segunda-feira, 11 de julho de 2016

Durão Barroso e a sua má decisão / Dez ideias para ajudar Passos a pensar sobre a decisão de Barroso

EDITORIAL / PÚBLICO
Durão Barroso e a sua má decisão
11/07/2016 – PÚBLICO

Durante dez anos foi líder da União Europeia. Tinha muitas formas de se reinventar. Escolheu a pior.

A decisão de Durão Barroso de aceitar o convite do Goldman Sachs foi muito criticada, mas o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho disse que tem “alguma dificuldade em compreender as críticas”.

E, no entanto, são de fácil compreensão. Não é preciso ir à sede do PCP procurar argumentos. Pode começar-se por ouvir banqueiros, altos funcionários da União Europeia, políticos europeus ou diplomatas.

A principal razão é o facto de o Goldman Sachs não ser um banco qualquer. É o gigante da banca de investimento que mais directamente pode ser responsabilizado pela sobrevalorização dos activos e permanente fuga para a frente que nos levou à crise, e que foi durante anos apresentado como o banco bom para “maquilhar contas públicas”. É acusado de o ter feito para a Grécia. É um banco com um braço político, que aconselhou tanto empresas como Estados (e mal). É mais do que um banco com má reputação.

Em sua defesa, sublinha-se que Durão Barroso cumpriu todas as regras, mas todos sabemos que os 18 meses de cooling-off — ou luto — impostos pela União Europeia (que Barroso cumpriu) já são considerados insuficientes. A tendência hoje é exigir intervalos mais longos — no Canadá já são de cinco anos para os ministros. A prática mostra que quanto mais rápida é a passagem pela “porta giratória” que separa o público do privado, mais provável é o ex-governante poder influenciar os processos de decisão em benefício do novo patrão.

Não podemos ignorar que uma “transferência milionária” e quase directa como esta destrói o romantismo que ainda possa subsistir quando olhamos para os líderes europeus como políticos que defendem a coisa pública e a força europeia acima de qualquer outro interesse. A decisão de Barroso demonstra uma enorme insensibilidade política. Não se pede a Barroso que se sacrifique pela Europa, mas era escusado contribuir para prejudicar ainda mais a sua imagem.

Não podemos ficar reféns do que Marine Le Pen pensa, mas não é muito esperar que quem liderou a Comissão Europeia durante dez anos prossiga o seu caminho em defesa da Europa.

O Goldman Sachs disse que Barroso vai contribuir com a sua “capacidade de avaliação e aconselhamento” e, em alguns sectores, há a esperança de que, como chairman, consiga “melhorar” o banco. É uma utopia pensar que isso vai acontecer quando sabemos que, depois destes anos de crise, tantas coisas estão mais ou menos na mesma. Durão Barroso vale pela poderosa agenda de contactos que estabeleceu nestes anos e esses contactos são úteis agora — não daqui a cinco anos. Como chairman, terá uma função sobretudo política, de alguém que vai ajudar a abrir portas.

Durão Barroso não violou nenhuma regra, mas a sua decisão expõe de forma flagrante a necessidade de as regras mudarem. Essa é a única boa notícia desta notícia.

A outra boa notícia da semana todos sabemos: ganhámos o Europeu! Parabéns à equipa.


Dez ideias para ajudar Passos a pensar sobre a decisão de Barroso
BÁRBARA REIS 11/07/2016 / PÚBLICO

A decisão de Durão Barroso de aceitar o convite do Goldman Sachs foi muito criticada, mas Pedro Passos Coelho disse que tem “alguma dificuldade em compreender as críticas”. Aqui vai uma pequena ajuda.

1. É uma má ideia porque o Goldman Sachs não é um banco qualquer. É o gigante da banca de investimento que mais directamente pode ser responsabilizado pela sobrevalorização dos activos e permanente fuga para a frente que nos levou à crise, e que foi durante anos apresentado como o banco capaz de “maquilhar contas públicas”. É acusado de o ter feito para a Grécia. Quando chegou a São Bento, o próprio Barroso terá sido aconselhado por Silvio Berlusconi a usar esses “serviços” (que ignorou). É um banco com um braço político, que aconselhou empresas e Estados (e mal). É mais do que um banco com má reputação.

2. É má ideia porque Barroso sabe que os 18 meses de cooling-off — ou luto — impostos pela União Europeia (que Barroso cumpriu) já são considerados insuficientes. A tendência é impôr intervalos cada vez mais longos — no Canadá exigem-se cinco anos para os ministros. A prática mostra que quanto mais rápida é a passagem pela "porta giratória” que separa o público do privado, mais provável é o ex-governante influenciar os processos de decisão em benefício do novo patrão. Daqui a cinco anos, a agenda de contactos de Barroso não seria muito útil ao Goldman Sachs.

3. É uma má ideia porque, sendo legítimo prosseguir a vida profissional depois de deixar um cargo de poder, há muitas formas de os ex-líderes se reinventarem. Como as fundações, os think tanks, a academia ou as Nações Unidos. Não é preciso ser-se secretário-geral da ONU. Jorge Sampaio tinha 66 anos quando saiu de Belém e foi nomeado Enviado Especial da ONU para a Luta contra a Tuberculose e a seguir Alto Representante para a Aliança das Civilizações. Barroso não é o primeiro ex-presidente da Comissão Europeia a ir para a banca (houve três), mas é o único a fazê-lo directamente.

4. É má ideia porque, sendo legítimo querer ganhar muito bem, há inúmeras opções clássicas e indolores. Uma delas é a “carreira” das conferências. Hillary Clinton recebeu do Goldman Sachs 675 mil euros por apenas três discursos. Juntos, Hillary e o marido, o ex-Presidente dos EUA, ganharam 153 milhões de dólares nos últimos 15 anos só com discursos: fizeram 729. Num único, Bill Clinton recebeu meio milhão de dólares, noticiou há uns meses o Wall Street Journal. Barroso está noutro patamar de honorários e não teria dez anos de convites à sua frente. Mas beneficia — e bem — de uma pensão confortável paga pela União Europeia e esse seria um cooling-off inatacável sob o ponto de vista ético.

5. Catarina Martins diz que a decisão “envergonha o país”, mas isso não é verdade. Quando muito, envergonha-o a si próprio. Esta é uma questão de ética individual e é má ideia também por isso.

6. É má ideia porque uma “transferência milionária” e directa como esta destrói o romantismo que ainda possa subsistir quando olhamos para os líderes europeus como políticos que defendem a coisa pública e a força europeia acima de qualquer outro interesse ou valor.

7. É má ideia porque revela uma enorme insensibilidade política. Não se pede a Barroso que se sacrifique pela Europa, mas era escusado ser o próprio "senhor Europa" a contribuir para prejudicar (ainda mais) a imagem da União.

8. É má ideia porque, se não podemos ficar reféns do que Marine Le Pen e os populistas anti-europeus pensam, não é querer muito pedir que quem liderou a Comissão Europeia durante dez anos prossiga o seu caminho de forma coerente, em defesa da Europa. Não é difícil pensar em traição do ideal europeu, por místico que isso possa soar.

9. É má ideia porque é uma utopia acreditar que, como chairman, Barroso vai “moralizar” ou “melhorar” o Goldman Sachs e a banca de investimentos. Barroso vai ajudar o banco a “dar uma palavrinha” aos líderes de todo o mundo, do modo informal que nestas coisas sabemos ser o preferido de todos — e provavelmente o mais eficaz.


10. Durão Barroso não violou nenhuma regra. A sua decisão expõe no entanto, de forma flagrante, a necessidade de as regras mudarem. Essa é a única boa notícia desta notícia.

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