quarta-feira, 4 de março de 2020

Autarcas não acreditam no “milagre” do consenso no Montijo



AEROPORTO DO MONTIJO
Autarca da Moita: “Se não mudarem as circunstâncias, não muda a nossa posição”
Presidente da Câmara da Moita, de maioria CDU, foi o primeiro autarca da Margem Sul a reunir-se nesta manhã com o primeiro-ministro sobre o aeroporto no Montijo.

Liliana Borges
Liliana Borges 4 de Março de 2020, 11:49

“Vamos continuar a conversar.” Foi sem pormenores que terminou a reunião do Governo com o autarca comunista da Moita, que ameaça “vetar” a construção do novo aeroporto no Montijo. “Não está em causa um processo de inversão da nossa posição”, declarou Rui Garcia, o primeiro dos autarcas da Margem Sul a ser ouvido na ronda de encontros com o primeiro-ministro, António Costa, desta quarta-feira. Para já, fica tudo igual. “Se não mudarem as circunstâncias, não muda a nossa posição”, declarou à saída da primeira reunião do dia.

As reuniões agendadas pelo Governo para esta manhã visam negociar a posição do presidente da câmara da Moita, Rui Garcia, e do presidente da câmara do Seixal, Joaquim Santos. Os dois autarcas comunistas estão contra a construção do aeroporto do Montijo, o que bloqueia o avanço da instalação da infra-estrutura, uma vez que a lei prevê que a obra só possa avançar se reunir o parecer favorável de todos os municípios afectados.

Desta reunião com o autarca da Moita terá resultado apenas o agendamento para um novo encontro, marcado para a segunda quinzena de Março. Rui Garcia quis afastar de si a responsabilidade do bloqueio, vincando que a sua posição se baseia no estudo sobre “o vasto conjunto de consequências” que a construção do aeroporto trará para a região. “Precisamos de deixar muito claro que as nossas razões para darmos um parecer negativo são fundamentadas em relatórios sobre os impactos da localização para a população”, declarou Rui Garcia, que durou aproximadamente 45 minutos.

Ao PÚBLICO, ainda antes do encontro com António Costa, o autarca comunista, que é também presidente da Associação de Municípios da Região de Setúbal, garantiu que não estava disposto a negociar contrapartidas. À saída do encontro, o presidente da câmara da Moita afirmou que continua, para já, a defender a construção no Campo de Tiro de Alcochete (CTA).

Rui Garcia considerou que este foi um encontro mais político e que a próxima reunião deverá ser mais técnica. No entanto, não adianta detalhes sobre o que espera ouvir no próximo encontro.

Na semana passada, também o presidente da Câmara do Seixal, o comunista Joaquim Santos, apontava que, até hoje, não tinha existido nenhum encontro formal com o Governo. Para o autarca, essa alteração dessas circunstâncias foi interpretado como sinal de que havia por parte do António Costa uma abertura para diálogo.


Joaquim Santos afirma não compreender a “insistência” na construção da infra-estrutura no Montijo, “quando os estudos dizem que Alcochete é melhor”. “O senhor primeiro-ministro, quando era presidente da Câmara de Lisboa e quando estava no governo de José Sócrates, concordava com a opção Alcochete. Agora, como primeiro-ministro, decide ao contrário. Há-de haver uma razão forte”, considerou o autarca do Seixal, em declarações ao PÚBLICO, na véspera da reunião.


“Não tenho expectativa que, por milagre, saia uma solução para esta diferença de opiniões”, disse Rui Garcia ao PÚBLICO, na véspera do encontro. O comunista, que é também presidente da Associação de Municípios da Região de Setúbal, não vê forma de poder aceitar a instalação da infra-estrutura no Montijo.

AEROPORTO DO MONTIJO
Autarcas não acreditam no “milagre” do consenso no Montijo

Eleitos comunistas da Moita e Seixal elogiam iniciativa de António Costa e vão ao encontro com “postura de colaboração”, mas não descolam de Alcochete. Maior abertura mostram os socialistas do Montijo e Alcochete, que admitem equacionar o Campo de Tiro.

Francisco Alves Rito 4 de Março de 2020, 6:08

A expectativa dos autarcas da Margem Sul para a reunião desta manhã de quarta-feira com António Costa não passa por um “milagre” que permita o consenso sobre a construção do aeroporto no Montijo. Antes pelo contrário. Parecem mais receptivos os eleitos socialistas à possibilidade de a localização ser alterada para Alcochete do que os comunistas de desistirem do veto à actual opção.

Tanto Rui Garcia, presidente da Câmara da Moita, como Joaquim Santos, do Seixal, elogiam a decisão do primeiro-ministro de convocar os autarcas, mas mostram pouca esperança num acordo.

 “Não tenho expectativa que, por milagre, saia uma solução para esta diferença de opiniões”, disse Rui Garcia ao PÚBLICO, na véspera do encontro. O comunista, que é também presidente da Associação de Municípios da Região de Setúbal, não vê forma de poder aceitar a instalação da infra-estrutura no Montijo.

“Até ao momento não surgiu nenhum dado novo nesta equação. E se não há nada novo nesta equação, com que fundamento podemos nós alterar a nossa posição?”, questiona.

Joaquim Santos é ainda mais irredutível. “Espero que após a reunião se esteja a falar de Alcochete, em vez do Montijo”, atira. O presidente da autarquia do Seixal acrescenta que a reunião devia incluir os restantes autarcas da península de Setúbal e o de Benavente.

Como ponto prévio, espera que António Costa tenha uma “explicação preparada” sobre a preferência pela actual opção.

“Gostaria de saber por que razão o Governo insiste no Montijo quando os estudos dizem que Alcochete é melhor. O senhor primeiro-ministro, quando era presidente da Câmara de Lisboa e quando estava no governo de José Sócrates, concordava com a opção Alcochete. Agora, como primeiro-ministro, decide ao contrário. Há-de haver uma razão forte”, considera Joaquim Santos.

Ambos os autarcas comunistas afirmam, no entanto, encarar o encontro com uma “postura de colaboração” embora não deixem de “lamentar” que António Costa “tenha deixado passar todo o processo e que só agora esteja disponível para conversar com os municípios”.

Apesar de presidir à associação dos municípios, e de defender várias infra-estruturas para a península de Setúbal, Rui Garcia não admite a hipótese de negociar contrapartidas.

“Há vários investimentos necessários na região, como a Terceira Travessia sobre o Tejo, mas não podem estar dependentes de aeroporto no Montijo ou noutro local. Não tem a ver com contrapartidas, mas com ser de facto uma pior opção”, sustenta.

Sobre o apelo do primeiro-ministro ao bom senso, em nome do interesse nacional, os eleitos da Moita e Seixal devolvem o repto na mesma moeda.

“O bom-senso nunca é exclusivo ou atributo de ninguém em particular, é um dever de todos. Tem de apelar-se a todas as partes”, afirma Rui Garcia. “Os autarcas têm bom-senso, defendem o interesse nacional e o interesse das populações”, acrescenta Joaquim Santos, que deixa uma alfinetada: “Espero encontrar-me com um governo que defenda o interesse nacional e não o de uma multinacional”.

O presidente comunista só vislumbra um desfecho para a reunião marcada para as 10 horas de hoje, em S. Bento. “Se Alcochete é mais favorável, é reconhecer isso e avançar”, conclui.

Abertura socialista
Os autarcas socialistas, que vão estar em larga maioria nesta reunião com Costa, mostram-se menos irredutíveis nas suas posições, que são de parecer positivo ao projecto para o Montijo.

O autarca montijense até admite que o aeroporto seja em Alcochete.

“A nossa posição é que seja a sul do Tejo. Não estamos contra qualquer outra localização, desde que seja a sul do Tejo e que cumpra com o interesse nacional”, disse Nuno Canta ao PÚBLICO.

“O Montijo nunca bloqueou Alcochete. Sempre estivemos de acordo. Quando o Estado entendeu que era Alcochete, a Câmara do Montijo esteve ao lado dessa opção, quando a escolha passou a ser o Montijo, a Câmara do Montijo apoiou. Também estávamos de acordo com o Rio Frio, que é concelho de Palmela”, recorda.

Para o autarca socialista, “estamos numa fase em que é preciso que as pessoas tenham sentido do interesse nacional” e noção de que o financiamento disponível é para o Montijo.

“O acordo financeiro que existe é para esta localização. O que faz com que outras localizações tenham de ser suportadas integralmente pelo Orçamento do Estado. Esse é o grande bloqueio”, realça.

Nuno Canta espera, por isso, que a reunião sirva para “ultrapassar o impasse que existe na construção do aeroporto no Montijo” porque “já foi obtida a licença [ambiental], temos todos os passos dados e não há nada, em termos de estudos, que diga que esta não é uma boa solução para o país”. Até porque “qualquer localização terá impactes”.

O presidente da Câmara de Alcochete, que deu parecer positivo condicionado ao estudo de Impacte Ambiental para o Montijo, também não põe de parte a opção pelo Campo de Tiro de Alcochete (CTA) – cuja implantação é maioritariamente em território do concelho de Benavente – mas não se atreve a decidir sem ouvir a população.

“Quando concorri às eleições de 2017 não fui sufragado quanto a isso [localização do aeroporto no CTA]. Não fazia parte do meu programa. Terei de ouvir a população, de que sou representante. Se Alcochete tiver de decidir, a população tem de se pronunciar”, disse Fernando Pinto ao PÚBLICO.

O autarca do PS não esconde, no entanto, alguma preferência pessoal por um novo Aeroporto Internacional de Lisboa. “Devemos ter uma visão pombalista. Havendo possibilidades, devia ser construído um aeroporto de raiz, não havendo essa possibilidade temos de discutir a melhor localização, que pode ser Alcochete ou Montijo”, defende. E reconhece que o aeroporto é um “assunto controverso” no seu concelho.

Mais equidistante de ambas as localizações está o presidente da Câmara do Barreiro. O município deu parecer favorável ao projecto para o Montijo, pela importância que tem para o desenvolvimento da região. Segundo Frederico Rosa, a instalação da infra-estrutura aeroportuária na Margem Sul “pode ser fundamental, também pelas acessibilidades associadas”.

O eleito socialista sublinha que a “península Setúbal, estando na Área Metropolitana de Lisboa (AML), é sempre vista como uma região rica, que não é”.

Sobre a mudança de localização para Alcochete, o presidente da autarquia barreirense adianta-se pouco. “Mudar para Alcochete, indiferente nunca é. Mas não estamos a estudar Alcochete, o que estamos a apreciar é a localização no Montijo”, mantém.

Frederico Rosa “gostava que houvesse um consenso alargado”, embora esteja ciente que “total é difícil”.

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