Covid-19.
"Os italianos são óptimos em pintura, mas não em organização e saúde
pública"
Nas últimas 24
horas, o novo coronavírus vitimou mais 28 pessoas em Itália, elevando o número
de mortes para 107. O país passa assim a ter a segunda maior taxa de letalidade
do mundo, só ficando atrás da China. Para o infecciologista Jaime Nina, isto é
também fruto de uma desorganização nas políticas de saúde, que já se mostraram
insuficientes anteriormente.
Rita Rato Nunes
04 Março 2020 —
22:47
Depois do
encerramento de empresas, bares, lojas, dos placards informativos nas ruas, dos
rastreios nos aeroportos, jogos de futebol à porta fechada e cancelamento de
outros eventos, a ministra da Educação italiana anunciou, esta quarta-feira,
que as escolas e universidades de todo o país vão fechar as portas até 15 de
março, para conter a propagação do Covid-19. "É uma medida altamente
disruptiva para a vida do país e que tem grandes custos. Pior do que isso só
começarem a fechar supermercados, mas neste momento há um argumento
forte", entende Jaime Nina, especialista do Instituto de Higiene e
Medicina Tropical. O argumento é o novo aumento de infetados e de mortes no
país de onde já vieram também três portugueses infetados (incluído o primeiro
caso de uma mulher internada em Lisboa, esta quarta-feira).
Nas últimas 24
horas, morreram mais 28 pessoas em Itália, elevando assim o número de vítimas
mortais para 107, de acordo com o último balanço feito pela Proteção Civil
italiana, às 18:00 desta quarta-feira. É o segundo país com maior taxa de
letalidade do mundo. Só sendo ultrapassado pela China, o epicentro da epidemia,
onde no último dia morreram mais 38 pessoas, somando-se já 2981 mortes no
país. Mesmo a Coreia do Sul, que reportou 5621 casos confirmados (enquanto a
Itália notificou 3098), apresenta menos 72 vitimas mortais.
As regiões
italianas mais afetadas continuam a localizar-se no norte do país e são
respetivamente a Lombardia, Emília-Romanha e Veneto, de acordo com informação
do ministério da Saúde, citada pelo jornal Corriere della Sera. No entanto, o
surto já está espalhado por todo o mapa, de norte a sul, incluindo as ilhas. Na
Sicília - a maior ilha do Mediterrâneo - há 18 casos confirmados. Quanto ao
perfil destes cidadãos, continuam a ser, na sua maioria, idosos ou pessoas de
risco, com o sistema imunitário debilitado, características coincidentes com os
infetados no resto do mundo.
"A explosão
de casos em Itália não me surpreende", admite Jaime Nina. "É dos
países mais frágeis da Europa ocidental, do ponto de vista da saúde pública.
Isso viu-se noutros surtos. Mais recentemente, em 2017, tivemos um surto de
Chikungunya [vírus transmitido por mosquitos], que afetou especialmente França
e Itália. Numa primeira fase, França teve cerca de 10 casos, a Itália teve 300
e tal. Os italianos são ótimos em pintura, escultura, música, arquitetura,
literatura, alta costura, cozinha, mas não em organização e saúde pública,
áreas que exigem precisamente organização".
Jaime Nina acredita que nos próximos dias continuarão a
ser diagnosticados muitos mais italianos.
Para o
infeciologista, a desorganização do sistema de saúde italiano pode ver-se até
em pontos simples como a monitorização da gripe sazonal, cujos casos não são
contabilizados e disponibilizados em todas as regiões do país. "O Benjamin
Franklin dizia que quem falha em preparar-se, prepara-se para falhar",
refere Jaime Nina, que acredita que a falha está à vista, mas não totalmente.
Segundo as contas do especialista do Instituto de Medicina Tropical estarão
infetadas em Itália muitas mais pessoas, que, por não apresentarem sintomas ou
apenas terem um pouco de febre, não estão a ser sujeitas ao teste PCR - a
análise biológica usada para despistar ou confirmar os infetados por
coronavírus - e, por isso, não são consideradas nas contas oficiais.
"Há uma
subnotificação massiva. O número de mortos aponta para esta realidade. Só os
casos mais graves e os mortos estão a ser registados. O que faz sentido, porque
se tivermos cem testes PCR, vamos testar as pessoas que estão hospitalizadas em
estado critico ou as pessoas que têm apenas um bocadinho de tosse e
febre?", questiona Jaime Nina.
Portugal tem seis
casos positivos de infeção pelo novo coronavírus confirmados, três destes têm
uma ligação a Itália. O médico de 60 anos (primeiro caso português), internado
no Hospital de Santo António, no Porto, esteve de férias no norte do país. O
mesmo aconteceu com o quinto infetado, um professor da Escola Superior de
Música, do Porto, com 44 anos. Há ainda uma terceira ligação, uma mulher entre
os 40 e 49 anos, anunciada há pouco pela Direção-Geral da Saúde.
De epicentro do
vírus na Europa ao topo do ranking mundial
O coronavírus
chegou à Itália no dia 20 de fevereiro. Mattia, 38 anos, um atleta amador com
uma vida social muito agitada foi o primeiro motivo de preocupação. Ficou
conhecido como o "paciente 1", visto que o "paciente zero"
não revelou sintomas coincidentes com os da epidemia (tosse, fadiga, febre,
dificuldades respiratórias). Mattia terá contagiado, durante o tempo de
incubação do vírus em que participou em jantares com amigos, maratonas, jogos
de futebol, pelo menos 16 pessoas, incluindo profissionais de saúde
desprevenidos.
Em menos de 24
horas contadas a partir do internamento de Mattia, foi anunciada a morte de
duas pessoas: um homem de 78 anos e uma mulher de 75, nas regiões da Lombardia
e de Veneto, e iniciou-se a contagem dos infetados. Itália reagiu colocando de
imediato em quarentena mais de 50 mil pessoas, isolando uma dezena de cidades e
reagendado eventos desportivos e culturais. Até o emblemático carnaval de
Veneza foi cancelado, deixando milhares de turistas desiludidos. Mas a semente
já tinha sido lançada epaís passou quase de imediato a ser o primeiro foco do
surto na Europa e o quarto no mundo.
As fronteiras
permanecem abertas. Apesar da queda drástica dos turistas no país, que optaram
por cancelar viagens, estas não estão proibidas. Em Portugal, a Direção-Geral
da Saúde (DGS) remete para as indicações da Organização Mundial de Saúde - que
não emitiu nenhuma restrição nesse sentido -, mas pede aos portugueses que
tenham em conta as informações divulgadas e alertam para o risco associado. E
caso os cidadãos optem por viajar, a DGS aconselha atenção às indicações das
autoridades de saúde locais e, perante manifestação de sintomas, um telefonema
para a linha SNS 24 (808 24 24 24), uma vez que a deslocação às urgências pode
contribuir para a propagação do vírus.
O Covid-19
identificado na província chinesa de Hubei, em dezembro do ano passado, já
provocou 95 mil infetados no mundo inteiro, de acordo com os últimos dados
disponíveis, e destes 51 435 já recuperaram. Também foram registadas
3252 mortes, 2981 atribuídas à China.
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