“Usar a racionalidade económica
para o problema dos refugiados tem de ser convincente, não apenas na aparência
da ideia, mas na sua substância.”
“Por último, também não se
percebe de que forma os refugiados poderiam ajudar à reindustralização europeia
quando, pelas próprias dificuldades dos países de origem – Síria, Afeganistão,
Iraque, Eritreia, etc. — têm menos qualificações profissionais e vão ter
naturais dificuldades de adaptação em países muito distantes culturalmente. A
não ser que a ideia seja recriar uma reindustralização assente em baixos
salários, usando e abusando de uma mão-de-obra barata e em estado de premente
necessidade. Mas isso — que certamente não está nas intenções dos que, com
genuínas preocupações humanistas e solidárias, recorrem à racionalidade
económica para persuadir —, significará colocar uma pressão constante para a
descida os salários e regalias sociais sobre os já mais pobres. No pior
cenário, arrisca-se até a abrir caminho a um capitalismo sem escrúpulos sociais
e éticos o qual, sob o argumento neoliberal de aumentar a competitividade da
economia, fará lembrar as miseráveis condições do proletariado no passado
europeu.”
JOSÉ PEDRO
TEIXEIRA FERNANDES in PÚBLICO / 23-9-2015
( ... ) 3. Tal
como se exige a todos os bons argumentos, usar a racionalidade económica para o
problema dos refugiados tem de ser convincente, não apenas na aparência da
ideia, mas na sua substância. Em sociedades democráticas — e num assunto
delicadíssimo como é este, o qual envolve a vida de pessoas e os Direitos
Humanos e tem impacto relevante nas sociedades de acolhimento —, deverá
conseguir a adesão da opinião pública. Contribui esta forma de argumentação
para o fazer? Provavelmente não. Primeiro, não faz uma adequada destrinça entre
o problema dos refugiados, um problema intrinsecamente humanitário e de
legalidade internacional, do problema dos migrantes económicos, quando o seu
enquadramento conceptual e legal é diferente. A Convenção de Genebra de 1951 e
o seu Protocolo Adicional de 1967 só se aplicam aos refugiados, tal como
definidos no Direito Internacional. Depois, porque deixa ainda mais em aberto
questões fundamentais que preocupam todos os europeus, o que acaba por
alimentar, ainda que involuntariamente, maiores receios da população. Isto, num
contexto de crise financeira e económica ainda não ultrapassado. O caso do
desemprego, em especial do desemprego jovem — um problema grave e sobejamente
conhecido, o qual está nas prioridades europeias e dos governos nacionais —, é
bem exemplificativo das fragilidades da racionalidade económica aplicada aos
refugiados. Na sua mais recente informação sobre as estatísticas de desemprego,
o Eurostat faz notar que "as taxas de desemprego dos jovens são geralmente
muito mais elevadas, mesmo o dobro ou mais que o dobro do que as taxas de
desemprego do resto da população.” Acrescenta também que a crise económica
atingiu duramente os jovens e que as altas taxas de desemprego “reflectem as dificuldades
enfrentadas pelos jovens em encontrar emprego." (Eurostat, “Unemployment
Statistics”, 15/07/2015). No último trimestre de 2014 os valores eram ainda
extraordinariamente elevados, especialmente nas economias mais afectadas pela
crise financeira e económica: Espanha 51,7%; Grécia 51,1%; Croácia 46,3%;
Itália 42,0%; Chipre 33,9%; Portugal 33,3%; França 24,6%. (No outro extremo
situou-se a Alemanha, com apenas 3,9% de desemprego entre os mais novos).
4. Olhando para
estes dados uma primeira questão vem, de imediato, à mente. Se, estando os
países da União Europeia em crise demográfica, ou seja, com reduzida população
jovem, o seu mercado de trabalho — com a excepção da Alemanha e de escassos
outros Estados da União —, não conseguem absorver essa população, como poderão
absorver a massa da população jovem de refugiados, menos qualificada e com
complexas questões de integração, que vão desde a língua até à subtileza dos
múltiplos entraves culturais? Este problema, sem solução conhecida, levanta uma
segunda questão, que é a seguinte: não terá mais impacto na sustentabilidade do
Estado social reduzir o desemprego dos jovens autóctones, bem como do resto
população que continua a enfrentar esse flagelo? Um desempregado que volta ao
mercado de trabalho tem um duplo efeito positivo: reduz as estatísticas de desemprego
e reduz os custos sociais (subsídio de desemprego e outras prestações sociais).
Importa lembrar: as taxas de desemprego continuam muito elevadas, à excepção
dos já referidos casos da Alemanha e de outras economias do Norte da Europa,
como a Suécia. (Note-se que, mesmo nesses casos, não é líquido que sejam essas
as necessidades do mercado de trabalho e demográficas, pois são economias que
assentam em mão-de-obra muito qualificada e na inovação tecnológica e
empresarial.)
Os dados do
Eurostat relativos a Julho de 2015 não deixam dúvidas quanto à persistência da
realidade do desemprego na generalidade da população: Grécia, 25,0%; Espanha
22,2%; Chipre 16,3%; Croácia 15,1%; Portugal 12,1%; Itália; 12%, França 10,4%. Por
último, também não se percebe de que forma os refugiados poderiam ajudar à
reindustralização europeia quando, pelas próprias dificuldades dos países de
origem – Síria, Afeganistão, Iraque, Eritreia, etc. — têm menos qualificações
profissionais e vão ter naturais dificuldades de adaptação em países muito
distantes culturalmente. A não ser que a ideia seja recriar uma
reindustralização assente em baixos salários, usando e abusando de uma
mão-de-obra barata e em estado de premente necessidade. Mas isso — que
certamente não está nas intenções dos que, com genuínas preocupações humanistas
e solidárias, recorrem à racionalidade económica para persuadir —, significará
colocar uma pressão constante para a descida os salários e regalias sociais
sobre os já mais pobres. No pior cenário, arrisca-se até a abrir caminho a um
capitalismo sem escrúpulos sociais e éticos o qual, sob o argumento neoliberal
de aumentar a competitividade da economia, fará lembrar as miseráveis condições
do proletariado no passado europeu.
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