RUÍDO NOCTURNO EM
LISBOA
Noitadas à força em Lisboa
Lucy Pepper
23/9/2015,
OBSERVADOR
Gostava de
inventar uma maneira de fazer ver a estas pessoas que não é simpático manterem
milhares de famílias acordadas toda a noite, todas as noites da semana. Mas
estou cansada demais.
Estou a escrever
esta crónica à uma e meia da manhã.
Antes de abrir o
romance policial escandinavo que me vai pôr a sonhar com homicídios sangrentos
no Norte da Europa, abri Observador no meu telemóvel, e encontrei esta carta aberta
de um grupo de residentes lisboetas para o presidente da câmara. Queixam-se da
vida nocturna e do seu barulho no centro da cidade. Na carta, convidam o
presidente da câmara a passar uma noite com qualquer um deles para descobrir
como é. O barulho está a obrigar residentes a considerar abandonar os seus
bairros, e ameaça tornar partes da cidade inabitáveis.
Neste momento,
estou a ouvir, como de costume, esse ruído na rua.
Começa por volta
das 23h, um crescendo de palavras e risos que chega ao máximo entre a 1h e as
3h da manhã. Esta noite, ainda não chegou ao máximo. Mas é só segunda-feira.
Há conversa alta
de cerca de sessenta pessoas na rua, ao pé de um bar. Temos a sorte de só ter
dois bares perto da casa. À tarde, um deles tem música em alto-falantes
antigos, a tocar jazz dos anos 30 e 60. Nas noites quentes, dá a impressão de
que vivemos numa outra época… até chegarem os clientes, que afogam a música e
nos fazem voltar logo ao século XX
A noite continua,
o barulho aumenta. É costume haver cem pessoas, duzentas pessoas ao fundo da
nossa ruazinha.
Há sempre, mas
sempre, alguém a cantar num lado ou noutro. Podem ser alunos universitários a
entoar o que parecem hinos bolshevik, ou pode ser um gangue de homens a cantar
cânticos de futebol, se houve jogo ou não nesse dia. Pode também ser alguém que
se acha suficientemente bom para ir aos Ídolos.
Muitas vezes,
adormeço antes do barulho começar. Se já estiver muito alto quando vou para a
cama, tenho de usar uma app no telefone que imita os sons de chuva (sim, ainda
sou inglesa) para tentar mascarar o barulho da rua. Ajuda, mas não muito.
Além do ruído
geral, há gritos e berros e risadas demoníacas, inesperadas e aleatórias e
capazes de acordar qualquer pessoa a qualquer hora. O mesmo se passa com as
conversas longas e estúpidas por debaixo da janela às 5h de manhã, conversas
que infiltram os sonhos e nos convencem que fazemos parte dessas conversas
longas e estúpidas. Agora mesmo, estou a ouvir umas jovens americanas e uns
jovens portugueses que parecem estar a preparar-se para dormir uns com os
outros…. seria menos barulhento se fossem… dormir.
Há ainda os
gangues de super-importante tolos com capas académicas que acham que Lisboa é
Hogwarts, a praxar os caloiros. As nossa ruazinha tornou-se o local de escolha
para alguns dos “dementors” torturarem os seus caloiros, obrigando-os a fazer
corridas e idiotices, sempre aos berros, a qualquer hora (ai, as praxes… lá
irei um dia destes… ).
Há noites em que,
de repente e sem razão nenhuma, se faz um grande silêncio, mas essas noites são
cada vez mais raras.
Não me posso
queixar muito, e geralmente não me queixo. Optamos por mudar para esta rua
neste bairro, sabendo bem que se enche com pessoas e barulho aos fins de
semana. Mas hoje é segunda-feira e o barulho é intolerável. No nosso prédio,
vivem várias famílias com crianças: bebés que precisam de dormir e adolescentes
que (aparentemente) precisam de dormir ainda mais.
De manhã, saímos
da porta de frente para enfrentar os resultados da noite anterior. O fedor a
urina e a vómito (embora não haja muito vómito… não estamos no Reino Unido…).
Há copos de plástico no pavimento, na rua, em cima dos carros, nos parapeitos
das janelas. Há vidros por todo o lado.
Todas as manhãs
da semana.
Gostava de
inventar uma maneira de fazer ver a estas pessoas que não é simpático manterem
milhares de famílias acordadas toda a noite, todas as noites da semana. Gostava
de inventar isso, mas estou cansada demais…. não durmo há dias.
OPINIÃO
Bye, bye Lisboa!
ANTÓNIO SÉRGIO
ROSA DE CARVALHO 13/09/2015 - PÚBLICO
A Câmara de Lisboa abdicou da sua
responsabilidade planeadora e reguladora, abrindo a caixa de pandora.
Em 1990 Barcelona
com 1,5 milhões de habitantes atraiu 1,7 milhões de Turistas. Em 2014 Barcelona
recebeu 7,5 milhões de Turistas. Rendimento anual através do Turismo atingiu os
12 mil milhões de euros.
Nas Ramblas, em
cada 10 transeuntes, 9 são turistas. 1991: 23,7191991 dormidas; 2003: 37,224
dormidas; 2013: 69,128 dormidas.
Assistiu-se
assim, à tranformação de toda a cidade num Parque Temático Turístico e à
redução de todas as actividades a uma única, omnipresente e obsessiva
Monocultura. O Turismo.
Todo e qualquer
sentido do Viver e Habitar quotidiano foi dominado e reduzido à erosão
permanente do visitar, do residir temporário, do permanente happening nocturno
e da festa contínua.
Ao permitir este
consumir de forma erosiva, predadora e esgotante, de todas as características
que, precisamente, constituíram o atractivo e o motivo da vinda e,
originalmente, o apelo de vísita, Barcelona cada vez mais, e paradoxalmente,
foi transformada num local onde Turistas apenas encontram outros Turistas. Uma
plataforma globalizada, esvaziada dos seus conteúdos, dos seus moradores e
autenticidade original.
Tudo isto levou a
uma crescente revolta local, com movimentos cívicos e crescentes manifestações
de rua, culminando este processo com a eleição de Ada Colau para presidir o
Município.
A primeira medida
de Colau foi instalar uma moratória durante 1 ano, de todo o licenciamento para
novos projectos turísticos, incluindo hóteis, hostels, reconversões para
alojamentos temporários, etc.
Levou também à
produção do já famoso Documentário “Bye Bye Barcelona”, no qual, todas estas
situações e desafios são ilustrados.
Entretanto, Colau
entrou em confronto directo com a airbnb e a Booking.com, exigindo destas
organizações especialistas em estadias temporárias, a relação completa das
moradas e registos de ofertas dos seus sites.
A todos os
endereços ilegais serão impostas multas de 15.000 a 90.000 euros,
oferecendo Colau como alternativa ao pagamento das multas pelos proprietários
destes alojamentos, a disponibilização pelos mesmos, destas moradas durante
três anos, como habitaçào social, para os residentes locais.
A recusa das
organizações referidas de disponibilizar as informações exigidas, poderá levar
à proibição de acesso a estes sites especializados em oferta de alojamentos
temporários, em todo o território da Catalunha.
Alfama recebeu
recentemente, a visita do Secretário de Estado do Turismo e do Ministro da
Economia, que triunfalmente e com um distanciamento “blasé” em relação a um
possível papel regulador, equilibrador, planeador, recusaram qualquer reflexão
ou dúvida quanto ao crescimento avassalador da oferta e transformação de todas
as residências, em alojamentos temporários, sem qualquer tipo de regulamento ou
limites, dedicados ao Turismo.
Nesta irrealista
e irresponsável atitude caracterizada por um “laissez faire, laisser aller” in
extremis, até criticaram uma tímida e tardia preocupação, formulada por um dos
grandes responsáveis por esta ausência de gestão e planeamento, Manuel Salgado.
Com efeito,
Manuel Salgado ao anunciar em 2008 “A Baixa nunca será um bairro residencial” e
ao propor exclusivamente um investimento na hotelaria, residências
universitárias e alojamentos de curta e média permanência, entregando a
dinâmica do investimento únicamente às exigências dos “mercados”, abdicou da
sua responsabilidade planeadora e reguladora, abrindo a caixa de pandora.
No início do
processo, antes da crise e respectiva transformação, motivada pela mesma crise,
da cidade num gigantesco negócio de estadias temporárias, e acima de tudo, do
exôdo maciço de toda a juventude Portuguesa, estes, naturalmente os potenciais
habitantes de uma Baixa ainda vazia , ainda teria sido possível planear /
estabelecer um equilíbrio.
Assim também, a
possível inserção da totalidade da Baixa num regulamento de rigor Patrimonial
determinado pela Unesco não convinha à liberdade de manobra de intervenção e
licenciamento de Manuel Salgado, pois iria impedir a sua política de
“fachadismo” e de destruição sistemática dos Interiores Pombalinos pelos
“investidores”.
Agora, dramaticamente é tarde, e provavelmente
de forma irreversível Manuel Salgado e os dois ilustres visitantes de Alfama
vão acabar perversamente por “ter razão” na sua irresponsável atitude e
ausência de visão.
Entretanto,
brevemente, em frente a Alfama vai surgir o novo terminal de Cruzeiros,
aumentando o “potencial” e alargando, através das respectivas intervenções e
arranjos da envolvente incluindo possivelmente a desejada desactivação da
estação de Santa Apolónia, a plataforma da Monocultura.
Bye Bye Lisboa!
Historiador de
Arquitectura
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