São
mais as semelhanças do que as diferenças
A
crise dividiuos, mas PS e PSD mantêm uma visão estratégica comum:
a condição europeia continua a ser a melhor opção para Portugal
Teresa de Sousa /
5-6-2015 / PÚBLICO
1.A Europa foi a
força motriz da democratização do país e da sua modernização,
uma espécie de “programa comum” que separou as águas entre os
partidos que defendiam uma democracia liberal e europeia e os outros.
Portugal aderiu em 1986, depois de um longo processo negocial que não
sofreu rupturas com a alternância no poder. A Europa é, porventura,
a área em que um compromisso entre os dois maiores partidos é mais
importante. E aparentemente mais fácil. A crise europeia dividiu-os.
A fase do pós-crise volta a uni-los nas propostas que fazem para o
reforço da integração da zona euro, incluindo a “europeização”
das soluções para responder aos choques assimétricos e ao défice
de competitividade. O que há em comum a ambos é a mesma visão
estratégica: a nossa condição europeia continua a ser a melhor
opção.
Há uma semana,
Pedro Passos Coelho enviou para Bruxelas a contribuição do Governo
para uma nova arquitectura da zona euro, que reponha “a confiança
e a convergência”. O documento traduz uma visão ambiciosa que
defende a criação de instrumentos comuns para impulsionar a
convergência económica, garantir a ajuda financeira aos países que
sofram choques assimétricos em futuras crises, facilitar o
financiamento das reformas estruturais cujos custos são social e
economicamente dolorosos no curto prazo (ver PÚBLICO de 30 de Maio).
A grande diferença é que a política europeia do PS (preparadas sob
orientação de António Vitorino e Maria João Rodrigues) vem na
continuidade do que sempre defendeu (mesmo que seja preciso
reconhecer que é mais fácil fazê-lo na oposição). Pelo
contrário, o documento de Passos representa uma ruptura com quase
tudo o que disse nos anos da troika. Passou da fase da “culpa é
toda nossa” (ou melhor, do PS), para a defesa de uma “partilha de
responsabilidade” e de soluções que têm de ser europeias.
2. Ontem, foi a vez
de o PS divulgar a sua visão para a Europa, colocando igualmente a
convergência real como o primeiro objectivo das reformas da zona
euro. Defende, como o Governo, a rápida conclusão da União
Bancária, nomeadamente quanto ao fundo de resolução da banca (o
caso BES foi uma espécie de ensaio geral) e a garantia comum dos
depósitos. Separar o risco-país do risco bancário é uma das
grandes conclusões que os dois partidos tiraram desta crise. Como o
Governo, o PS defende a necessidade de uma “capacidade orçamental”
da zona euro, financiada por recursos próprios (e não pelas
contribuições nacionais), de forma a garantir que o impacte
económico e social de crises futuras será respondido a nível
europeu e que as políticas de convergência económica serão
financiadas igualmente a nível europeu, mesmo que em função dos
resultados devidamente quantificados. O programa eleitoral deixa cair
a mutualização da dívida, incluindo o recurso a eurobonds, e não
têm qualquer referência à reestruturação da dívida. Defende uma
leitura “inteligente” do Tratado Orçamental (que hoje
praticamente ninguém põe em causa), com a flexibilidade suficiente
para se adaptar aos ciclos económicos. E, tal como o documento de
Passos, embora de forma mais explícita, lembra que os desequilíbrios
macroeconómicos que continuam a prevalecer na zona euro entre os
países com défice e os países com superavit devem ser corrigidos.
Ou seja, os que podem, devem adoptar políticas mais expansionistas,
como está escrito no Tratado Orçamental, de forma a ajudar os que
não podem a melhorar o crescimento económico. A ideia tem sido
rebatida por Berlim. O ponto de partida também é comum: os dois
programas defendem que a posição orçamental da Europa como um todo
deve ser levada em conta na posição orçamental de cada país.
3. Há, no entanto,
diferenças quanto às reformas necessárias para colmatar o défice
de competitividade da economia, porventura o maior problema que o
país enfrenta. Admitindo o reforço da coordenação económica em
Bruxelas, o PS entende que essas reformas têm de ser negociadas a
partir das circunstâncias específicas de cada país e não segundo
um modelo único imposto a realidades completamente distintas. Até
agora, esse modelo foi de inspiração alemã. O programa considera
que as reformas não implicam apenas ou essencialmente a redução
dos direitos laborais, as privatizações em sectores estratégicos e
a diminuição dos direitos sociais. Propõe para reduzir o défice
de competitividade da economia portuguesa cinco áreas: correcção
do défice histórico de qualificações; modernização do Estado;
renovação urbana e eficiência energética; inovação empresarial;
desalavancagem do tecido económico (ainda descapitalizado e
endividado). E faz um aviso: se não houver formas de harmonização
fiscal e social, o dumping está a conduzir a “uma corrida para o
fundo no financiamento do modelo social europeu”, com as
consequências que isso terá. Uma das críticas socialistas ao
Governo foi precisamente que a competitividade não se ganha com a
redução do custo do trabalho ou com os cortes sociais, pela simples
razão de que não é sustentável a médio e longo prazo.
O Governo não
refere o papel do BCE, que foi fundamental para impedir a implosão
do euro e, mais recentemente, para estimular o crescimento. O PS, sem
defender uma mudança de estatuto do BCE, tarefa impossível sem
mexer nos tratados, defende uma interpretação ampla das suas
competências, nomeadamente enquanto financiador de último recurso,
papel decisivo para a confiança dos mercados no euro como um todo.
O documento do
Governo apenas fala da governação do euro. O programa do PS faz uma
abordagem global dos desafios europeus, incluindo os seus desafios
externos. Defende um país que seja capaz de tirar partido da
globalização e não hesita em defender a rápida conclusão do TTIP
(Parceria Transatlântica para o Comércio e o Investimento), o que
deixará muitos socialistas descontentes. Não é difícil concluir
que são mais as semelhanças do que as diferenças na política
europeia dos dois principais partidos portugueses. Por uma razão
simples: a Europa condiciona os programas do PS e da coligação da
primeira à última página. É este património que é preciso
preservar.
Sem comentários:
Enviar um comentário