Croácia
"vai deixar passar migrantes" para o Norte da Europa
ALEXANDRE MARTINS
18/09/2015 - PÚBLICO
Governo
croata diz que já não tem capacidade para registar os 14.000
refugiados e migrantes que chegaram ao país em três dias. Hungria
está a construir uma nova cerca de arame farpado, desta vez na
fronteira com a Croácia.
O governo da Croácia
anunciou que vai deixar de registar os refugiados e migrantes que
começaram a entrar no país nos últimos dias, depois de a Hungria
ter selado completamente a sua fronteira com a Sérvia. "Podem
passar pela Croácia, não porque não os queiramos cá, mas porque o
vosso destino é o Norte" da Europa, disse o primeiro-ministro,
Zoran Milanovic.
Na terça-feira, no
dia em que as autoridades húngaras vedaram por completo a fronteira
com a Sérvia e começaram a aplicar leis anti-imigração mais
duras, o primeiro-ministro croata foi ao Parlamento dizer que o país
iria receber refugiados e migrantes "independentemente da sua
religião e da cor da pele".
Zoran Milanovic
falava numa altura em que tinham chegado ao seu país apenas algumas
dezenas de pessoas, mas nos dias seguintes entraram no território
pelo menos 14.000, o que o levou a ordenar o encerramento de sete dos
oito postos fronteiriços com a Sérvia e quase todas as estradas que
ligam os dois países.
Esta sexta-feira, o
primeiro-ministro croata disse que os milhares de refugiados e
migrantes que estão a chegar ao país vão poder atravessar o
território sem nenhum controlo, para que a Croácia não se
transforme num "ponto de acesso para migrantes".
Com este anúncio, o
chefe do governo croata põe mais pressão sobre os países da União
Europeia que não aceitam participar no sistema obrigatório de
quotas proposto pela Comissão Europeia e apoiado pela Alemanha –
países como a Hungria, a Eslováquia ou a República Checa não
concordam com a proposta, e o governo de Budapeste, liderado por
Viktor Orbán, tem assumido a posição mais dura.
"A Croácia
provou que tem coração, como país e como povo. Mas temos de
lembrar os nossos vizinhos e a União Europeia de que também temos
cabeça, e que sabemos o que é bom para os nossos interesses e para
a nossa segurança", disse o primeiro-ministro croata.
"Já não
conseguimos registar pessoas. O que podemos fazer a não ser
deixá-las ir para onde elas quiserem? Vamos dar-lhes comida, água e
assistência médica, e depois podem prosseguir", disse ainda
Zoran Milanovic.
O problema é que
esta decisão do governo croata leva a uma pergunta: prossseguir para
onde? Chegados à capital, Zagreb, só podem dirigir-se à Alemanha
(o objectivo de muitos) passando pela Hungria ou pela Eslovénia, que
já indicou que não está disposta a ser o próximo ponto de paragem
para estas pessoas, a maioria em fuga de guerras e perseguições em
países como a Síria, o Iraque ou o Afeganistão.
Segundo a rádio
pública eslovena, citada pela BBC, um comboio com refugiados e
migrantes foi travado pela polícia da Eslovénia na região de
Dobova. A agência de notícias eslovena informa que as autoridades
tentaram entregar os passageiros à Croácia, mas estes não foram
aceites – a partir desse momento, a Eslovénia suspendeu a
circulação de comboios com a Croácia.
Ao final do dia, a
BBC dizia que apesar da fortaleza montada na fronteira da Hungria,
mais de 20 autocarros repletos de refugiados partiram da Croácia
para a localidade de Beremend, do outro lado. "A Hungria é três
vezes mais perto do que a Eslovénia", justificou Zoran
Milanovic.
Arame farpado na
fronteira com a Croácia
À medida que
milhares de pessoas começaram a dirigir-se para o território
croata, o governo da Hungria começou a construir uma nova vedação,
desta vez na fronteira com a Croácia, depois de ter selado a
fronteira com a Sérvia. Mais de mil soldados húngaros estão a
construir uma nova cerca de arame farpado, e o primeiro-ministro,
Viktor Orbán, anunciou que vai enviar mais 700 soldados para a
região este fim-de-semana.
"Temos de
implementar as mesmas medidas que foram implementadas na fronteira
com a Sérvia", disse Orbán esta sexta-feira, em declarações
à rádio pública húngara.
A nova vedação de
arame farpado vai estender-se por 41 quilómetros, nas proximidades
da pequena localidade de Illocska, numa zona da Hungria a que é
possível chegar a partir da Croácia evitando o obstáculo natural
que é o rio Drava.
A vedação já
estava a ser instalada por 600 soldados, que receberam o apoio de
mais 500 esta sexta-feira. Outros 700 vão chegar à região até
domingo, anunciou Viktor Orbán.
A cerca começou a
ser construída depois de terem circulado relatos sobre a tentativa
de entrada na Hungria de alguns refugiados e migrantes que estão na
Croácia. Impedidas de entrarem na Hungria devido ao muro construído
pelo governo de Orbán, milhares de pessoas viram na fronteira croata
um novo caminho para conseguirem chegar a países como a Alemanha,
que lhes prometeu asilo.
Apesar das medidas
do governo croata, a agência Reuters avança que várias pessoas
continuam a tentar entrar na Croácia esta sexta-feira – partem em
autocarros de Sid, na Sérvia, e juntam-se a muitos outros que
caminham pelos campos até à fronteira com a Croácia, e que estão
a ser acompanhados pela polícia.
A única fronteira
que permanece aberta é a de Bajakovo, na principal estrada entre a
capital da Sérvia, Belgrado, e a capital da Croácia, Zagreb.
As autoridades da
Croácia continuam a criticar a forma como o governo da Hungria tem
lidado com as milhares de pessoas que tentam chegar à União
Europeia. Na quarta-feira, a polícia húngara investiu contra
refugiados e migrantes com canhões de água e gás lacrimogéneo,
mas a polícia croata não respondeu com violência quando centenas
de pessoas furaram um cordão formado pela polícia antimotim, na
quinta-feira.
Alemanha ameaça
cortar fundos
Os chefes de Estado
e de governo da União Europeia vão voltar a discutir a situação
na próxima quarta-feira, para tentarem chegar a acordo sobre a
partilha de responsabilidades.
Esta sexta-feira, o
vice-chanceler alemão, Sigmar Gabriel, defendeu que os países que
se recusem a aceitar refugiados devem deixar de receber dinheiro da
União Europeia. Sem se referir directamente à Hungria, o governante
disse que enquanto a Alemanha está a abrir ginásios para
refugiados, outros países estão a "instalar arame farpado nas
suas fronteiras e a fechar as portas".
"A Europa é
uma comunidade de valores baseados na empatia e na solidariedade
humanas. E quem não partilhar os nossos valores não pode continuar
a contar com o nosso dinheiro. Se isto continuar, a Europa enfrentará
um perigo maior do que a crise financeira ou a crise grega",
afirmou o vice-chanceler alemão.
Segundo os números
do gabinete de estatística da União Europeia (Eurostat), os
países-membros receberam 231.200 pedidos de asilo entre Abril e
Junho deste ano, o que representa um aumento de 85% em relação ao
mesmo período do ano passado.
A Alemanha está no
topo dos países mais procurados por refugiados nesses três meses,
com 80.900 pedidos, ou 30% do total da União Europeia – a seguir
estão a Hungria (15%) e Áustria (8%).
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