Repitam todos agora: “Portugal não é
a Grécia”
Ana Sá Lopes / 21/09/2015 08:29 / Jornal i online
As eleições gregas decretaram ontem a vitória do Syriza
novo, “pasokizado”, a morte do Syriza velho (aquele que foi eleito para recusar
um programa de austeridade e que se bateu pelo “não” no referendo) e a vitória
pessoal de um novo líder social-democrata chamado Alexis Tsipras. O Syriza
velho, que rompeu com Tsipras e fez um novo partido – que Varoufakis apoiou –,
não conseguiu eleger um único deputado. A Nova Democracia manteve os níveis de
derrota de Janeiro, provando que as sondagens dos “empates técnicos” estão a
transformar-se numa anedota mundial.
O interessante destas eleições gregas, a decorrerem no
arranque da campanha oficial das eleições portuguesas, é que se tornaram um
incómodo gigantesco para a política interna. Até parece que agora são todos os
partidos em uníssono a gritar: “Portugal não é a Grécia”, um dos mantras mais
conhecidos de Passos Coelho. A vitória de Tsipras não é um conforto para
Passos: muito embora ele seja um ex-radical, a adesão do povo grego ao homem
que se bateu na Europa (e perdeu) é uma derrota para quem criticou os que andam
“a syrizar” e festejaria hoje um resultado positivo da Nova Democracia. Na
reacção aos resultados gregos, Passos reclamava que a Grécia, “infelizmente,
tem a perspectiva nos próximos anos de executar um programa que é difícil”.
O incómodo é visível por todos os lados. A declaração de
João Ferreira, eurodeputado do PCP com visíveis capacidades de comunicação,
quase nem se percebe, entre o regozijo pela derrota da Nova Democracia e a
fúria pelo programa que o vencedor Syriza vai aplicar. O Bloco mostrou-se longe
de euforias: “Evitou-se o pior cenário, que seria voltar a ter um governo da
Nova Democracia, o principal responsável na situação em que a Grécia se
encontra.”
Nós não somos a Grécia, parecem hoje gritar todos. Como diz
Eduardo Paz Ferreira na entrevista que hoje publicamos, “a esquerda não
percebeu a traição de Tsipras”. A direita não percebeu o seu sucesso. Um enigma
internacional.
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Grécia. Tsipras arriscou tudo para
que tudo ficasse na mesma. E ficou
Syriza vence eleições com 35,5% dos
votos contra os 28,2% da direita conservadora. Tsipras vai repetir coligação de
governo fechada em Janeiro, com ANEL - Gregos Independentes
FILIPE PAIVA CARDOSO / 20/09/2015 22:29:00 / Jornal i online
São várias as vitórias que Alexis Tsipras celebra com as
eleições deste domingo mas todas com um travo amargo. O icónico líder da
esquerda grega (e europeia) viu renovada a confiança dos eleitores gregos,
ganhou um mandato renovado e adaptado ao terceiro resgate, arrasou os
dissidentes internos e ainda viu o anterior parceiro de coligação, o ANEL,
obter votos suficientes para assegurar a renovação da aliança. O Syriza
conseguiu perto de 35,5% dos votos, contra os 28,2% da Nova Democracia.
“Amanhã de manhã, em conjunto com o primeiro-ministro grego,
começaremos a trilhar o caminho para uma nova coligação”, reagiu Panos
Kammenos, líder do ANEL, que pouco depois subia ao palco onde Tsipras fez o
discurso de vitória. “Hoje, na Europa, a Grécia e os gregos são sinónimos de
resistência e dignidade e vamos continuar a lutar juntos nos próximos quatro
anos”, disse Alexis Tsipras no discurso de vitória.
As celebrações têm no entanto um travo amargo, repetimos, e
este foi rapidamente recordado por Martin Schulz, presidente do Parlamento
Europeu, e Jeroen Dijsselbloem, líder do Eurogrupo, com ambos a congratular a
vitória de Tsipras mas lembrando que “agora com um governo sólido é hora de
avançar com as medidas rapidamente”. Reformas à Segurança Social, vender tudo
ao desbarato ou recapitalizar a banca são apenas algumas das medidas impostas
por Bruxelas que o Syriza terá agora com que avançar.
O desenlace das eleições, apesar de ter dizimado com as
previsões das sondagens, não surpreendeu pela vitória do Syriza mas sim pela
dimensão da mesma. Já nas eleições de Janeiro e no referendo de Julho todos os
inquéritos deram sempre menos votos a Tsipras – ou ao lado que apoiava no
referendo – do que aqueles que se verificaram na realidade. O mesmo aconteceu
este domingo: o suposto “quase empate” resultou numa quase maioria de Tsipras.
Contra a vontade de Bruxelas, os gregos, chamados às urnas
pela décima vez desde 2009, recusaram devolver o volante à direita conservadora
e preferiram continuar com o timoneiro da esquerda radical, mesmo que este
tenha sido forçado a capitular ao longo do Verão pelos credores. A lógica “ao
menos resisti aos credores”, como tantas vezes disse Tsipras durante a
campanha, terá resultado.
Abstenção e derrota Pouco menos de duas horas depois do
fecho das urnas e ainda com menos de 30% dos votos contados Evangelos
Meimarakis, líder da ND, concedeu a derrota e congratulou Tsipras. As sondagens
à boca das urnas já evidenciavam uma diferença entre os partidos maior que a
prevista nas sondagens, diferença essa que se foi alargando e consolidando à
medida que a contagem dos votos avançava. O que também ia ficando cada vez mais
evidente era a quantidade de eleitores que optou por não votar.
Ao longo do dia os relatos foram dando conta que a
participação nestas eleições estava a um ritmo aquém dos últimos actos eleitorais
na Grécia. Tanto que as eleições de ontem terão sido das menos participadas no
país desde a II Guerra Mundial. Quase 44% dos eleitores não foi às urnas, quase
mais dez pontos que em Janeiro de 2015 – quando se chegou a 35,38% de
abstenção.
Direita “syrizada” Além da abstenção e da renovação da
coligação eleita em Janeiro, as eleições de domingo evidenciam um aumento do
peso dos partidos de esquerda, mesmo com o ligeiro recuo na votação de Alexis
Tsipras. Os partidos de esquerda, tanto a favor como contra o resgate,
superaram os 50% da votação total, que compara com os 46% de Janeiro. Esta
subida surge apesar da ligeira queda do Syriza e apesar da Unidade Popular ter
ficado aquém do previsto – partido que resultou da cisão da facção mais radical
do Syriza e que ‘roubou’ deputados a Tsipras.
Já olhando para o lado direito do mapa ideológico, e apesar
da ligeira recuperação da ND face aos resultados de Janeiro, se retirarmos das
contas a Aurora Dourada, partido de extrema-direita, não mais de 35% dos gregos
confiou o seu voto a este lado do espectro – valor sobe para 42,6% se
acrescentarmos a extrema-direita, que viu a sua percentagem crescer de 6,28%
para 7,23% – efeito de mais abstenção.
Os pequenos Além da vitória eleitoral, Alexis Tsipras
conseguiu este domingo um resultado que lhe permite silenciar a oposição
interna, em crescendo no Syriza desde o início do Verão. O avanço do terceiro
resgate deixou grande parte da esquerda radical insatisfeita, com muitos a
avançarem para a criação de um partido próprio, a Unidade Popular, contra o
resgate e contra a permanência na moeda única.
Este novo partido, contudo, nem um deputado conseguiu
eleger. A ex-presidente do Parlamento de Tsipras, Zoe Konstantopoulou, e
Panagiotis Lafazanis, ex-ministro de Tsipras, estão assim também nos derrotados
da noite, além de Meimarakis. Mas há mais.
A expectativa do To Potami era grande. Com as sondagens a
colocarem Syriza e Nova Democracia taco a taco, o partido mais ao centro do
espectro grego contava ser um dos trunfos chamados ao governo para desbloquear
uma maioria. Nada mais errado. Caiu na votação, elegeu menos seis deputados e
dada a votação de Syriza e ANEL, o governo não precisa de mais nenhum partido
para chegar aos 151 deputados exigidos para a maioria.
Há ainda a salientar a ligeira recuperação encetada pelo
Pasok, o partido socialista grego. Depois de quase ter desaparecido de cena em
Janeiro, com menos de 5% dos votos, agora conseguiu elevar a sua votação para
os 6,4% – subir pouco é melhor que continuar a cair. Ainda na esquerda,
saliente-se que o Partido Comunista Grego (KKE) manteve a votação já obtida em
Janeiro (c. 5,5%), perdendo no entanto um assento.
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