Fracas aptidões
dos candidatos travam recrutamento de motoristas pela Carris
Samuel Alemão
Texto
8 Março, 2018
Uma autêntica dor
de cabeça. E, de certa forma, uma surpresa. A Carris está a ter uma enorme
dificuldade em recrutar motoristas para a sua frota de autocarros. O problema,
admitido a O Corvo pela empresa municipal, está relacionado com a inaptidão,
física ou psicológica, detectada na maioria dos candidatos avaliados pelos
responsáveis pelo departamento de recursos humanos e assume-se como um
obstáculo aos anunciados planos de expansão da oferta. Além do reforço da frota
de autocarros e de eléctricos, a contratação de tripulantes foi uma das
principais apostas elencadas pela administração e pela Câmara Municipal de
Lisboa (CML), desde que esta reassumiu o controlo da transportadora, há cerca
de um ano. Para este ano, está prevista a entrada de 250 motoristas e, para
alcançar tal meta, a empresa lançou uma grande operação de busca de potenciais
condutores, que inclui agora também uma campanha de comunicação.
O problema é de
tal dimensão que levou mesmo o vereador da Mobilidade, Miguel Gaspar, a pedir
ajuda aos membros da Assembleia Municipal de Lisboa (AML), durante uma audição
realizada perante os deputados da comissão de transportes e mobilidade daquele
órgão, na semana passada. Um desabafo que contrasta com o optimismo do
presidente da câmara, durante a sessão plenária desta terça-feira (6 de março),
na qual garantia o cumprimento da meta de contratação de duas centenas e meia
de motoristas durante 2018. “A Carris está a crescer, chegará ao final deste
ano com mais cinco milhões de passageiros. Mas também estamos a crescer na
oferta do serviço. Foram contratados 42 novos trabalhadores nos últimos três
meses, somando-se às muitas dezenas contratadas ao longo do ano passado”, disse
Fernando Medina, depois de interpelado sobre o problema por um deputado
municipal do PCP. Após recordar que, nos anos da troika, a empresa perdeu seis
centenas de funcionários, além de 100 autocarros, o autarca assegurou que,
“quando os novos autocarros chegarem, todos bonitos, vão ser conduzidos por
motoristas do serviço público”.
Declarações que
aumentam, ainda mais, a pressão sobre os responsáveis pelo espinhoso processo
de recrutamento. Questionada por O Corvo, a empresa municipal admite as
dificuldades. “A Carris tem verificado que muitos candidatos são excluídos nas
várias fases do processo, porque não revelam ter o perfil definido pela empresa
para o desempenho da função, sejam aptidões psicológicas ou físicas. Por outro
lado, existem também dificuldades associadas às exigências técnicas para o
desempenho da função (idade, habilitação legal para condução de veículos
pesados de passageiros e a carta de qualificação de motorista)”, explica a
transportadora, em resposta escrita, concluindo que “o mercado de profissionais
com tais habilitações tem vindo a revelar-se limitado”. “Muitas pessoas
procuram a Carris, para ingressar nestas profissões, mas não possuem os
requisitos exigidos para o efeito”, refere, revelando que, apesar dos
obstáculos, em 2017, conseguiu recrutar 102 tripulantes, entre motoristas e
guarda-freios.
Um cenário que
não surpreende Manuel Oliveira, do Sindicato Nacional dos Motoristas (SNM).
“Talvez muita gente não saiba, mas a Carris rege-se por padrões de exigência
muito elevados, muitas vezes acima dos das congéneres das maiores metrópoles
internacionais. Isto tem a ver com a especificidades da função, que não é para
qualquer um. Não estamos a transportar uma carga qualquer. Trata-se de levar
pessoas”, assegura a O Corvo o dirigente sindical, lamentando que as outras
empresas “não tenham o mesmo crivo”. Manuel Oliveira revela que uma parte
considerável dos aspirantes são recusados na fase dos exames psico-técnicos.
Mas não só. “Já existe gente relativamente jovem com os mais diversos problemas
de saúde, nomeadamente ao nível da coluna”. Questionado sobre a forma de
resolver o problema da falta de recursos humanos nesta área, diz ser preferível
encarar a situação como difícil e não afrouxar os níveis de exigência. “Isto
tem que ver com as competências de cada um e a formação que a empresa dá”, diz.
A companhia, por
seu lado, assevera que o processo de recrutamento de motoristas e de
guarda-freios de serviço público cumpre na íntegra a regulamentação definida
para a profissão: idade mínima de 24 anos; habilitações literárias mínimas ao
nível do 9º ano; Carta de condução da categoria
D; e Carta de Qualificação de Motorista (CQM), a qual depende da
obtenção de uma CAM – Certidão de Aptidão para Motorista. “Trata-se de
categorias profissionais exigentes e o processo de recrutamento está de acordo
com os níveis de rigor associados ao desempenho da função”, explica a mesma
nota escrita, dando conta que, ante as dificuldades em seleccionar tripulantes
de autocarro considerados aptos ao serviço, e mantendo as metas de contratação
definidas para o presente ano, a empresa tem redobrado os seus esforços. “A
Carris tem uma equipa dedicada, quase exclusivamente, a este processo de
recrutamento”, informa, dando conta que “diariamente, os esforços são
desenvolvidos no sentido de o otimizar, não descurando nunca os níveis de
exigência associados”.
Apesar dessa
garantia, a Carris teve de fazer concessões para conseguir “atingir os
objetivos definidos”. A empresa decidiu incluir no processo candidatos sem as
habilitações técnicas exigidas (Categoria D e CAM), “criando internamente as
condições para obtenção das mesmas”. Ou seja, passou a recorrer mais a formação
interna. “Esta possibilidade irá exigir um esforço adicional da empresa, quer
ao nível dos recursos a envolver, quer em termos de gestão de tempo, uma vez
que torna o processo mais moroso”, admite a empresa. Para além dessa aposta no
treino, a companhia anuncia que “tem ainda vindo a reforçar os seus canais de
divulgação do processo de recrutamento”, junto de várias escolas de condução, em
alguns jornais de elevada tiragem, sites de oferta de emprego, através do
Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), juntas de freguesia e no
interior dos próprios veículos. Na
madrugada desta quarta-feira (7 de março) foi, aliás, iniciada uma campanha de
comunicação de rua, com esse intuito.
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