Os ciclos eleitorais
e as obras em Lisboa
Helena Garrido
14/7/2016,
OBSERVADOR
Obras pelo país
quando se aproximam as autárquicas é algo que todos já conhecemos.
Nas democracias desenvolvidas esta gestão política tem cada vez
menos efeitos. Porque há regras e responsabilização.
A cidade de Lisboa
está em obras. Na avenida Infante Dom Henrique, perto do Parque das
Nações, na 24 de Julho, na zona do Campo das Cebolas, no Cais do
Sodré, no eixo central que vai do Marquês de Pombal a Entrecampos
assim como em algumas ruas laterais. E aguardam-se para breve as
obras na Segunda Circular.
Nem quando se fez o
túnel do Marquês nem quando o Terreiro do Paço esteve durante anos
em obras se assistiu a um número tão elevado de obras na cidade,
todas ao mesmo tempo.
Todas as cidades
precisam obviamente de ser modernizadas e adaptadas a novos hábitos.
Mesmo que algumas obras nos pareçam incompreensíveis, nomeadamente
porque há casos em que só vemos lancis, a Câmara Municipal de
Lisboa saberá com certeza o que está a fazer. Terá com certeza
consciência dos problemas que está a causar à vida diária de quem
tem de andar pela cidade, assim como a experiência que está a
oferecer aos turistas que alimentam o único sector em crescimento no
país e que amorteceu a crise.
Poderíamos dar
muitos outros exemplos de trabalhos que podiam ser desenvolvidos na
cidade, como manter o que existe, que vai desde o pormenor de manter
os relógios a funcionar até limpar as ervas e tapar buracos em
algumas ruas menos visíveis. Ou ainda concluir a interminável obra
do Areeiro. Mas o que o caso de Lisboa leva a reflectir é sobre um
tema há muito estudado pelos economistas: a gestão política de
ciclos eleitorais. As obras coincidem com a aproximação de eleições
autárquicas.
Em Portugal, um dos
trabalhos pioneiros nesta matéria é Ciclos políticos na economia
portuguesa, da autoria de Manuel Maria Agria. A pergunta que formula
é: “Quais os governos que conseguem resistir e não ceder à
tentação de manipular a economia para captarem, a seu favor, os
votos dos eleitores?”.
Para responder à
questão, Agria usa o investimento público em construção
verificando um aumento em “épocas pré-eleitorais” a que se
segue um retrocesso. Uma regularidade que se verifica em qualquer
Governo, ou seja, “é independente das opções ideológicas” do
governo em funções.
Para as autarquias,
existe um trabalho de 2014, da autoria de Linda Gonçalves Veiga e
Francisco José Veiga da Universidade do Minho, Determinants of
Portuguese local governments’ indebtedness. Concluem os autores que
o défice e a dívida aumentam no ano em que há eleições e em
menor dimensão um ano antes. E verificam igualmente que este tipo de
comportamento é basicamente o mesmo seja qual for o partido.
O estudo da gestão
política de ciclos eleitorais tem a sua origem nos anos 70 do século
XX, com um dos trabalhos mais citados de William Nordhaus. Todos
concluíram, com as mais diversas variáveis, que os políticos
usavam as ferramentas que afectavam a economia para ganharem
eleições.
A manipulação da
economia para ganhar votos traduzia-se em custos, nomeadamente com um
crescimento inferior ao que seria possível se os políticos não
actuassem dessa forma. Veja-se o caso de Lisboa e amplie-se para um
país. Se forem contabilizados todos os custos – não apenas os
financeiros, como o esforço da autarquia e das empresas, mas também
os económicos associados, por exemplo, à perda de tempo que causam
aos cidadãos –, a reprodução do investimento em rendimento seria
maior.
No caso dos países,
o mais frequente era baixar as taxas de juro, aumentar os salários
da função pública e reduzir impostos quando se aproximavam as
eleições. Mesmo que não fosse essa a terapia exigida pela
conjuntura económica da altura. O resultado era que a seguir às
eleições tinha de se desfazer o que se tinha feito, com custos para
o crescimento.
Foi a constatação
desses efeitos nefastos para a economia que levou os próprio
políticos a aceitarem, nas democracias mais avançadas, “atar as
suas mãos” na política monetária, dando independência aos
bancos centrais para a definição das taxas de juro. Em Portugal só
na década de 90, e com o objectivo de aderir ao euro, é que a taxa
de juro deixou de ser definida pelo Governo. E quer a taxa de câmbio
como os juros e os salários da função pública foram usados pelos
governos de Aníbal Cavaco Silva na década de 80 do século XX para
ganhar eleições.
As regras para as
finanças públicas na Zona Euro são em parte explicadas por essa
necessidade de “atar as mãos dos políticos” garantindo maior
estabilidade das políticas económicas.
O que todas essas
regras conseguiram fazer foi limitar o raio de acção da gestão
política de ciclos eleitorais. Os políticos têm menos ferramentas
para manipularem a economia, mas ainda ao fazem. Em Portugal,
assistimos à descida da taxa do IVA no final do primeiro Governo de
José Sócrates, quando tudo recomendava o contrário. E mais
recentemente temos visto um conjunto de políticas que são
contrárias àquilo que recomenda a conjuntura financeira.
E os eleitores não
aprendem? Os estudos mais recentes dizem que sim, que nas democracias
mais desenvolvidas a gestão económica dos ciclos eleitorais tem
menos efeitos, quer no sentido positivo como negativo. Neste
trabalho, por exemplo, conclui-se que, em países mais desenvolvidos,
as empresas adiam menos investimentos por causa das eleições e as
políticas dos governos para aumentar o consumo têm menos efeitos
expansionistas.
Podem os políticos
ter ganhos eleitorais manipulando a situação económica? Ou podem
os autarcas ganhar eleições com obras públicas? A resposta é sim.
Mas esse “sim” é tanto mais significativo quanto menos
desenvolvida for uma democracia.
É na assimetria da
informação que está o segredo do sucesso dos políticos que fazem
gestão de ciclos eleitorais, ou seja, é no facto de os eleitores
não anteciparem o que vão pagar, depois, pelo que lhes estão a dar
agora. Em Lisboa, também não sabemos o que vamos pagar a prazo com
tantas obras. Como não sabemos quanto nos podem custar as políticas
económicas que hoje estão a ser adoptadas pelo Governo. Tudo acaba
por desaguar em dois pilares fundamentais de uma democracia
desenvolvida: na informação que garante escolhas informadas e em
instituições fortes que garantam a responsabilização. Porque os
políticos têm e terão sempre como objectivo manter o poder. A
factura que a sociedade paga para os políticos atingirem esse
objectivo depende da própria sociedade.
Sem comentários:
Enviar um comentário