Pedro e António: unidos pela barriga
JOÃO MIGUEL
TAVARES 24/09/2015 - PÚBLICO
A partir do momento que há
números e cenários, as más notícias para o Governo também são más notícias para
o PS.
Esta campanha
eleitoral está a ser curiosa, porque Pedro Passos Coelho e António Costa
parecem dois alcoólicos em reabilitação deixados à solta numa adega. Por
“alcoólico” entenda-se o político viciado em prometer muito mais do que cumpre.
Por
“reabilitação” entenda-se o esforço – real – para se ser mais sério do que
antes, dada a intolerância do eleitorado para a aldrabice. E por “adega”
entenda-se o actual tempo de campanha, onde a tentação do populismo bacoco e da
promessa desvairada é irresistível.
Pedro e António
estão a sofrer com o abismo que se cavou entre a sua natureza política e
partidária (prometer o que não podem) e a actual situação política e económica,
que exige uma contenção única na nossa história democrática. Curiosamente, PSD
e PS encontraram soluções muito diferentes para enfrentar este dilema. O PSD
optou por compor um programa eleitoral cheio de verbos que não dizem nada, tipo
“valorizar”, “promover” ou “aprofundar”, desculpando-se que os seus números já
tinham sido entregues em Abril, via Programa de Estabilidade e Crescimento. O
PS foi mais ambicioso: apresentou uma bela colectânea de mapas compilada por
Centeno & companhia, atitude bem mais séria do que a do PSD, mas muito mais
atreita a escorregadelas durante a campanha eleitoral – pela simples razão de
que as promessas de António Costa tendem a não bater certo com os números de
Mário Centeno.
Foi assim que o
líder do PS foi apanhado na curva dos mil milhões de cortes nas prestações
sociais, não necessariamente por se ter esquecido dessa parte do programa
(embora toda a gente tenha ficado a achar que sim), mas porque o programa é
muitíssimo vago, falando apenas (perdoem o deplorável português) em “reavaliar
e reforçar a coerência do modelo de aplicação da condição de recursos nas
prestações sociais de natureza não contributiva”. Ou seja, se o PSD verbalizou
sem quantificar, o PS quantificou sem verbalizar. Daí a necessidade posterior
de piruetas semânticas, como esta de António Costa: “não são cortes, são
poupanças”, que é assim como dizer que Joana Amaral Dias não estava nua, mas
apenas sem roupa.
Nesse sentido,
Costa foi vítima da sua própria seriedade pré-campanha, que não é compatível
com a falta de seriedade da campanha propriamente dita. E o problema de colocar
números sérios nos programas eleitorais torna-se ainda mais óbvio num dia como
o de ontem: anúncio de défice de 7,2% em 2014, 4,7% no primeiro semestre,
necessidade de um milagre para atingir o défice previsto de 2,7% em 2015, e
possibilidade real de ele trepar muito acima disso devido às necessidades de
financiamento do Novo Banco.
Esta notícia
teria tudo para ser um desastre para o governo, não fosse ser ela também um
desastre para o PS. Repare-se como, desta vez, não só Passos Coelho achou que
devia acalmar os portugueses em relação ao estado do país, como António Costa
achou que devia acalmar os portugueses em relação ao programa do PS. “O nosso
programa mantém-se sólido e credível”, garantiu ele, atacando o défice de 7,2%.
Infelizmente para António Costa, a primeira e a segunda parte da frase não são
compatíveis. Por muito menos, o PS já sentiu necessidade de rever (três vezes)
o seu programa macroeconómico. Um aumento significativo do défice dá cabo das
contas socialistas – a partir do momento que há números e cenários, as más
notícias para o Governo também são más notícias para o PS. Pedro e António estão ligados pela barriga.
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