O verdadeiro plano europeu para
os refugiados
Rui Ramos
23/9/2015,
OBSERVADOR
É costume culpar o Ocidente por
tudo e por nada do que acontece no mundo. Mas desta vez, na crise dos
refugiados, a culpa é mesmo dos governos ocidentais. E o plano europeu não vai
funcionar.
Depois das crises
da Grécia e da Ucrânia, estas últimas semanas europeias foram as da “crise dos
refugiados”. Estamos agora no momento em que as boas intenções começam a
estalar. A semana passada, era o Papa Francisco quem alertava para o perigo de
jihadistas “infiltrados”. Entre os primeiros-ministros, já não é só o da
Hungria, mas também Alexis Tsipras que fala de uma “vaga de migração
descontrolada”. Entre os intelectuais franceses, já não é só Renaud Camus, mas
Michel Onfray que desconfia das vantagens da imigração. Onfray, até anteontem,
era de “extrema-esquerda”. Os seus antigos camaradas chamam-lhe agora “auxiliar
de Marine Le Pen”. A migração não está a abalar apenas o tratado de Schengen,
mas as fronteiras ideológicas da Europa.
É costume culpar
o Ocidente por tudo e por nada do que acontece no mundo. Mas desta vez, nesta
crise dos refugiados, a culpa é mesmo dos governos ocidentais. Primeiro, ao
acarinharem a revolta da maioria sunita na Síria, para logo depois deixarem os
sublevados sem ajuda, abandonados entre a ditadura de Assad e o jihadismo. A
ideia, segundo parece, era não repetirem o “erro do Iraque”. Em vez disso,
arranjaram o “erro da Síria”, com os seus milhares de mortos e milhões de
refugiados. Durante anos, no entanto, tudo pareceu longínquo. Este Verão,
porém, as imagens televisivas das migrações mediterrânicas inspiraram Angela
Merkel a deixar correr que todos os que, através do Mediterrâneo e dos Balcãs,
conseguissem chegar à Alemanha seriam alojados e alimentados de graça pelos
contribuintes alemães. Merkel alcançou assim duas coisas. Uma foi diluir a má
reputação que lhe deixara a crise grega: de repente, os mesmos que lhe andavam
a desenhar bigodinhos à Hitler, cobriram-na com o véu de Madre Teresa. A outra
coisa foi fazer a fortuna dos traficantes de seres humanos do Mediterrâneo, a
quem, a partir daí, nunca mais faltaram clientes dispostos a correr riscos no
mar. Quando 9 000 expatriados desembarcaram em Munique num só dia, Merkel
fechou a fronteira.
Os traficantes
não são os únicos a explorar a crise. A imprensa mais séria aderiu à pornografia
da morte e, sem pudor, vasculha as praias à procura de cadáveres para a
fotografia. A esquerda radical manifesta-se para exigir portas abertas,
convencida de que quanto mais “minorias”, mais próxima a implosão da “sociedade
burguesa”. A direita nacionalista esfrega as mãos de contente, à espera de
mobilizar os “nativos” contra a “invasão dos bárbaros”. E até o respeitável
Economist sonha alto, apostando na imigração económica para fazer rebentar os
códigos de trabalho. Enfim, não há quem não encare os migrantes como carne para
o seu canhão — e pouco mais.
As grandes
fumaças de humanismo mal escondem a falta de verdadeiro respeito pelos
refugiados. O plano de os espalhar pelos vários países, confirmado na
terça-feira, é uma das mais ridículas invenções europeias. O objectivo não é
apenas partilhar custos, mas diluir a presença da migração, repartindo-a em
pequenas porções (para não dar munição aos populismos xenófobos). Os
imigrantes, porém, procuram a Alemanha, afamada pelos seus subsídios e
salários. Como é óbvio, não se vão conformar com realojamentos forçados em
países periféricos e pobres. Também não vieram para se converter em alemães,
franceses ou portugueses, segundo uma fantasia de “assimilação” colonial que
ainda parece ter subscritores. Tenderão naturalmente a constituir comunidades
com identidade própria (isto é, árabe e islâmica, no caso dos oriundos do Médio
Oriente). De resto, já mostraram que só estão dispostos a instalar-se nos seus
próprios termos. Na fronteira da Hungria, a semana passada, tivemos a primeira
intifada da nova imigração, com os jovens migrantes à pedrada à polícia.
O plano europeu
das quotas só serviu até agora para revelar uma nova divisão na UE, desta vez
leste-oeste, em vez de norte-sul, como no caso do euro. O verdadeiro plano é
provavelmente outro: esperar pelo Inverno. Quando o Mediterrâneo se tornar
bravo e a neve cobrir os Balcãs, a migração do Médio Oriente vai abrandar – até
à próxima Primavera. Depois, logo se verá. A Europa está assim, à mercê do
clima.
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