Rajoy
perdeu, Mas não ganhou e o Cidadãos afirma-se como alternativa
JORGE ALMEIDA
FERNANDES 28/09/2015 - PÚBLICO
As
eleições-plebiscito permitem duas leituras conforme se olhe o
número de deputados ou de votos. A independência não pode assentar
num voto minoritário
A primeira leitura
dos resultados das eleições catalães de domingo mostra que a
Catalunha é uma sociedade fracturada, partida em duas comunidades
quase equivalentes. O soberanismo está solidamente implantado mas
ainda longe de constituir uma maioria indiscutível. Na expressão do
jornalista Lluís Bassets, “a força do secessionismo é enorme mas
a independência não está mais próxima”. Há dois derrotados:
Artur Mas, presidente da Generalitat (governo autonómico), e Mariano
Rajoy, presidente do Governo e líder do Partido Popular. O segundo
acto do drama joga-se nas eleições espanholas previstas para
Dezembro.
Sendo formalmente
umas eleições legislativas autonómicas, foram transformadas num
“plebiscito” sobre a independência, o que permite a dupla
leitura dos resultados. Se olharmos o número de deputados, o
conjunto das duas formações independentistas venceu com maioria
absoluta, somando 72 mandatos (em 135 deputados). Se as lermos em
termos de “plebiscito” sobre a secessão, o desfecho indica um
desaire de Mas e dos separatistas, cujo total de votos, 47,7%, ficou
abaixo dos sufrágios anti-independência que somaram 50,6.
A leitura em termos
plebiscitários foi imposta por Mas e pela aliança Juntos pelo Sim.
“Estas eleições serão lidas como um plebiscito”, reafirmou Mas
no próprio dia do voto. Também António Baños, cabeça de lista da
Candidatura de Unidade Popular (CUP, independentista e
anticapitalista), acrescentou que eram necessários “pelo menos
50%, porque estas eleições são um plebiscito”.
O carácter
plebiscitário das eleições visava legitimar a aceleração do
processo de independência e tornar possível lançá-lo com uma
maioria parlamentar tangencial e até com menos votos do que os dos
anti-independentistas. A Convergência, de Artur Mas, a Esquerda
Republicana da Catalunha (ERC), de Oriol Junqueras, e associações
nacionalistas, como a Assembleia Nacional Catalã e a Òmnium
Cultural, formaram a aliança Juntos pelo Sim. Segundo o “roteiro”
de Mas e Junqueras, se obtivessem a maioria absoluta (68 mandatos), o
parlament de Barcelona aprovaria dentro de seis meses uma Declaração
Unilateral de Independência (DUI), começaria a construção das
futuras instituições estatais, elaboraria uma Constituição e
completaria a secessão através de um referendo no prazo de 18
meses.
A derrota em número
de votos põe em causa a legitimidade deste “processo” de
independência.
A derrota de Mas
O presidente catalão
perde em várias frentes. Em primeiro lugar, a Convergência e a ERC
somavam 72 mandatos no anterior parlamento. Agora somam apenas 62, o
que os torna dependentes da CUP, uma formação nacionalista e
anticapitalista que passou de 3 para 10 deputados e que não parece
querer ir a reboque de Mas.
A CUP contesta o
nome de Mas para presidir ao próximo governo — tal como de
qualquer figura ligada à “política de austeridade ou à
corrupção” — e contesta o calendário político do president:
“Não podemos fazer a DUI porque não ganhámos o plebiscito.” É
preciso vencer em mandatos e votos. O seu cabeça de lista, Antonio
Baños, reafirmou que “o independentismo na Catalunha é a opção
maioritária e o caminho a seguir”, apelando à desobediência às
leis espanholas “em colisão com a soberania popular catalã”.
Explicou há dias o
nacionalista Josep Ramoneda: “O bloco independentista deve ter
consciência da relação de forças. Deve saber que não dispõe de
suficiente capacidade legal e de coerção para impor uma ruptura
unilateral. Deverá pensar em ganhar apoios porque a sua força
consiste em alcançar uma maioria indiscutível. Neste caminho, o
referendo é a aposta mais adesão gera na sociedade catalã.”
Artur Mas apostava
ontem numa fuga para a frente, prometendo uma rápida aprovação da
DUI. Mas começará por ser complicada a constituição do governo.
Está refém do radicalismo da CUP. A ingovernabilidade ameaça a
Catalunha. Alguns prevêem que a pressão nacionalista na rua
regresse em força, sob impulso da ANC.
Contados os votos,
“há vencedores e vencidos”, observava ontem o escritor Jorge
Reverte. “E, sobretudo, há legitimidades e legitimidades que não
desapareceram. Legitimidades e sensibilidades. Temos um conflito na
Catalunha para muito tempo.”
Enric Juliana,
director adjunto do La Vanguardia, de Barcelona, interpreta as
eleições como uma desaire de Mas e uma manifestação de força do
soberanismo catalão que, no entanto, ainda não tem “massa crítica
suficiente” para fazer a DUI. “A grande maioria desta sociedade
quer mudanças em relação ao poder central, sem apostar tudo numa
ruptura imediata. O Governo de Espanha tem um problema.”
A alternativa
Cidadãos
Nada será como
dantes, assinalam analistas. O velho sistema político catalão está
a desmoronar-se. A maciça afluência às urnas é uma das grandes
novidades, significando o novo empenhamento dos eleitores nascidos
fora da Catalunha e que agora exigem ter uma palavra a dizer. A
dinâmica política na Catalunha está a mudar.
A estratégia de
Rajoy, a pensar nas eleições legislativas e no voto “espanhol”,
assegurando o papel de guardião da unidade nacional, sofreu um
colapso. O Partido Popular caiu a pique (desceu de 19 para 11
lugares). Quem hegemonizou a mobilização anti-nacionalista não foi
o PP. Foi o partido Cidadãos, de Alberto Rivera, que passa a ser a
segunda força no parlament com 25 deputados. Sublinha Juliana:
“Defendem a unidade de Espanha e reformas liberais. Ganhou mais do
dobro do número de mandatos do PP numas eleições cruciais. Para
muitos espanhóis, o defensor mais moderno da unidade de Espanha é
este jovem partido. (...) É uma má notícia para Rajoy. Muito má.”
O presidente do Governo falou ontem aos espanhóis mas nada disse de
novo. Pablo Casado, porta-voz do PP, não foi mais brilhante:
“Evidentemente, na Catalunha tudo continua na mesma.”
O 27-S não é o fim
da partida. Marca a entrada na campanha eleitoral espanhola. Os seus
efeitos são ainda desconhecidos. Dez presidentes regionais apelaram
ontem à abertura do diálogo entre Madrid e Barcelona. Todos os
olhares se voltam para as legislativas, depois das quais será
inevitável reabrir o debate constitucional.
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