UE desiste das quotas
obrigatórias para conseguir resposta comum à crise dos refugiados
ANA FONSECA
PEREIRA 21/09/2015 - PÚBLICO
Nova versão do plano Juncker
prevê que sejam os Estados a decidir quantos refugiados vão realojar, mas
resposta dos países de Leste ainda é uma incógnita. Só no fim-de-semana
chegaram mais de 20 mil pessoas à Áustria
Não é certo que à
segunda seja de vez, mas há uma enorme pressão para que a União Europeia chegue
nesta terça-feira a um acordo para a distribuição de 120 mil de refugiados –
uma fracção cada vez mais pequena das centenas de milhar que chegaram à Europa.
O atraso na definição de uma política comum está a aumentar o desnorte dos
países na linha da frente desta crise humanitária, com fronteiras ora abertas
ora fechadas e refugiados colocados à pressa em comboios para destinos incertos
e muitos outros aguardando a sua vez em centros de acolhimento a abarrotar.
“Nenhum país se
pode isentar [do acolhimento aos refugiados] ou deixaremos de pertencer à mesma
união que foi fundada sobre valores e princípios”, avisou François Hollande, o
Presidente francês, no arranque de uma semana em que a diplomacia europeia
tentará recuperar algum do atraso que tem para a realidade no terreno. O ponto
alto será a cimeira europeia extraordinária convocada para quarta-feira, mas
Hollande disse esperar que a questão “extremamente delicada da distribuição dos
migrantes” seja resolvida na véspera, durante a reunião dos ministros do
Interior e da Justiça.
O que vai estar
em cima da mesa não é uma proposta muito diferente da que foi discutida, sem
sucesso, na reunião da semana passada. Mas o jornal Financial Times, que teve
acesso ao rascunho em discussão, adianta que a fórmula de cálculo para definir
quantos refugiados cada país teria de receber foi abandonada, estabelecendo-se
o princípio de que serão os Estados-membros, e não a Comissão, a definir
quantas pessoas vão acolher.
Os países de
Leste, pouco habituados a lidar com fluxos migratórios, insurgiram-se contra o
“carácter obrigatório” do plano apresentado pelo presidente da Comissão
Europeia, Jean-Claude Juncker, chegando a afirmar (sem adiantar números) que
estariam disponíveis a acolher, de forma voluntária, mais refugiados do que
aqueles que lhes tinham sido destinados. Resta saber se a cedência de Bruxelas
é suficiente para superar o bloqueio dos países de Leste, que reuniram esta
segunda-feira em Praga para definir uma posição comum. No final do encontro, o
ministro checo dos Negócios Estrangeiros, Lubomir Zaoralek, faz saber que os
intervenientes na reunião "estão comprometidos com a ideia de a UE chegar
a uma posição comum durante o dia de amanhã".
A nova proposta,
adianta o FT, deverá ter pouco impacto na forma como serão distribuídos os 120
mil refugiados que a Comissão propôs que fossem realojados, com os países mais
ricos a acolher mais gente. Torna mais difícil, porém, que o esquema que vier a
ser adoptado sirva de base a um mecanismo permanente que possa ser activado no
futuro – prevê-se que em 2016 o número de refugiados a chegar à Europa não
fique abaixo dos 440 mil que atravessaram este ano o Mediterrâneo.
A proposta de
compromisso responde também às exigências da Hungria, que não queria ser
classificada como “país beneficiário” deste plano de distribuição, dizendo que
os refugiados que estão a atravessar o país vêm da Grécia e Itália – uma
posição que indica que Budapeste, apesar da retórica anti-imigração e das
medidas securitárias, planeia enviar para Norte todos os que continuam a chegar
às suas fronteiras. O plano original previa que os restantes Estados fossem à
Hungria buscar 54 mil refugiados, não sendo certo se essas vagas vão ser
preenchidas na Grécia e Itália ou vão ficar de reserva.
Odisseia nos
Balcãs
Arestas que os
Vinte e Oito esperam limar a tempo da reunião de quarta-feira, libertando os
líderes europeus para a discussão de uma estratégia de mais longo-prazo. A
Reuters adianta que entre as prioridades estará o reforço da cooperação com a
Turquia – portão de saída da Síria para a Europa – a transformação da Frontex
numa verdadeira agência de fronteiras, com meios e capacidade de acção própria,
e a criação de centros europeus de acolhimento nos países de chegada. Numa
tentativa para estancar as chegadas às costas europeias, a cimeira vai também
discutir o reforço da ajuda aos países vizinhos da Síria, onde vivem quatro
milhões de refugiados, e às agências da ONU que aí trabalham.
“Esta é
provavelmente a última hipótese de a Europa encontrar uma resposta unida e
coerente" para a crise, alertou o Alto Comissariado das Nações Unidas para
os Refugiados, lembrando que "quatro mil pessoas continuam a chegar
diariamente às ilhas gregas”.
Segue-se uma
odisseia pelos Balcãs em direcção à Alemanha, destino final da grande maioria
dos refugiados. A Croácia disse já ter recebido 29 mil pessoas desde que, na
semana passada, a Hungria fechou a fronteira com a Sérvia. A etapa seguinte
seria a Eslovénia, mas como aquela fronteira só a espaços tem sido aberta, os
refugiados estão a ser levados de autocarro e comboio para a Hungria onde,
apesar da política oficial do Governo, os refugiados são rapidamente
encaminhados para a Áustria.
Só durante o fim-de-semana,
mais de 20 mil pessoas, sobretudo sírios, chegaram à pequena vila austríaca de
Nickelsdorf, na fronteira com a Hungria. A correspondente da BBC conta que a
estação de autocarros local “se assemelha ao Apocalipse”, com lixo espalhado
por todo o lado e famílias a dormir nos poucos espaços livres. Apesar das
condições miseráveis, Saeed, um jovem sírio ouvido pela AFP, sentia-se
recompensado: “Toda a gente sabe: assim que estás na Áustria podes dizer que
chegaste.”
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