Suspeita no
Tribunal da Relação “põe em causa um dos pilares do Estado de Direito”
Presidente do
Conselho Superior da Magistratura e do Supremo, Joaquim Piçarra, admite que
casos que envolvem pelo menos cinco juízes da Relação de Lisboa afectam a
credibilidade do sistema judicial.
Ana Henriques
Ana Henriques 3
de Março de 2020, 19:39
O presidente do
Conselho Superior da Magistratura (CSM), Joaquim Piçarra, admitiu esta
terça-feira em conferência de imprensa que a suspeita que, neste momento,
impende sobre as práticas seguidas no Tribunal da Relação de Lisboa “é de
gravidade extrema e põe em causa um dos pilares do Estado de Direito”, o da
Justiça.
As declarações
foram proferidas numa conferência de imprensa dada esta terça-feira na sede do
CSM, em Lisboa, após o fim do plenário do órgão colegial, composto por 17
membros, em que foi anunciada a instauração de procedimentos disciplinares a
três juízes da Relação de Lisboa, o presidente que se demitiu esta segunda-feira,
Orlando Nascimento, o seu antecessor, Vaz das Neves e um juiz da secção
criminal, Rui Gonçalves.
Piçarra acredita
que apesar de ter afectado a credibilidade do sistema judicial, este caso
serviu também, no seu entender, para mostrar que os mecanismos de controlo
também funcionam, uma vez que “as irregularidades foram detectadas”. O também
presidente do Supremo Tribunal de Justiça declarou-se surpreendido com o que se
descobriu até agora, e que diz ser inédito na justiça portuguesa: “Nunca me
passou pela cabeça que sucedesse algo de semelhante”.
Joaquim Piçarra
não foi totalmente claro sobre o que pode agora suceder ao ex-presidente do
Tribunal da Relação de Lisboa, Orlando Nascimento, - que se demitiu esta
segunda-feira - uma vez que não foi decidido, pelo menos por enquanto, uma
eventual suspensão preventiva de funções do magistrado. Apenas disse que caberá
à magistrada que ficou a assegurar a presidência do tribunal, a juíza Maria
Guilhermina Freitas, decidir se lhe entrega processos para julgar.
Porém, não é
líquido que este desembargador possa ficar sem serviço atribuído, enquanto
aguarda o desfecho do processo disciplinar. Se ele próprio não recorrer a uma
licença sem vencimento ou a uma baixa médica, a suspensão de funções apenas
pode ocorrer se o inspector encarregue do processo disciplinar sugerir esta
medida preventiva ao Conselho Superior da Magistratura – como ocorreu, aliás,
com o juiz Rui Rangel e a sua ainda mulher Fátima Galante, no âmbito da
Operação Lex. Dado que o inquérito disciplinar apenas foi aberto esta
terça-feira, não é expectável que isso possa suceder imediatamente.
“O Conselho
Superior da Magistratura está determinado a exercer as suas competências, doa a
quem doer”, declarou Joaquim Piçarra, explicando que até ele próprio está
sujeito ao mesmo tipo de escrutínio, caso sujam suspeitas sobre a sua pessoa.
Porém, assegurou, a generalidade dos juízes “são pessoas isentas, probas e
íntegras” – incluindo os magistrados da Relação de Lisboa.
Questionado sobre
a utilização do salão nobre deste tribunal para a realização de julgamentos
arbitrais, que são uma espécie de justiça privada, o presidente do Supremo
mostrou-se contrário a semelhante disponibilização: “Discordo. Nunca autorizei
– mas também nunca me foi pedido”, reagiu. É por via da participação do
ex-presidente da Relação, o juiz jubilado Vaz das Neves, neste tipo de
julgamentos, que lhe rendiam elevados montantes, que existem também suspeitas
de violação do dever de exclusividade. “Nada impede os juízes jubilados de exercer
arbitragem. Mas não podem ser remunerados”, disse Joaquim Piçarra.
No que diz
respeito às suspeitas que pairam sobre a justeza das decisões tomadas até hoje
pela Relação de Lisboa, o mesmo magistrado explica que quem se sentir lesado
pode sempre pedir a revisão extraordinária dos acórdãos e sentenças – um
mecanismo que é possível utilizar mesmo depois de os processos terem transitado
em julgado, ou seja, já não serem passíveis de recurso.
Segundo o
vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura, José Sousa Lameira, a
averiguação que este órgão tem em curso abrangeu os últimos dez anos de
funcionamento do Tribunal da Relação, num total de 90 mil processos. “E só
detectámos três casos” suspeitos, assegurou o juiz.
tp.ocilbup@seuqirnehba
Sem comentários:
Enviar um comentário