segunda-feira, 9 de março de 2020

O diabo chegou – e é um vírus

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O diabo chegou – e é um vírus

O coronavírus vai ser a prova do algodão do governo de António Costa. Pela qualidade do combate à epidemia se verá se ele é um político de mão-cheia.

JOÃO MIGUEL TAVARES
10 de Março de 2020, 6:11

Durante quatro anos, António Costa geriu o país com muita habilidade, mas num contexto altamente favorável. Esse contexto acabou. A epidemia do coronavírus vai ter um impacto brutal no turismo e, por consequência, na restauração, nos eventos, na cultura, nos transportes, no imobiliário, e afectar toda a cadeia produtiva, como há vários meses já tinha percebido quem estava dependente da produção chinesa. As bolsas mundiais estão a afundar, e uma pequena economia aberta, como a portuguesa, vai sofrer enormemente. Mesmo que a queda do preço de petróleo diminua a factura energética, e algumas indústrias beneficiem da pandemia (a farmacêutica, desde logo), a falta de confiança irá inevitavelmente colocar um travão a fundo no consumo e, com boa probabilidade, pôr o planeta inteiro em recessão.

Desta vez, as habilidades de António Costa e o seu optimismo, mais ou menos irritante, não vão chegar para ultrapassar um problema desta dimensão. Mário Centeno não terá outro remédio senão descativar, e o governo será mesmo obrigado a mostrar o que vale em clima de crise, sem poder contar com a popularidade fácil das viragens de páginas de austeridade. Com esta terrível maldade cósmica: a crise atacou onde o governo mais desleixo exibiu na última legislatura, tanto em termos financeiros como políticos – a área da saúde.

O combate ao coronavírus vai assentar em cima de um tripé em que a única dúvida é saber qual das pernas é mais frágil. Se a ministra da Saúde, Marta Temido, que é um dos piores membros do governo e nada indica que no meio desta crise desabroche uma capacidade de liderança que nunca ninguém lhe viu (convém não esquecer que uma das suas primeiras intervenções nesta matéria foi fazer uma recomendação que teve de ser corrigida pela própria DGS); se a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, que é certamente muito esforçada, mas cujo talento para dar confiança aos cidadãos e assegurar que tudo está a ser feito sem mácula fica a anos-luz do de Francisco George; ou se a perna mais frágil do nosso azarado tripé não será mesmo o SNS, que já estoura todos os anos pelas costuras com um simples surto de gripe, e que não se vê como poderá ter capacidade para lidar com uma situação de emergência como a italiana, se tivermos o azar de ser confrontados com ela.

É verdade que o país costuma ser muito bom no desenrascanço, mas tenho sérias dúvidas que isso chegue para combater epidemias. Aquilo que até agora vimos foi isto: no sábado o Estado a sugerir que se telefone para a linha Saúde 24 e no domingo a informar que a linha não suporta tantas chamadas; na segunda a aconselhar uma professora que chegou do Norte de Itália a ir dar aulas e na terça a encerrar a escola toda; na quarta o primeiro-ministro a declarar solenemente que não se mudam generais a meio da batalha (o que não é grande voto de confiança em Graça Freitas, mas enfim) e na quinta a correr com o responsável da linha Saúde 24; na sexta Marcelo Rebelo de Sousa a oscular o país inteiro e no sábado a anunciar que se vai barricar em casa durante 15 dias. Bom, assim uma pessoa fica confusa. Ou bem que é para estar tudo tranquilo, ou bem que é para encerrar todas as faculdades de Medicina.

Até agora, a coerência não tem abundado. Mas é só o começo. O coronavírus vai ser a prova do algodão do governo de António Costa. Pela qualidade do combate à epidemia se verá se ele é um político de mão-cheia ou apenas alguém que teve imensa sorte nos últimos quatro anos.

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