O
debate que era para ser sobre Sócrates, não o foi
O
tão "polémico" Prós e Contras da RTP, acabou por ficar
marcado pela troca de galhardetes entre Miguel Sousa Tavares e
Octávio Ribeiro, diretor do Correio da Manhã.
MIGUEL SANTOS /
15/9/2015, OBSERVADOR
A escolha do tema
para o programa “Prós e Contras” (RTP) – “Há ou não
partidarização e politização da justiça?” – deixou os
socialistas à beira de um ataque de nervos. Com a prisão de José
Sócrates na cabeça de todos e a frase de Paulo Rangel ainda ecoar
nos ouvidos dos intervenientes, o debate conduzido por Fátima Campos
Ferreira acabou por ficar marcado pela troca de galhardetes entre
Miguel Sousa Tavares e Octávio Ribeiro, diretor do Correio da Manhã
[CM]. “Aquilo a que pomposamente o Octávio chamou de investigação
jornalística do [CM] limita-se a receber as informações das
fontes“, atirou o primeiro. “Se tu nunca fizeste jornalismo de
investigação isso é um problema teu, se quiseres visitar o CM eu
mostro-te como se faz“, respondeu o segundo.
Na Fundação
Champalimaud, em Lisboa, a jornalista Fátima Campos Ferreira tomou a
palavra para lembrar que o “Prós e Contras” manteve sempre, ao
longo dos seu 13 anos de existência, “uma matriz independente” e
uma “forma de estar no jornalismo independente e séria” –
palavras que podem ser lidas como uma resposta às críticas de
vários socialistas, que chegaram a acusar a RTP de ter feito “uma
opção partidária” com o objetivo de “atacar o PS, maltratar os
seus militantes e provocar os seus votantes“.
A partir daí,
Miguel Sousa Tavares e Octávio Ribeiro roubaram o palco. O
jornalista começou por argumentar que “não há partidarização
da justiça”, mas que existem “duas coisas claras: a
judicialização da justiça e a politização da justiça de dentro
para fora”, acusando “os magistrados, enquanto corporações que
são”, de terem “uma agenda política própria” e de terem
“capturado o Estado”. E acrescentou: “A pior perversão do
Estado de Direito é a tentação de uma ‘República de Juízes’.
Entre as duas coisas há uma fronteira muito ténue: a fronteira é
os juízes deixarem de ser juízes e passarem a ser justiceiros“.
Pelo meio, o escritor denunciou aquilo que acredita ser uma relação
pouco saudável entre magistrados e jornalistas, referindo-se às
sucessivas violações do segredo de justiça.
Ora, Octávio
Ribeiro não gostou do que ouviu. O diretor do CM começou por
lembrar que “o jornalismo atinge os seus momentos mais nobres
quando investiga e trabalha à frente seja do que for” e que “o
segredo de justiça é um conceito contra-natura para o jornalista”,
que mantém o dever deontológico de informar sempre que tal se
revista de interesse público. Os argumentos não convenciam Miguel
Sousa Tavares e o diretor do Correio da Manhã partiu para o ataque:
se antes respeitava o escritor, deixou de o fazer depois de Sousa
Tavares ter caído numa “cegueira de fé em relação a José
Sócrates” e de se ter “enredado numa teia de compromissos” em
relação ao BES. “Tens ligações familiares [a Ricardo Salgado]”,
chegou a dizer Octávio Ribeiro.
O caldo estava
entornado e os outros intervenientes passaram quase a figurantes.
— “Aquilo que o
CM faz não é jornalismo. Isso é vender jornais”, dizia Sousa
Tavares.
— “Pode-te
incomodar o facto de José Sócrates ter um nível de vida que lhe
exigem 15 a 20 mil euros por mês“, respondia Octávio Ribeiro,
defendendo a investigação jornalística do CM – independente à
investigação judicial, insistia.
— “Não consigo
dormir“, ironizava Sousa Tavares, já depois de ter acusado Octávio
Ribeiro de ter uma relação privilegiada com a equipa de
investigação da Operação Marquês. “Aquilo a que pomposamente o
Octávio chamou de investigação jornalística do CM limita-se a
receber as informações das fontes. Quando toca o telefone do teu
gabinete [para divulgar dados da investigação] não são os
advogados de José Sócrates“.
— “Se tu nunca
fizeste jornalismo de investigação isso é um problema teu. Se
quiseres visitar o CM eu mostro-te como se faz. Se nunca deste uma
notícia, ainda estamos a tempo de corrigir isso”.
— “Não me
queres convidar para ser estagiário, pois não?”
— “Diz-me uma
notícia tua que mexeu com alguém neste país que tinha poder“,
atirava Octávio Ribeiro.
O debate acabou por
centrar-se, sobretudo, na “tabloidização da justiça”, com
Miguel Sousa Tavares a perguntar diretamente a Otávio Ribeiro se
gostaria de ser “filmado pela CMTV” a ser preso e com o diretor
do CM a admitir, a certa altura, que “havia uma casta de pessoas,
nomeadamente na área política mas também na financeira, que eram
pouco menos que intocáveis“.
O advogado Magalhães
e Silva, por sua vez, chegou mesmo a dizer que o “poder judicial
está refém da comunicação social naquilo que diz respeito à
administração da justiça”. Uma tese defendida, em parte, pelo
também advogado Paulo Farinha Alves, que lembrou que a “justiça
tem um tempo de resposta e de aplicação das suas reformas que não
é compatível com as exigências das redes sociais ou da comunicação
social”.
Nuno Garoupa,
jurista e professor Catedrático de Direito na Universidade de
Illinois, tentou centrar o debate. “Eu não vim aqui discutir
justiça e comunicação social“. E partiu para a sua análise:
estamos numa realidade em que as magistraturas não “são chamadas
a prestar contas” sobre as decisões que tomam. E que a classe
política está manietada, com receio de ser acusada de tentar
condicionar o sistema judicial. “Estamos numa situação em que os
partidos estão de tal forma condicionados por esta questão que
nenhum propõe qualquer reforma do Ministério Público”.
Uma posição
partilhada, de resto, por todos os intervenientes no debate, com
Elina Fraga, bastonária da Ordem dos Advogados, à cabeça. “Temos
assistido com alguma ausência total de debate às propostas sobre as
propostas dos diferentes partidos sobre a Justiça em Portugal. Falar
em justiça é um assunto tabu“, reforçava.
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