domingo, 20 de setembro de 2015

Passos Coelho, António Costa e a máquina de lavar / Ricardo Garcia


Passos Coelho, António Costa e a máquina de lavar
Ricardo Garcia / 20 set 2015 / PÚBLICO
O debate começou ao mesmo tempo que a máquina de lavar. Passos e Costa emanavam da rádio. O electrodoméstico estava na cozinha.

Evoluíram mansamente, a princípio. Enquanto o primeiroministro e o postulante ao mesmo trono esquentavam os motores, ouviam-se os primeiros ruídos da lavagem da roupa suja. A água a entrar e o tambor ainda a girar lentamente, de forma a molhar tudo de modo equitativo. É a democracia sanitária.
Da primeira vez que Costa repetiu que Passos foi além da
troika, a máquina entrou em velocidade de cruzeiro. É aqui que a roupa, ensaboada, é submetida a uma tortura perpétua, em movimentos circulares que a fazem cair sucessivamente sobre si própria, mimetizando o esfregar manual. Há um ronronar próprio nesta fase, constante e hipnótico.
Nesse momento, discutiase como reanimar a exangue economia nacional. O actual governante gabava-se do que fez, o pretendente enaltecia o que faria, sabendo nós que nem o primeiro fez bem o que dizia, nem o segundo faria tudo o que jurava. Ao terceiro “é fundamental”, o sonífero barulho da lavagem tomou a dianteira sobre o debate.
Cinco mil milhões de pessoas no mundo não têm acesso a uma máquina de lavar. O ambientalismo cego diria que é bom: poupa-se em matéria-prima e energia. Mas onde elas faltam, milhões de mulheres passam o dia a tratar da roupa à mão. O sueco Hans Rosling, o guru dos dados sobre o desenvolvimento, não se cansa de dizer que a máquina é emancipadora. Agora discutia-se o despedimento conciliatório, termo assaz intrigante. Costa dirigia-se a uma das jornalistas que moderavam o debate, com um hipotético exemplo: “Se fizer uma rescisão por mútuo acordo com a sua rádio...” E ela, cortando-lhe o pio in extremis: “Ultrapassámos o prazo para a resposta.”
As regras do tempo eram rígidas. Passos pediu a Costa para cumprir o que tinham combinado: os dois não falariam ao mesmo tempo. Parece sensato. Mas retira graça ao confronto. A batalha vocal é mais cativante do que a das ideias, uma injustiça intelectual da realidade. Felizmente ninguém cumpriu a promessa, dando trabalho extra aos jornalistas para controlar o relógio. Escolher a duração certa para a lavagem é essencial. Um ciclo curto pode ser tão eficiente como um longo, não vale a pena desperdiçar água e energia. Aquele estava a estender-se e a máquina ainda ia a meio quando Passos e Costa, depois de permutarem um “não lhe fica bem” por um “tenha paciência”, aterraram na privatização do aeroporto e nas dívidas de Lisboa. Acendeuse o debate, naquele ponto compreensível, o que não é fácil. Discutir o futuro do país implica abordar terminologias complexas, como a condição de recursos das prestações não contributivas da Segurança Social, que ninguém sabe o que é, mas que entalou um dos candidatos.
Foi um momento de calor — de resto um fardo ambiental numa máquina de lavar. O consumo de electricidade aumenta exponencialmente com a temperatura. É melhor usar água fria, o resultado não é muito diferente.


Passos e Costa já falavam ao mesmo tempo. Os jornalistas queriam discutir educação, mas ambos não largavam as finanças. O entusiasmo coincidiu com o início da centrifugação, a 800 rotações por minuto. Para o bem do planeta, o melhor é centrifugar o mínimo no Verão, e estender a roupa ao sol, e o máximo no Inverno, para usar menos a secadora. Instalou-se o caos sonoro, mas não durou muito. A máquina de lavar sossegou antes dos argumentos finais dos candidatos para persuadir os eleitores. A mim, não me convenceram. Mas a roupa ficou limpa.

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