segunda-feira, 2 de março de 2020

Juiz Orlando Nascimento demite-se da presidência da Relação de Lisboa


EDITORIAL
Haja esperança: Orlando Nascimento demitiu-se
Orlando Nascimento demitiu-se, para nosso alívio e para bem da Justiça. Num país habituado a enterrar a cabeça na areia para contornar os problemas, o gesto deve ser assinalado.

MANUEL CARVALHO
2 de Março de 2020, 18:22

Aconteceu o que tinha de acontecer: o presidente do Tribunal da Relação de Lisboa demitiu-se das suas funções e ao fazê-lo deixou o país cada vez mais descrente da sua Justiça aliviado.

Como já aqui tínhamos escrito (em consonância com idênticas opiniões vindas de diferentes sectores da vida pública), o conjunto de suspeitas de ilegalidades que impendiam sobre o juiz Orlando Nascimento eram um vírus que inquinava todo o edifício da Justiça.

Não o atacar na sua raiz seria devastador não apenas para o tribunal onde se decidem uma boa parte dos grandes casos da Justiça portuguesa, como para todos os juízes e para todos os tribunais. Felizmente, os receios da repetição da terapia dos paninhos quentes com que a política ou a Justiça costumam adiar os seus problemas não se repetiram. Orlando Nascimento sai pelo seu próprio pé e isso é uma boa notícia.

A resignação do magistrado sobre o qual impendem suspeitas de alegadas ilegalidades no sorteio da distribuição de processos é a melhor forma de proteger a imagem dos juízes e dos tribunais. A pressão pública que tornou esta decisão inadiável é por isso um bom sintoma de vitalidade democrática.

A imprensa, em especial o PÚBLICO, foi revelando as suspeitas em torno do actual e do anterior presidente da Relação de Lisboa, a organização sindical dos juízes pediu uma sindicância, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa exigiram medidas para garantir a “confiança” dos cidadãos no sistema, o Conselho Superior da Magistratura mostrou sentido de urgência na análise do problema e o Presidente da República prometeu falar depois da sua reunião desta terça-feira. Desta vez, o país político e judicial assumiu as responsabilidades que se lhe exigem.

Não podia ser de outra forma. De acordo com as revelações da imprensa, o triângulo formado entre os juízes Rui Rangel, e o anterior e actual presidente da Relação de Lisboa, Luís Vaz das Neves e Orlando Nascimento, era um monumento à denegação de justiça. O simples indício de que haveria escolha de juízes de acordo com o interesse de uma das partes envolvidas nos processos bastava para que todos os alicerces de uma sociedade democrática, os que sustentam o Estado de direito ou a igualdade de todos perante a lei, ficassem comprometidos.

No meio deste cenário de extrema gravidade, houve ao menos a lucidez e a decência de Orlando Nascimento em responder às preocupações da cidadania. Demitiu-se, para nosso alívio e para bem da Justiça. Num país habituado a enterrar a cabeça na areia para contornar os problemas, o gesto deve ser assinalado.

tp.ocilbup@ohlavrac.leunam

Juiz Orlando Nascimento demite-se da presidência da Relação de Lisboa

Pressão de presidente do Supremo terá sido determinante para saída do juiz envolvido em irregularidades detectadas na distribuição de processos naquele tribunal superior.

Mariana Oliveira 2 de Março de 2020, 16:12

O juiz Orlando Nascimento demitiu-se esta segunda-feira da presidência do Tribunal da Relação de Lisboa, após o PÚBLICO ter noticiado o seu envolvimento em irregularidades detectadas por uma auditoria aberta pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) para avaliar eventuais fraudes na distribuição de processos naquele tribunal.

A investigação foi aberta após a constituição como arguido do seu antecessor, Luís Vaz das Neves, na Operação Lex, por suspeitas de viciar a distribuição de determinados processos no âmbito de um esquema de corrupção que seria liderado por outro juiz da Relação de Lisboa, Rui Rangel, que está no centro daquele inquérito-crime. No processo também é arguida a ainda mulher de Rangel, Fátima Galante, de quem este está separado há vários anos, que é igualmente desembargadora naquele tribunal.

Isso mesmo é anunciado numa nota divulgada pelo presidente do CSM, Joaquim Piçarra, simultaneamente presidente do Supremo Tribunal de Justiça. “O presidente do Conselho Superior da Magistratura dá conhecimento público de que o presidente do Tribunal da Relação de Lisboa apresentou hoje [segunda-feira] carta de renúncia a este cargo, acto que não depende de qualquer aceitação e se tornou imediatamente eficaz”, lê-se no comunicado assinado por Joaquim Piçarra.

A presidência da Relação de Lisboa vai ser assumida pela juíza desembargadora Maria Guilhermina Freitas, que era até agora vice-presidente do tribunal. Deverá ser organizado brevemente um novo processo eleitoral para os juízes da Relação de Lisboa escolherem um presidente e um vice-presidente.

A demissão de Orlando Nascimento acontece na véspera do plenário do CSM que vai avaliar os resultados preliminares da auditoria que está a ser conduzida por um juiz do Supremo Tribunal de Justiça, com o apoio de uma equipa que inclui um técnico do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça. Face aos factos que têm sido conhecidos nos últimos dias, é previsível que Orlando Nascimento venha a ser alvo de um processo disciplinar, o que deverá acontecer igualmente com Vaz das Neves, que, apesar de se encontrar jubilado, mantém-se obrigado a cumprir os deveres profissionais.

Segundo o PÚBLICO apurou, a renúncia de Orlando Nascimento ocorreu na sequência de pressões de Joaquim Piçarra que preside ao CSM, o órgão de gestão e tutela disciplinar dos juízes. Uma notícia do PÚBLICO na semana passada dava conta que o então presidente da Relação de Lisboa tinha autorizado o seu antecessor, de quem foi vice-presidente, a utilizar o salão nobre daquele tribunal para uma arbitragem presidida por Vaz das Neves, um julgamento privado que rendeu a este juiz aposentado 280 mil euros.

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