O
PS tem um problema com os media
JOÃO
MIGUEL TAVARES 15/09/2015 - 05:55
Silenciar
uma opinião constitui um roubo à humanidade.
Para
o Partido Socialista, debater é “atacar”. Debater é
“maltratar”. Debater é “provocar”.
Quem o diz é
Ascenso Simões: ao ser confrontado com a possibilidade de o
regressado Prós & Contras vir a debater a questão da
partidarização da justiça, o ex-director da campanha de António
Costa afirmou que, se a RTP não mudasse o tema programado para a
noite de ontem, ele seria obrigado a concluir que “a RTP fez uma
opção partidária, que nestas eleições optou por atacar o PS,
maltratar os seus militantes e provocar os seus votantes”.
Não foi o único.
João Galamba: “O director de informação da RTP, Paulo Dentinho,
só tem uma alternativa: demitir-se.” José Lello: “A RTP está
ao serviço da campanha do PSD/CDS.” Edite Estrela: “É uma piada
de mau gosto.” Isabel Moreira: “A RTP é prostituída e o
director de informação vai continuar em funções?” Este coro de
antigos e actuais socráticos não fala assim por acaso: é
precisamente este o género de relacionamento com a comunicação
social que foram cultivando ao longo dos anos, e só temos de lhes
agradecer por fazerem o favor de nos lembrar disso em véspera de
eleições.
O próprio António
Costa já demonstrou em mais do que uma ocasião que convive mal com
um certo tipo de perguntas. Ainda na semana passada, ao ser
entrevistado na RTP por Vítor Gonçalves, Costa teve uma atitude
indescritível, tendo em conta o passado recente do PS, e dele
próprio, nesta matéria. Confrontado com uma pergunta incisiva,
inteligente e perfeitamente razoável – “dê-me dois ou três
exemplos de diferenças substanciais entre a proposta política do PS
em 2015 e a do PS em 2011” –, Costa respondeu a Vítor Gonçalves:
“Eu estou a perceber que está aqui um bocado como porta-voz do Dr.
Passos Coelho.”
Isto não é
admissível. Parte do problema tem a ver com a fragilização da
comunicação social e do papel do jornalista, porque não estou a
imaginar um político há 20 anos a dizer isto a uma Margarida
Marante, a uma Maria Elisa ou a um Miguel Sousa Tavares. Mas a outra
parte, e é a parte mais significativa, tem a ver com uma deficiente
cultura democrática e um desprezo lamentável pela liberdade de
imprensa e pela liberdade de expressão, que continua a minar a
sociedade portuguesa e os seus partidos mais de 40 anos após o 25 de
Abril. E aí, o PS, que tanto aprecia encher a boca com Abril, e a
quem devemos, de facto, uma resistência feroz aos desmandos do PCP,
tem-se destacado tristemente pela forma violenta e arrogante como
trata os jornalistas, ao atacar o seu trabalho de escrutínio da
actividade política.
Talvez não fosse má
ideia o PS incluir John Stuart Mill e o clássico On Liberty no
currículo das suas universidades de Verão: silenciar uma opinião
constitui um roubo à humanidade. Sempre que possível, temos o dever
de discutir com quem discorda de nós. Sempre que possível, temos o
dever de debater. Se estivermos errados, é uma oportunidade para
corrigir as nossas falhas. Se estivermos certos, é uma oportunidade
para reforçar a verdade e transmiti-la aos outros. O Prós &
Contras limitou-se a propor à discussão uma questão levantada por
Paulo Rangel. O medo que tantos socialistas revelam em debatê-la é,
só por si, sintomático da consciência pesada que o PS tem no
domínio da partidarização da justiça. Só mesmo isso pode
explicar que se confunda um debate, onde haverá várias opiniões em
confronto, com um ataque ao PS e um frete ao Governo.
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