quinta-feira, 4 de junho de 2015

São mais as semelhanças do que as diferenças / Teresa de Sousa


São mais as semelhanças do que as diferenças

A crise dividiuos, mas PS e PSD mantêm uma visão estratégica comum: a condição europeia continua a ser a melhor opção para Portugal

Teresa de Sousa / 5-6-2015 / PÚBLICO

1.A Europa foi a força motriz da democratização do país e da sua modernização, uma espécie de “programa comum” que separou as águas entre os partidos que defendiam uma democracia liberal e europeia e os outros. Portugal aderiu em 1986, depois de um longo processo negocial que não sofreu rupturas com a alternância no poder. A Europa é, porventura, a área em que um compromisso entre os dois maiores partidos é mais importante. E aparentemente mais fácil. A crise europeia dividiu-os. A fase do pós-crise volta a uni-los nas propostas que fazem para o reforço da integração da zona euro, incluindo a “europeização” das soluções para responder aos choques assimétricos e ao défice de competitividade. O que há em comum a ambos é a mesma visão estratégica: a nossa condição europeia continua a ser a melhor opção.
Há uma semana, Pedro Passos Coelho enviou para Bruxelas a contribuição do Governo para uma nova arquitectura da zona euro, que reponha “a confiança e a convergência”. O documento traduz uma visão ambiciosa que defende a criação de instrumentos comuns para impulsionar a convergência económica, garantir a ajuda financeira aos países que sofram choques assimétricos em futuras crises, facilitar o financiamento das reformas estruturais cujos custos são social e economicamente dolorosos no curto prazo (ver PÚBLICO de 30 de Maio). A grande diferença é que a política europeia do PS (preparadas sob orientação de António Vitorino e Maria João Rodrigues) vem na continuidade do que sempre defendeu (mesmo que seja preciso reconhecer que é mais fácil fazê-lo na oposição). Pelo contrário, o documento de Passos representa uma ruptura com quase tudo o que disse nos anos da troika. Passou da fase da “culpa é toda nossa” (ou melhor, do PS), para a defesa de uma “partilha de responsabilidade” e de soluções que têm de ser europeias.
2. Ontem, foi a vez de o PS divulgar a sua visão para a Europa, colocando igualmente a convergência real como o primeiro objectivo das reformas da zona euro. Defende, como o Governo, a rápida conclusão da União Bancária, nomeadamente quanto ao fundo de resolução da banca (o caso BES foi uma espécie de ensaio geral) e a garantia comum dos depósitos. Separar o risco-país do risco bancário é uma das grandes conclusões que os dois partidos tiraram desta crise. Como o Governo, o PS defende a necessidade de uma “capacidade orçamental” da zona euro, financiada por recursos próprios (e não pelas contribuições nacionais), de forma a garantir que o impacte económico e social de crises futuras será respondido a nível europeu e que as políticas de convergência económica serão financiadas igualmente a nível europeu, mesmo que em função dos resultados devidamente quantificados. O programa eleitoral deixa cair a mutualização da dívida, incluindo o recurso a eurobonds, e não têm qualquer referência à reestruturação da dívida. Defende uma leitura “inteligente” do Tratado Orçamental (que hoje praticamente ninguém põe em causa), com a flexibilidade suficiente para se adaptar aos ciclos económicos. E, tal como o documento de Passos, embora de forma mais explícita, lembra que os desequilíbrios macroeconómicos que continuam a prevalecer na zona euro entre os países com défice e os países com superavit devem ser corrigidos. Ou seja, os que podem, devem adoptar políticas mais expansionistas, como está escrito no Tratado Orçamental, de forma a ajudar os que não podem a melhorar o crescimento económico. A ideia tem sido rebatida por Berlim. O ponto de partida também é comum: os dois programas defendem que a posição orçamental da Europa como um todo deve ser levada em conta na posição orçamental de cada país.
3. Há, no entanto, diferenças quanto às reformas necessárias para colmatar o défice de competitividade da economia, porventura o maior problema que o país enfrenta. Admitindo o reforço da coordenação económica em Bruxelas, o PS entende que essas reformas têm de ser negociadas a partir das circunstâncias específicas de cada país e não segundo um modelo único imposto a realidades completamente distintas. Até agora, esse modelo foi de inspiração alemã. O programa considera que as reformas não implicam apenas ou essencialmente a redução dos direitos laborais, as privatizações em sectores estratégicos e a diminuição dos direitos sociais. Propõe para reduzir o défice de competitividade da economia portuguesa cinco áreas: correcção do défice histórico de qualificações; modernização do Estado; renovação urbana e eficiência energética; inovação empresarial; desalavancagem do tecido económico (ainda descapitalizado e endividado). E faz um aviso: se não houver formas de harmonização fiscal e social, o dumping está a conduzir a “uma corrida para o fundo no financiamento do modelo social europeu”, com as consequências que isso terá. Uma das críticas socialistas ao Governo foi precisamente que a competitividade não se ganha com a redução do custo do trabalho ou com os cortes sociais, pela simples razão de que não é sustentável a médio e longo prazo.
O Governo não refere o papel do BCE, que foi fundamental para impedir a implosão do euro e, mais recentemente, para estimular o crescimento. O PS, sem defender uma mudança de estatuto do BCE, tarefa impossível sem mexer nos tratados, defende uma interpretação ampla das suas competências, nomeadamente enquanto financiador de último recurso, papel decisivo para a confiança dos mercados no euro como um todo.


O documento do Governo apenas fala da governação do euro. O programa do PS faz uma abordagem global dos desafios europeus, incluindo os seus desafios externos. Defende um país que seja capaz de tirar partido da globalização e não hesita em defender a rápida conclusão do TTIP (Parceria Transatlântica para o Comércio e o Investimento), o que deixará muitos socialistas descontentes. Não é difícil concluir que são mais as semelhanças do que as diferenças na política europeia dos dois principais partidos portugueses. Por uma razão simples: a Europa condiciona os programas do PS e da coligação da primeira à última página. É este património que é preciso preservar.

Sem comentários: