LEGISLATIVAS 2015
“Ninguém chega virgem à liderança
dos grandes partidos”
NELSON MARQUES
25.09.2015 às
8h43 / EXPRESSO
Passos Coelho
nunca teria sido primeiro-ministro sem o apoio de Relvas, o homem do aparelho
do PSD. E António Costa provavelmente não seria líder do PS sem a rede de
clientela que montou em redor da Câmara de Lisboa. Para conquistar o poder vale
[quase] tudo. No final, é a democracia que perde, explica Vítor Matos, autor do
livro “Os Predadores”, apresentado esta quinta-feira
NELSON MARQUES
O jornalista
Vítor Matos, nascido em Grândola um ano antes da revolução de 74, passou 10
meses a investigar os podres nas eleições internas dos dois partidos que têm
alternado na governação do país - PS e PSD - mas há mais de uma década que vem
denunciando casos que fazem perigar a democracia em Portugal. O retrato traçado
em "Os Predadores", que explica "tudo o que os políticos fazem
para conquistar o poder", é desanimador para quem acredita na política: há
histórias de eleições falseadas, troca de votos por cargos e favores, de
políticos que se perpetuam no poder com muitas manhas. Neste jogo, não há
inocentes, só culpados que "estão a matar a democracia em Portugal". Leia,
se tiver estômago.
Defende no livro
que não há democracia no PS e no PSD, porque os aparelhos partidários estão
dominados por verdadeiros "gangues" que se vão perpetuando no poder. Que
mecanismos é que eles usam?
Analisei PS e PSD
porque são os partidos que têm alternado no poder. Quando falo em gangues é uma
imagem forte que quero transmitir porque há zonas do país onde há secções, quer
do PS, quer do PSD, isso é completamente indistinto, em que os dirigentes
tornam as estruturas totalmente inexpugnáveis para quem quiser ir lá disputar o
poder. São pequenas ditaduras que existem a nível de freguesias, dos concelhos,
por vezes já ao nível das distritais dos partidos.
Como é que estes
políticos se perpetuam no poder?
Têm um saco de
votos que lhes garante a vitória. E isso mata a democracia em Portugal, porque
não há democracia interna nos partidos. Os dirigentes não são escolhidos pelos
militantes; os dirigentes escolhem um grupo de pessoas que vão votar neles de
certeza. Comecemos pela base. Há pessoas na junta de freguesia que têm alguém a
quem dão uma avença. E esse indivíduo que tem uma avença tem que controlar 20
militantes e levá-los a votar no dirigente a que o cacique está associado
quando há eleições internas. Isto é comum e transversal aos dois partidos.
Muitas vezes, [estes votantes] são pessoas de bairros sociais, desfavorecidas,
não são militantes. Tanto lhes dá se é PS ou PSD. Isto não é como nas eleições
normais, em que as pessoas se apresentam com ideias, com programas. Aqui é
contar votos e acabou.
O que recebem
estes caciques em troca?
Há uma lógica de
comércio muito ligada aos empregos. As pessoas que têm os empregos reúnem os
votantes: arranjam amigos, a família, são responsáveis por levar as pessoas a
votar e o seu desempenho perante o dirigente é premiado ou não. A um nível
intermédio, por exemplo, o prémio podem ser as candidaturas às câmaras. A um
nível mais elevado já se joga com cargos no estado. Um líder distrital vai
agarrar na sua pirâmide de poder e quando o partido chega ao poder vai tentar
colocar as pessoas que lhe são próximas nos centros regionais de segurança
social, nas direções regionais de educação ou saúde, nas administrações dos
hospitais... Quando falamos dos boys, não é só dar emprego às pessoas do
partido. Tem muito mais a ver com um jogo de recompensas: dar um cargo ao que o
apoiou e marginalizar aquele que esteve a desafiar a liderança. Daí a
oligarquia e a pequena ditadura se cristalizarem e o poder se tornar
inexpugnável para quem tentar ganhar eleições.
Vale tudo para
conquistar o poder? No livro, explica que, por vezes, só a arregimentação de
votos não chega, são precisas outras manobras, as chamadas 'chapeladas'.
Quando a parada
está alta e há duas facões muito equilibradas, é quando as chapeladas aparecem.
Basta uma secção de voto ter a informação que aquilo está meio empatado e
aparecem assim uns votos não se sabe bem de onde, de militantes que não existem
ou que depois se descobre que não foram votar. Por vezes, a fação que domina a
mesa de voto exerce hostilidade sobre a outra, muitas vezes hostilidade física.
E se o protesto não ficar lavrado em ata eleitoral, não conta. Por mais que
protestem a seguir que houve uma chapelada monumental, já não há volta a dar. Ora,
para que as chapeladas não se tornem casos consumados, muitas vezes isso só é
possível aumentando ainda mais a parada. Por exemplo, roubando a urna para
deitar abaixo o ato eleitoral.
A verdade é que
esses esquemas não se ficam pela base. Por exemplo, conta que, na corrida à
liderança do PSD, Luís Filipe Menezes recorreu a um pirata informático para
descodificar um algoritmo que lhe permitiu pagar as quotas a milhares de
militantes.
Nesse ano o PSD
criou um esquema para dificultar a vida aos caciques: pagamento de quotas só
por multibanco, cheque individual ou vale postal. Muita gente escolhia o
multibanco. O Menezes tinha desenvolvido um sistema muito preciso que lhe
permitia saber que militantes estavam com ele, só que ainda precisava saber se
eles tinham as quotas pagas ou não. É aí que um dos elementos da candidatura
arranjou um hacker em Espanha que conseguiu quebrar o algoritmo que gerava os
códigos de pagamento de quotas por multibanco.
De onde veio o
dinheiro para pagar essa quotas?
Não se sabe. O
que se sabe é que, por cada mil militantes, pagar as quotas de um ano são 12
mil euros. Se forem dois anos, são 24 mil euros. Em abstrato, pode funcionar de
muitas maneiras: pode ser através da angariação de fundos com festas e
jantares; pode ser através de dinheiro próprio, há muitos que põe dinheiro do
próprio bolso, dependendo do montante e se têm dinheiro para investir; depois
pode ser, muitas vezes, através de empreiteiros, empresários amigos, de todos
aqueles negócios com as câmaras. Descreveram-me vários casos em que as câmaras
compensam depois essas empresas com contratos com valores mais elevados.
Menezes teria
ganho sem essa manobra?
Acho que não. Se
não tivesse conseguido pagar as quotas desses militantes teria dificuldade. O
caso do Menezes é muito importante porque ele estava a lutar contra quem
dominava a secretaria do partido. Conseguiu lutar contra a elite de notáveis, a
comunicação social... Eu próprio, nessa noite, fui para a sede de candidatura
do Marques Mendes à espera de o ver ganhar. Quando cheguei lá percebi que ele
ia perder. Os jornalistas de política ficaram todos baralhados. Nunca
pensaram...
Diz que as
primárias do PS, em que António Costa tirou a liderança a António José Seguro,
foram um "embuste". O que aconteceu?
As primárias
foram vendidas como um avanço democrático, uma abertura do partido à sociedade.
Muita gente, mesmo do PSD, dizia que era uma tendência imparável. Só que a
lógica das primárias é igual à lógica das diretas. Havia a ideia que os
congressos eram demasiado elitistas, que havia mil pessoas que iam decidir quem
seria o próximo primeiro-ministro. Depois, passou-se a dar voz aos militantes e
passou-se para as diretas. Só que o que aconteceu é que se deu voz a estes
esquemas de caciquismo. E nas primárias isso replicou-se. Se nas diretas se
multiplicam os defeitos dos congressos por 100, as primárias multiplicam esses
defeitos por mil. O que é necessário é angariar mais simpatizantes sem gastar
dinheiro em quotas. E isto não é feito por amadores, é feito por profissionais,
que têm empregos nas câmaras...
São profissionais
do caciquismo.
São
profissionais. Um presidente de câmara tem 10, 20, 30 pessoas na autarquia e
pode disponibilizar algumas para estarem a angariar militantes e conseguem
centenas de simpatizantes, a seguir aquela gente vota toda no candidato deles. No
livro, há vários exemplos de resultados do Seguro em que este teve 70, 80%, 90%
em certos concelhos, sobretudo em algumas áreas menos urbanas, completamente à
revelia do que foi a tendência nacional. Ou seja, percebe-se como é que a coisa
funciona. No caso do António Costa é mais difícil de detetar, porque, como ele
ganhou, as diferenças não são tão grandes, mas percebe-se que onde ele teve as
maiores votações essas votações estão alinhadas com os dirigentes locais. Houve
voto livre? Houve com certeza. Houve muita gente que foi votar voluntariamente?
Houve. Mas o que definiu as eleições foi o aparelho.
Costa beneficiou
mais do aparelho?
Acho que o
resultado seria sempre uma vitória do António Costa. Só acho que ele teve uma
máquina muito mais eficiente, muito mais profissional, e conseguiu potenciar o
resultado. Os aparelhos também sentem a tendência nacional. Querem um líder que
lhes dê o poder. Se sentem que o Seguro não vai lá, ficam do lado do Costa. Por
que é que o Costa não avançou da primeira vez [em 2013]? Porque sentiu que o
aparelho ainda não está estava com ele porque ia haver autárquicas.
A imagem que
traça do líder do PS é a de um homem "capaz de fazer o que for
preciso" para ganhar.
É um depoimento
de uma pessoa que é uma das atuais cabeças de lista do PS, baseado em factos, e
que descreve como ele era na JS. O António Costa é um pragmático. Se é preciso
ganhar, usam-se os meios necessários. Mas isso desde o século XVI que está
definido pelo Maquiavel: as vezes os meios justificam os fins. Os políticos
profissionais, como é o caso dele, funcionam assim. Ele foi construindo o seu
poder recorrendo ao que fosse necessário.
Por exemplo,
criando na Câmara de Lisboa uma rede de clientelas, não apenas boys, mas também
familiares de notáveis socialistas. Refere que foi assim que [Costa] fez da autarquia
um "dos maiores centros de poder do país" e diz que essa base foi um
dos fatores decisivos para conquistar a liderança do partido.
Quando Costa
esteve no Governo, foi levando pessoas que considerava que tinham valor, não
estamos a falar de caciques. Mas ele foi criando esses quadros, que o foram
sempre acompanhando e são fidelíssimos. Depois, na câmara, que é uma
macroestrutura, fez explodir todos os interesses à volta da autarquia. Quando o
PSD lá estava era a mesma coisa, só foram substituídos pelos do PS. Estamos a
falar de ex-presidentes de junta, presidentes de junta que não foram eleitos,
dirigentes das estruturas à volta de Lisboa, que ficaram desempregadas quando o
partido perdeu as câmaras, e depois a rede familiares de notáveis do partido. Se
não é ele a fazê-lo, ele permite que os dirigentes mais próximos dele o façam. Tem
lá a mulher do Marques Perestrello, que é o presidente da FAUL [Federação da
Área Urbana de Lisboa do PS], e está lá a mulher do próprio vereador Duarte
Cordeiro. Para um partido que defende os ideais do republicanismo...
Passos Coelho fez
diferente no governo?
Não fez, apesar
de ter querido dar a imagem de que ia fazer diferente. Passos Coelho parecia
querer quebrar com isso quando escreveu o livro "Mudar", com a
retórica toda na campanha, e também o próprio Portas tinha uma retórica que era
contra o clientelismo do PSD...
Não queria
"um governo de Marcos Antónios e Relvas".
Isso mesmo.
Quando chegou ao Governo, Passos Coelho tem uma iniciativa importante, que é um
passo do qual não se pode voltar atrás mas que precisa de ser aperfeiçoado, que
é a CRESAP [Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública]. Tem
ali um filtro de meritocracia em relação aos candidatos que se apresentam. Só
que depois dos três finalistas a uma posição, que aparecem por ordem alfabética
e não por ordem de mérito, os ministros escolhem quem querem. Desses três, há
um ou dois que são militantes e é sempre o militante que é escolhido. Nos
centros distritais da segurança social, que é onde isso é mais fácil de
verificar, havia 18 dirigentes socialistas e passou a haver 18 dirigentes do
PSD e do CDS. E o mesmo acontece nas administrações regionais, nos hospitais,
nos ministérios... Não mudou nada.
Descreve Passos
Coelho como um homem que sempre viveu da política, mesmo quando esteve for a
dela. Foi sempre a política que lhe proporcionou o sustento?
Ele é um produto
da 'jota', faz a carreira toda na 'jota' e a cultura de Passos Coelho, assim
como a de António Costa, é a cultura interna dos partidos. Quando ele sai da
política, havia um estigma grande dos 'jotinhas' e ele tenta descolar dessa
imagem e cria a imagem do político que deixou a política e foi para o privado. Só
que, se formos ver, ele teve empregos em empresas sem qualquer relevância,
inicialmente empregos arranjados por amigos da 'jota' - porque ele passou uma
fase difícil da vida e foram os amigos da JSD que lhe deram a mão -, como a
Tecnoforma, empresas que vivem de apoios do estado, sobretudo de fundos
comunitários; depois na Fomentinvest, cujos acionistas são umas fundações e
bancos e cujos os clientes são esmagadoramente do Estado. Ou seja, ele nunca
saiu da bolha. Quando regressa à política, há um trabalho de construção de
imagem muito bem feito, liderado pelo Miguel Relvas. Ele é um líder construído
da base, desde 2007, quando Menezes ainda está na liderança, até ganhar o
partido em 2010. Tenho a certeza que Passos Coelho só não ganhou da primeira
vez, contra a Manuela Ferreira Leite, porque o Santana Lopes se interpôs. Se
Santana não tivesse avançado, Passos teria ganho ali o partido.
Relvas não deixou
que ninguém se esquecesse disso quando se demitiu do Governo.
Na altura foi
visto até como um bocadinho de mau gosto, estar a lembrar "Se estás cá é
porque fui eu que te fiz". E é verdade. Passos Coelho deve a Miguel Relvas
a liderança do partido. Relvas domina estes mecanismos, sabe como é que as
coisas funcionam. É deputado desde os 24 anos, dentro da lógica das 'jotas'. É
de uma geração de políticos que foram muito criticados por não terem cursos,
não terem formação, mas terem grandes vidas, grandes carros, sem terem feito
nada por isso. São políticos profissionais, que sabem como é que estas
estruturas funcionam, sabem como se recolhem os apoios, sabem a recompensa que
cada dirigente ambiciona e têm uma rede antiga das 'jotas'.
Fala de Marco
António Costa, "Big MAC", como o cacique perfeito. O homem que os
"elitistas de Lisboa" consideravam um "azeiteiro do Norte"
e que chegou a vice-presidente do PSD e o dirigente com mais peso do partido. Poderá
algum dia suceder a Passos?
Não me parece.
Suponho que ele tem consciência disso. Aliás, o próprio Relvas também sabe que
nunca poderá ser número um. São pessoas que têm qualidades políticas, só que já
têm um passado que pode não augurar grande futuro se chegarem a um cargo muito
exposto. Qualquer um deles, o MAC ou o Relvas, quanto mais subiram na
hierarquia mais se tornaram agentes tóxicos para o líder que apoiaram, por
causa das polémicas que vão surgindo e que têm a ver com este percurso que
foram fazendo. O MAC, se quiser, será determinante na eleição do próximo líder
do PSD. Será muito difícil ser líder do PSD contra o apoio dele.
É mais respeitado
ou mais temido dentro do partido?
É um misto. Será
respeitado por aqueles que gostam dele e será temido pelos inimigos que não se
declaram. Pessoas como o MAC têm muitos inimigos dentro do partido.
Passos Coelho,
por exemplo, não gostava dele mas convidou-o para o Governo.
Teve que ser
convencido a levá-lo, pelo Relvas.
A sua investigação
incidiu apenas sobre o PS e o PSD. As dinâmicas de ascensão ao poder no CDS ou
no PCP são distintas?
O CDS começa a
aproximar-se desta lógica do PSD e do PS, só que é um partido muito pequeno e
tem pouco poder para distribuir. O que é interessante analisar no CDS é o modo
como o Paulo Portas domina o partido. No CDS há um vértice, nos outros partidos
há muitos vértices de pirâmides sobrepostas. O CDS é Paulo Portas. Ele criou as
pessoas que hoje são importantes no partido, permitiu que elas crescessem, foi
colocando-as em lugares importantes, para irem ganhando experiência e
credibilização. Nos outros partidos são boys. No CDS falam de
"quadros". É o Portas que os vai buscar e vai criando a sua própria
oligarquia já com experiência política e de gestão pública. Emergem menos do
aparelho.
E o PCP?
O PCP é um
partido completamente distinto. Seria muito interessante analisar como funciona
nas câmaras, porque os do PCP continuam a ser revolucionários profissionais, é
um partido de profissionais da política, onde abertamente não há democracia
interna. Os outros partidos vendem-se como democráticos e não o são. O PCP à
partida já sabemos que não é.
É possível chegar
"virgem" destes esquemas à liderança dos grandes partidos?
Não é. Ninguém
pode ser líder sem estas pessoas.
No livro descreve
como, em 1998, Marcelo Rebelo de Sousa, com a ajuda de Rui Rio, tentou reformar
o PSD e acabar com o caciquismo. A intenção deles era genuína?
Era. O Rio,
então, era um radical anti aparelho e isso criou-lhe resistências enormes. A
inimizade dele com o Menezes não nasceu aí, mas foi aí que se potenciou. Menezes
moveu uma guerra totalmente fratricida contra o Rio e só deixou de tentar
desgastar a liderança do Marcelo quando este demitiu o Rio. Ou quando criou as
condições para que ele saísse. Na altura havia um escândalo de militantes
inventados, de nomes que não existiam, dezenas de pessoas com as mesmas
moradas, em suma, aquilo que ainda hoje existe. Marcelo e Rio fizeram um
processo de refiliação, para tornar as eleições mais genuínas, e criaram as
diretas para as estruturas. Deixou de haver congressos para eleger os líderes
distritais e passou a haver o voto direto dos militantes.
O que falhou?
Quando as
estruturas distritais passaram a ter diretas o caciquismo tornou-se
exponencial. O voto direto é esta lógica de que temos estado a falar. As boas
intenções dentro dos partidos têm sido sempre aproveitadas pelos aparelhos como
uma oportunidade.
Rio continua a
ser um fervoroso anti aparelho?
Acho que ele não
mudou, só que se ele quiser ser líder do PSD - e ainda não se sabe muito bem se
quer a liderança do partido ou a presidência da República - ele não o
conseguirá com o discurso anti aparelho. Ser líder do partido contra o aparelho
é muito difícil, a não ser que o aparelho cheire que aquele é um líder
transitório.
Tem sido um
político diferente?
Em determinada
fase foi, a seguir à Câmara do Porto não tenho dados. Acho que a cabeça dele
ainda funciona assim.
E o Marcelo?
É um caso
engraçado, porque tem andado a fazer 'a rota da carne' assada pelo aparelho, há
anos que vai a todas as pequenas coisas para que o convidam. Se ele avançar
para a Presidência da República, ele é muito querido pelas bases do partido,
não precisa de andar a fazer caciquismo, mas manteve boa relação com estas
pessoas que são importantes.
Durante o livro,
foi ameaçado com processos.
Só identifico uma
pessoa, uma advogada de um dos visados, que me enviou um email a dizer "se
põe lá o nome do meu cliente eu avanço com um processo judicial". É um
dirigente do PSD que esteve envolvido num processo de fichas falsas na JSD de
Lisboa e que é arguido num processo sobre o qual já tinha escrito há uns anos. Enviei-lhe
umas perguntas, quis falar com ele e ela quis proibir-me de falar dele.
Mas falou na
mesma.
Claro que falei. Chama-se
Nuno Firmo, está no livro.
Ela concretizou a
ameaça?
Não faço ideia.
E agora, na
campanha, têm apertado consigo?
Há pessoas que se
manifestam, que ficaram um bocado amofinadas com o livro como é evidente,
porque prejudica-lhes a imagem, mas também há pessoas que, estando citadas no
livro, por vezes não nos melhores termos, vieram felicitar-me pela
factualidade, dizer-me que "sim senhor, é assim que as coisas se
passam". Há uma coisa engraçada: muitas das pessoas que lutam com estas
armas estão fartas, mas fazem-no porque não têm alternativa. Para continuarem
na política, têm de o fazer.
A democracia
portuguesa está ameaçada?
Acho que sim. Os
grandes partidos põe em perigo a democracia porque, por um lado, este tipo de
práticas afasta muita gente que quer fazer política; e, por outro lado, ajuda a
afastar os cidadãos da política. Depois, uma grande parte dos deputados são
escolhidos dentro destas lógicas. Ou seja, elas contaminam o sistema
representativo. E também contaminam o Estado, no sentido que muitas nomeações
são feitas como moeda de troca destes apoios e destas lógicas de funcionamento
dos partidos.
As 'jotas' são o
viveiro do caciquismo?
Sim, as coisas
começam a ser feitas aí. As 'jotas' já começam a funcionar desde muito cedo
nesta lógica da contagem de votos, dos apoios por cargos, e são sobretudo
usadas pelos políticos seniores como sacos de votos das suas estruturas
mediante depois distribuição de cargos. Os que querem fazer carreira começam
por aqui. O que não quer dizer que não haja gente boa e bem intencionada. Mas
se querem continuar têm de se entregar ao sistema.
E como é que se
pode tornar o sistema mais higiénico?
É muito
complicado. Mas há uma coisa que é possível de fazer: criminalizar as
'chapeladas' internas dos partidos, da mesma forma que é crime a falsificação
de eleições nacionais. Os partidos estão acima da lei. Pode haver uma vigarice
que só tem consequência nas jurisdições internas dos partidos e mesmo essas não
funcionam, porque estão alinhadas com as direções ou porque não querem criar má
imagem externa do partido. Se se criminalizarem estas
'chapeladas', isso já seria dissuasor.
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