, que são desta ordem de grandeza, passam
a poder ser feitas por técnicos sem qualquer formação superior.
Estou convencida
de que isto foi aprovado sem que a maioria dos deputados tivesse sequer noção
do que fora feito em comissão. A inclusão à última hora, na especialidade, da
alteração da Lei 41/2015 terá passado despercebida. A passagem da “classe 2” à
“classe 4” num extenso quadro anexo é código para iniciados. Ninguém trouxe o
problema para a discussão pública. Eu própria perdi um bom par de horas a
perceber, quadro a quadro e linha a linha, o que ia ser posto à votação final.
Se isto não é o
regresso do pato-bravismo ao grosso das obras públicas, então não sei o que
seja. Será que podemos continuar a legislar de forma tão opaca? Será este o
caminho para a qualidade da democracia e para a necessária e urgente qualificação
transversal do sector da construção? E para que servirá tirar um curso de
Arquitectura e inscrever-se numa ordem profissional com fortes exigências
deontológicas? Estaria o leitor disposto a entrar num avião pilotado pela
hospedeira de bordo? Ou a ser tratado num hospital pelas auxiliares de
enfermagem? Não me interpretem mal. Todas as profissões são dignas, tenham ou
não acesso por via de uma formação superior. Mas será que todos podem fazer o
trabalho uns dos outros? Ou foram apenas os deputados que votaram, aliás, de
forma algo confusa, que deixa em dúvida quantos votos a favor existiram de
facto, sem que muitos se apercebessem do retrocesso radical que estava em
causa?
Sem comentários:
Enviar um comentário