EDITORIAL
Haja esperança:
Orlando Nascimento demitiu-se
Orlando
Nascimento demitiu-se, para nosso alívio e para bem da Justiça. Num país
habituado a enterrar a cabeça na areia para contornar os problemas, o gesto
deve ser assinalado.
MANUEL CARVALHO
2 de Março de
2020, 18:22
https://www.publico.pt/2020/03/02/sociedade/editorial/esperanca-orlando-nascimento-demitiuse-1906168
Aconteceu o que
tinha de acontecer: o presidente do Tribunal da Relação de Lisboa demitiu-se
das suas funções e ao fazê-lo deixou o país cada vez mais descrente da sua
Justiça aliviado.
Como já aqui
tínhamos escrito (em consonância com idênticas opiniões vindas de diferentes
sectores da vida pública), o conjunto de suspeitas de ilegalidades que
impendiam sobre o juiz Orlando Nascimento eram um vírus que inquinava todo o
edifício da Justiça.
Não o atacar na
sua raiz seria devastador não apenas para o tribunal onde se decidem uma boa
parte dos grandes casos da Justiça portuguesa, como para todos os juízes e para
todos os tribunais. Felizmente, os receios da repetição da terapia dos paninhos
quentes com que a política ou a Justiça costumam adiar os seus problemas não se
repetiram. Orlando Nascimento sai pelo seu próprio pé e isso é uma boa notícia.
A resignação do
magistrado sobre o qual impendem suspeitas de alegadas ilegalidades no sorteio
da distribuição de processos é a melhor forma de proteger a imagem dos juízes e
dos tribunais. A pressão pública que tornou esta decisão inadiável é por isso
um bom sintoma de vitalidade democrática.
A imprensa, em
especial o PÚBLICO, foi revelando as suspeitas em torno do actual e do anterior
presidente da Relação de Lisboa, a organização sindical dos juízes pediu uma
sindicância, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa exigiram medidas para
garantir a “confiança” dos cidadãos no sistema, o Conselho Superior da
Magistratura mostrou sentido de urgência na análise do problema e o Presidente
da República prometeu falar depois da sua reunião desta terça-feira. Desta vez,
o país político e judicial assumiu as responsabilidades que se lhe exigem.
Não podia ser de
outra forma. De acordo com as revelações da imprensa, o triângulo formado entre
os juízes Rui Rangel, e o anterior e actual presidente da Relação de Lisboa,
Luís Vaz das Neves e Orlando Nascimento, era um monumento à denegação de
justiça. O simples indício de que haveria escolha de juízes de acordo com o
interesse de uma das partes envolvidas nos processos bastava para que todos os
alicerces de uma sociedade democrática, os que sustentam o Estado de direito ou
a igualdade de todos perante a lei, ficassem comprometidos.
No meio deste
cenário de extrema gravidade, houve ao menos a lucidez e a decência de Orlando
Nascimento em responder às preocupações da cidadania. Demitiu-se, para nosso
alívio e para bem da Justiça. Num país habituado a enterrar a cabeça na areia
para contornar os problemas, o gesto deve ser assinalado.
tp.ocilbup@ohlavrac.leunam
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Juiz Orlando
Nascimento demite-se da presidência da Relação de Lisboa
Pressão de
presidente do Supremo terá sido determinante para saída do juiz envolvido em
irregularidades detectadas na distribuição de processos naquele tribunal
superior.
Mariana Oliveira
2 de Março de 2020, 16:12
O juiz Orlando
Nascimento demitiu-se esta segunda-feira da presidência do Tribunal da Relação
de Lisboa, após o PÚBLICO ter noticiado o seu envolvimento em irregularidades
detectadas por uma auditoria aberta pelo Conselho Superior da Magistratura
(CSM) para avaliar eventuais fraudes na distribuição de processos naquele
tribunal.
A investigação
foi aberta após a constituição como arguido do seu antecessor, Luís Vaz das
Neves, na Operação Lex, por suspeitas de viciar a distribuição de determinados
processos no âmbito de um esquema de corrupção que seria liderado por outro
juiz da Relação de Lisboa, Rui Rangel, que está no centro daquele
inquérito-crime. No processo também é arguida a ainda mulher de Rangel, Fátima
Galante, de quem este está separado há vários anos, que é igualmente
desembargadora naquele tribunal.
Isso mesmo é
anunciado numa nota divulgada pelo presidente do CSM, Joaquim Piçarra,
simultaneamente presidente do Supremo Tribunal de Justiça. “O presidente do
Conselho Superior da Magistratura dá conhecimento público de que o presidente
do Tribunal da Relação de Lisboa apresentou hoje [segunda-feira] carta de
renúncia a este cargo, acto que não depende de qualquer aceitação e se tornou
imediatamente eficaz”, lê-se no comunicado assinado por Joaquim Piçarra.
A presidência da
Relação de Lisboa vai ser assumida pela juíza desembargadora Maria Guilhermina
Freitas, que era até agora vice-presidente do tribunal. Deverá ser organizado
brevemente um novo processo eleitoral para os juízes da Relação de Lisboa
escolherem um presidente e um vice-presidente.
A demissão de
Orlando Nascimento acontece na véspera do plenário do CSM que vai avaliar os
resultados preliminares da auditoria que está a ser conduzida por um juiz do
Supremo Tribunal de Justiça, com o apoio de uma equipa que inclui um técnico do
Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça. Face aos factos que
têm sido conhecidos nos últimos dias, é previsível que Orlando Nascimento venha
a ser alvo de um processo disciplinar, o que deverá acontecer igualmente com
Vaz das Neves, que, apesar de se encontrar jubilado, mantém-se obrigado a
cumprir os deveres profissionais.
Segundo o PÚBLICO
apurou, a renúncia de Orlando Nascimento ocorreu na sequência de pressões de
Joaquim Piçarra que preside ao CSM, o órgão de gestão e tutela disciplinar dos
juízes. Uma notícia do PÚBLICO na semana passada dava conta que o então
presidente da Relação de Lisboa tinha autorizado o seu antecessor, de quem foi
vice-presidente, a utilizar o salão nobre daquele tribunal para uma arbitragem
presidida por Vaz das Neves, um julgamento privado que rendeu a este juiz
aposentado 280 mil euros.
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