Croácia
tenta forçar Hungria a receber refugiados
Primeiro-ministro
croata diz que vai continuar a enviar autocarros para a Hungria, sem
acordo com o Governo de Viktor Orbán. Hungria ameaça vetar acesso
da Croácia ao espaço Schengen
Alexandre Martins /
20-9-2015 / PÚBLICO
As profundas
divisões na União Europeia sobre a melhor forma de lidar com a
chegada de centenas de milhares de pessoas, a maioria em fuga de
guerras e perseguições em países como a Síria e o Iraque,
deixaram a Croácia e a Hungria à beira de um incidente diplomático.
O Governo croata diz
que nos últimos dias chegaram ao país mais de 20.000 refugiados
Depois de o Governo
húngaro ter erguido um muro e cercas de arame farpado ao longo da
fronteira com a Sérvia, e de ter criminalizado a entrada de pessoas
sem documentos, milhares de refugiados e migrantes que deixaram de
poder atravessar o país para chegarem ao Norte da Europa viraram-se
para a Croácia.
Na terça-feira, o
primeiro-ministro croata, Zoran Milanovic, disse que o seu país iria
receber refugiados e migrantes “independentemente da sua religião
e cor de pele”, lançando duras críticas à Hungria: “Arame
farpado no século XXI não é uma resposta, é uma ameaça.”
Mas o discurso do
Governo de centro-esquerda da Croácia foi mudando à medida que a
sua capacidade para lidar com a situação foi diminuindo — desde
que aquelas palavras foram pronunciadas pelo primeiroministro,
entraram no país mais de 20.000 pessoas, a maioria em busca de uma
passagem para outros paísesmembros da União Europeia, como a
Alemanha, que em Agosto prometeu recebê-las.
Apesar de a resposta
da polícia croata não ter sido violenta (ao contrário do que
aconteceu na quarta-feira, quando centenas de refugiados e migrantes
tentaram entrar na Hungria a partir da Sérvia), as autoridades do
país dizem que já não conseguem lidar com a chegada de mais
pessoas, e começaram a encaminhar algumas delas para a Hungria, na
sexta-feira, uma decisão que enfureceu o Governo de Budapeste.
Numa passagem pela
cidade de Beli Manastir, perto da fronteira com a Hungria, o
primeiro-ministro croata disse que vai continuar a “forçar” o
Governo húngaro a receber alguns dos refugiados e migrantes, sem os
registar previamente: “Não houve nenhum acordo. Forçámo-los a
aceitá-los, e vamos continuar a fazê-lo”, disse Milanovic.
Em resposta, o
ministro dos Negócios Estrangeiros húngaro, Peter Szijjarto, acusou
o Governo croata de “violar a soberania da Hungria” e de “mentir
de forma reiterada a húngaros, croatas e a todos os cidadãos da
União Europeia”. “Que tipo de solidariedade europeia é esta?”,
questionou o ministro.
O Governo húngaro
ameaçou também vetar a entrada da Croácia no grupo dos países que
formam o espaço de livre circulação na Europa. “Se a Croácia
levantar as mãos e disser que não quer defender as fronteiras, a
Hungria só pode concluir que não está preparada para se juntar ao
espaço Schengen”, disse Antal Rogan, chefe de gabinete do
primeiro-ministro húngaro, em declarações à rádio
pró-governamental InfoRadio, citado pela agência Reuters.
“Uma das condições
para entrar no espaço Schengen é que o país esteja decidido a
defender as fronteiras externas da Europa. Se falhar este objectivo
de forma tão explícita, então é porque não está pronto para ser
membro de Schengen”, declarou o responsável húngaro.
O espaço Schengen é
constituído por 26 países europeus, mas há seis membros da União
Europeia que não integram este grupo — o Reino Unido e a Irlanda
por decisão própria; a Croácia, a Bulgária, a Roménia e Chipre
por ainda não terem garantido que cumprem as exigências
necessárias.
Na próxima
quarta-feira, os chefes de Estado e de Governo da União Europeia vão
reunir-se em Bruxelas para tentarem chegar a acordo, mas há poucas
esperanças de que isso venha a acontecer — a Comissão Europeia
quer que todos os países recebam um total de 160.000 refugiados,
cada um na medida das suas possibilidades, mas essa proposta já está
em cima da mesa há pelo menos duas semanas, e países como a
Hungria, a Eslováquia ou a República Checa nunca deram sinais de
que venham a aceitá-la sem condições.
Enquanto isso,
milhares de pessoas estão encurraladas entre a Hungria, a Croácia e
a Sérvia, e todos os dias procuram um novo caminho que possa
levá-las até ao Norte da Europa — quando a Hungria fechou as
portas, viraram-se para a Croácia; quando a Croácia disse que não
conseguia registá-las, viraram-se para a Eslovénia. Agora, muitas
dessas pessoas estão a ser transportadas de um lado para o outro: da
Croácia para a Hungria e da Hungria para a Áustria, sem nunca
passarem das zonas de fronteira.
Nas últimas horas,
pelo menos 1200 pessoas entraram na Eslovénia a partir da Croácia,
ficando um pouco mais perto de países como a Áustria e a Alemanha,
mas também aí enfrentaram a falta de uma resposta conjunta da União
Europeia. Sem saberem ainda muito bem o que fazer, as autoridades
eslovenas já usaram gás pimenta para dispersar refugiados e
migrantes, na sexta-feira à noite (deixando-os depois entrar em
grupos mais pequenos), e já disseram que vão falar com os seus
vizinhos sobre a possibilidade de abrir um “corredor” para deixar
passar essas pessoas, se a situação nas suas fronteiras se agravar.
E a crise só poderá
piorar nos próximos tempos, já que muitos milhares continuam a
chegar à Grécia a partir da Turquia, partindo depois pela chamada
rota dos Balcãs, em direcção aos mesmos países que vão
empurrando de um lado para o outro os que já lá chegaram.
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