sábado, 10 de março de 2018

Fracas aptidões dos candidatos travam recrutamento de motoristas pela Carris



Fracas aptidões dos candidatos travam recrutamento de motoristas pela Carris

Samuel Alemão
Texto
8 Março, 2018

Uma autêntica dor de cabeça. E, de certa forma, uma surpresa. A Carris está a ter uma enorme dificuldade em recrutar motoristas para a sua frota de autocarros. O problema, admitido a O Corvo pela empresa municipal, está relacionado com a inaptidão, física ou psicológica, detectada na maioria dos candidatos avaliados pelos responsáveis pelo departamento de recursos humanos e assume-se como um obstáculo aos anunciados planos de expansão da oferta. Além do reforço da frota de autocarros e de eléctricos, a contratação de tripulantes foi uma das principais apostas elencadas pela administração e pela Câmara Municipal de Lisboa (CML), desde que esta reassumiu o controlo da transportadora, há cerca de um ano. Para este ano, está prevista a entrada de 250 motoristas e, para alcançar tal meta, a empresa lançou uma grande operação de busca de potenciais condutores, que inclui agora também uma campanha de comunicação.
O problema é de tal dimensão que levou mesmo o vereador da Mobilidade, Miguel Gaspar, a pedir ajuda aos membros da Assembleia Municipal de Lisboa (AML), durante uma audição realizada perante os deputados da comissão de transportes e mobilidade daquele órgão, na semana passada. Um desabafo que contrasta com o optimismo do presidente da câmara, durante a sessão plenária desta terça-feira (6 de março), na qual garantia o cumprimento da meta de contratação de duas centenas e meia de motoristas durante 2018. “A Carris está a crescer, chegará ao final deste ano com mais cinco milhões de passageiros. Mas também estamos a crescer na oferta do serviço. Foram contratados 42 novos trabalhadores nos últimos três meses, somando-se às muitas dezenas contratadas ao longo do ano passado”, disse Fernando Medina, depois de interpelado sobre o problema por um deputado municipal do PCP. Após recordar que, nos anos da troika, a empresa perdeu seis centenas de funcionários, além de 100 autocarros, o autarca assegurou que, “quando os novos autocarros chegarem, todos bonitos, vão ser conduzidos por motoristas do serviço público”.
Declarações que aumentam, ainda mais, a pressão sobre os responsáveis pelo espinhoso processo de recrutamento. Questionada por O Corvo, a empresa municipal admite as dificuldades. “A Carris tem verificado que muitos candidatos são excluídos nas várias fases do processo, porque não revelam ter o perfil definido pela empresa para o desempenho da função, sejam aptidões psicológicas ou físicas. Por outro lado, existem também dificuldades associadas às exigências técnicas para o desempenho da função (idade, habilitação legal para condução de veículos pesados de passageiros e a carta de qualificação de motorista)”, explica a transportadora, em resposta escrita, concluindo que “o mercado de profissionais com tais habilitações tem vindo a revelar-se limitado”. “Muitas pessoas procuram a Carris, para ingressar nestas profissões, mas não possuem os requisitos exigidos para o efeito”, refere, revelando que, apesar dos obstáculos, em 2017, conseguiu recrutar 102 tripulantes, entre motoristas e guarda-freios.
Um cenário que não surpreende Manuel Oliveira, do Sindicato Nacional dos Motoristas (SNM). “Talvez muita gente não saiba, mas a Carris rege-se por padrões de exigência muito elevados, muitas vezes acima dos das congéneres das maiores metrópoles internacionais. Isto tem a ver com a especificidades da função, que não é para qualquer um. Não estamos a transportar uma carga qualquer. Trata-se de levar pessoas”, assegura a O Corvo o dirigente sindical, lamentando que as outras empresas “não tenham o mesmo crivo”. Manuel Oliveira revela que uma parte considerável dos aspirantes são recusados na fase dos exames psico-técnicos. Mas não só. “Já existe gente relativamente jovem com os mais diversos problemas de saúde, nomeadamente ao nível da coluna”. Questionado sobre a forma de resolver o problema da falta de recursos humanos nesta área, diz ser preferível encarar a situação como difícil e não afrouxar os níveis de exigência. “Isto tem que ver com as competências de cada um e a formação que a empresa dá”, diz.
A companhia, por seu lado, assevera que o processo de recrutamento de motoristas e de guarda-freios de serviço público cumpre na íntegra a regulamentação definida para a profissão: idade mínima de 24 anos; habilitações literárias mínimas ao nível do 9º ano; Carta de condução da categoria  D; e Carta de Qualificação de Motorista (CQM), a qual depende da obtenção de uma CAM – Certidão de Aptidão para Motorista. “Trata-se de categorias profissionais exigentes e o processo de recrutamento está de acordo com os níveis de rigor associados ao desempenho da função”, explica a mesma nota escrita, dando conta que, ante as dificuldades em seleccionar tripulantes de autocarro considerados aptos ao serviço, e mantendo as metas de contratação definidas para o presente ano, a empresa tem redobrado os seus esforços. “A Carris tem uma equipa dedicada, quase exclusivamente, a este processo de recrutamento”, informa, dando conta que “diariamente, os esforços são desenvolvidos no sentido de o otimizar, não descurando nunca os níveis de exigência associados”.
Apesar dessa garantia, a Carris teve de fazer concessões para conseguir “atingir os objetivos definidos”. A empresa decidiu incluir no processo candidatos sem as habilitações técnicas exigidas (Categoria D e CAM), “criando internamente as condições para obtenção das mesmas”. Ou seja, passou a recorrer mais a formação interna. “Esta possibilidade irá exigir um esforço adicional da empresa, quer ao nível dos recursos a envolver, quer em termos de gestão de tempo, uma vez que torna o processo mais moroso”, admite a empresa. Para além dessa aposta no treino, a companhia anuncia que “tem ainda vindo a reforçar os seus canais de divulgação do processo de recrutamento”, junto de várias escolas de condução, em alguns jornais de elevada tiragem, sites de oferta de emprego, através do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), juntas de freguesia e no interior dos  próprios veículos. Na madrugada desta quarta-feira (7 de março) foi, aliás, iniciada uma campanha de comunicação de rua, com esse intuito.

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