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O diabo chegou –
e é um vírus
O coronavírus vai
ser a prova do algodão do governo de António Costa. Pela qualidade do combate à
epidemia se verá se ele é um político de mão-cheia.
JOÃO MIGUEL
TAVARES
10 de Março de
2020, 6:11
Durante quatro
anos, António Costa geriu o país com muita habilidade, mas num contexto
altamente favorável. Esse contexto acabou. A epidemia do coronavírus vai ter um
impacto brutal no turismo e, por consequência, na restauração, nos eventos, na
cultura, nos transportes, no imobiliário, e afectar toda a cadeia produtiva,
como há vários meses já tinha percebido quem estava dependente da produção
chinesa. As bolsas mundiais estão a afundar, e uma pequena economia aberta,
como a portuguesa, vai sofrer enormemente. Mesmo que a queda do preço de
petróleo diminua a factura energética, e algumas indústrias beneficiem da
pandemia (a farmacêutica, desde logo), a falta de confiança irá inevitavelmente
colocar um travão a fundo no consumo e, com boa probabilidade, pôr o planeta
inteiro em recessão.
Desta vez, as
habilidades de António Costa e o seu optimismo, mais ou menos irritante, não
vão chegar para ultrapassar um problema desta dimensão. Mário Centeno não terá
outro remédio senão descativar, e o governo será mesmo obrigado a mostrar o que
vale em clima de crise, sem poder contar com a popularidade fácil das viragens
de páginas de austeridade. Com esta terrível maldade cósmica: a crise atacou
onde o governo mais desleixo exibiu na última legislatura, tanto em termos
financeiros como políticos – a área da saúde.
O combate ao
coronavírus vai assentar em cima de um tripé em que a única dúvida é saber qual
das pernas é mais frágil. Se a ministra da Saúde, Marta Temido, que é um dos
piores membros do governo e nada indica que no meio desta crise desabroche uma
capacidade de liderança que nunca ninguém lhe viu (convém não esquecer que uma
das suas primeiras intervenções nesta matéria foi fazer uma recomendação que
teve de ser corrigida pela própria DGS); se a directora-geral da Saúde, Graça
Freitas, que é certamente muito esforçada, mas cujo talento para dar confiança
aos cidadãos e assegurar que tudo está a ser feito sem mácula fica a anos-luz
do de Francisco George; ou se a perna mais frágil do nosso azarado tripé não
será mesmo o SNS, que já estoura todos os anos pelas costuras com um simples
surto de gripe, e que não se vê como poderá ter capacidade para lidar com uma
situação de emergência como a italiana, se tivermos o azar de ser confrontados
com ela.
É verdade que o
país costuma ser muito bom no desenrascanço, mas tenho sérias dúvidas que isso
chegue para combater epidemias. Aquilo que até agora vimos foi isto: no sábado
o Estado a sugerir que se telefone para a linha Saúde 24 e no domingo a
informar que a linha não suporta tantas chamadas; na segunda a aconselhar uma
professora que chegou do Norte de Itália a ir dar aulas e na terça a encerrar a
escola toda; na quarta o primeiro-ministro a declarar solenemente que não se
mudam generais a meio da batalha (o que não é grande voto de confiança em Graça
Freitas, mas enfim) e na quinta a correr com o responsável da linha Saúde 24;
na sexta Marcelo Rebelo de Sousa a oscular o país inteiro e no sábado a
anunciar que se vai barricar em casa durante 15 dias. Bom, assim uma pessoa
fica confusa. Ou bem que é para estar tudo tranquilo, ou bem que é para
encerrar todas as faculdades de Medicina.
Até agora, a
coerência não tem abundado. Mas é só o começo. O coronavírus vai ser a prova do
algodão do governo de António Costa. Pela qualidade do combate à epidemia se
verá se ele é um político de mão-cheia ou apenas alguém que teve imensa sorte
nos últimos quatro anos.
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