O
que ganha Costa ao falar grosso?
Manuel Carvalho /
20-9-2015 / PÚBLICO
1. António Costa
recusa discutir com a coligação PSD-CDS uma solução sobre o
futuro das pensões, ganhe ou perca as eleições legislativas;
António Costa jura desde já chumbar o Orçamento do Estado de 2016
se o PS for derrotado no dia 4. Para ele, as próximas legislativas
estão a caminho de se tornar a batalha final, um caso de tudo ou
nada, no qual a luz se bate contra as trevas, a razão contra a
mistificação, o progresso contra a troika. Depois dessa batalha,
diz Costa, não haverá negociações nem tratados de paz, mesmo
sabendo que nem a coligação nem o PS estão em condições de obter
uma vitória esmagadora, por muito que se reconheça que vivemos num
mundo instável e que a situação do país, da Europa, da China, do
Brasil ou de Angola são focos de instabilidade que nos impedem de
prever com optimismo o que vem a seguir. Apesar das incertezas que
recomendam prudência e diálogo, o que Costa promete é o regresso
da guerrilha.
PAULO PIMENTA
Ao assumir a pose de
“senhor não”, Costa cai na cilada que Passos lhe montou. Bem se
sabe que ao longo da legislatura o primeiro-ministro foi useiro e
vezeiro em usar a armadilha do diálogo para mostrar ao país a
intolerância radical do PS perante o espírito ecuménico de um
governo de meninos de coro. Mas se na altura o PS tinha razões para
recusar o laço da cilada, teria de ser mais inteligente na resposta
ao novo repto de Passos para negociar a Segurança Social e devia
estar calado em relação a um Orçamento do Estado que, para já,
não passa de uma miragem distante. Costa, porém, não resistiu a
falar grosso. Talvez por estar empenhado na construção de uma
imagem de líder convicto, que não abdica dos seus princípios e se
mantém fiel ao mandato que os seus eleitores lhe concederam. Mas se
esse nível de intransigência pode existir nas hostes do Bloco ou do
PCP, para uma parte substancial do eleitorado moderado do centro não
passa de uma birra sem sentido.
Para esses
eleitores, os “nãos” implicam “porquês” e Costa não tem
nenhum “porque” convincente para lhes dar. Se recusa um corte de
600 milhões, podia até entalar Passos Coelho dizendo que sim, que
estava disposto a negociar se e só se essa medida fosse retirada. Da
mesma forma, no Orçamento podia dizer que, se perder as eleições,
tentará condicionar o Governo, fará tudo por negociar a inclusão
das suas medidas, para evitar mais “austeridade” e só no caso de
esse esforço se gorar avançaria para um chumbo puro e duro que
ficaria a atestar o “radicalismo ideológico” de Passos Coelho.
Dizendo não por dogma e por estratégia, Costa expõe-se inutilmente
a duas acusações letais: a de ser um radical, um político incapaz
de lutar por compromissos, de ser avesso à negociação e de se
preocupar apenas consigo próprio; ou a de ser um líder embirrento,
que “faz lembrar um bocadinho aquele menino que só aceitava jogar
o jogo de futebol se soubesse, à partida, que era vencedor”, como
ironizou Marcelo Rebelo de Sousa.
Com estas atitudes,
António Costa mostra não ter percebido que mundo dos duelos do tudo
ou nada faz cada vez mais parte do tempo em que os políticos usavam
cartola e bengala. Que a grande mole de eleitores quer mais soluções
e envolvimento do que problemas e dissídio. Todos ficámos a
perceber nos últimos anos que a política deixou de ser uma
construção programática rígida para ter de se adaptar a
circunstâncias nem sempre previsíveis. O que vai ser do défice, do
crescimento das exportações, do preço do petróleo, do impacte da
crise dos refugiados na União Europeia? Ninguém sabe. Sabe-se que o
mundo está perigoso e que não há receitas infalíveis para
problemas volúveis, que o país político precisa de compromissos
para ultrapassar os traumas e as sequelas do programa da troika, a
instabilidade política que se adivinha e, como bem lembrava Daniel
Bessa no Expresso de ontem, para “aprofundar o processo de mudança”
que se iniciou na economia e nas finanças públicas. Essa ideia de
que a política se faz de peito cheio, ar de mau e de dedo em riste
está em recessão. As vacas sagradas da esquerda ou da direita
morreram e, para o bem e para o mal, o que tem de ser tem cada vez
mais força.
2. O desemprego de
longa duração é hoje “um dos mais difíceis e prementes desafios
causados pela crise económica”, considera a comissária europeia
para o Emprego, Marianne Thyssen. Para o travar, Bruxelas quer que
todos os países tenham um plano individual de regresso ao trabalho.
Pode ser que haja outras fórmulas mais eficazes para travar os
efeitos da consequência mais injusta, mais brutal e mais intolerável
do ajustamento da troika. Mas se as há, ninguém deu por elas na
campanha. Como seria de esperar, o tema mobiliza o Bloco e é
trave-mestra do programa do PCP. Como se sabe, António Costa falou
sobre esse flagelo nos debates que travou com o líder da coligação
e, sempre que há oportunidade, o PS mostra que esta é uma das suas
prioridades em matéria de emprego. Mas por onde tem andado a
coligação?
É muito provável
que esta campanha se torne no futuro como a campanha dos paradoxos.
Gasta-se mais tempo a discutir o programa do PS do que a avaliar o
Governo do PSD-CDS; investe-se mais contundência argumentativa na
análise do período que acabou em 2011 do que nos quatro anos da
governação; fala-se mais do detalhe de intenções programáticas
do que se analisam problemas concretos; como notava José Pacheco
Pereira, desbobinam-se séries intermináveis de estatísticas
económicas e financeiras e passa-se ao lado dos números da
realidade social. Como a do desemprego de longa duração.
Todos os portugueses
pagaram um pouco dos custos do ajustamento, seja pelos impostos, pela
depreciação de activos, pelas falências, pelos cortes de salários
ou de pensões ou, principalmente, pelo desemprego. Entre todos os
desempregados, os que nos devem merecer mais preocupação são os
que tiveram uma vida interrompida aos 50 ou 60 anos e são incapazes
de encontrar um lugar neste admirável mundo novo anunciado pela
propaganda da coligação. A pior injustiça que se lhes pode prestar
é esquecêlos nestes dias em que se discute o futuro próximo do
país. Se, por conveniência estratégica, a coligação PSD-CDS o
está a fazer, espera-se então que o PCP, o Bloco e principalmente o
PS façam regressar a questão à actualidade e apontem caminhos para
resolver a mais dolorosa ferida aberta pela crise.
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