"A mais eficiente crítica ao globalismo neoliberal não
veio da esquerda mas da direita"
Quinn Slobodian é professor de História no Wellesley College
(EUA), especialista em história alemã, em movimentos sociais.
JOSÉ PEDRO MONTEIRO e MIGUEL BANDEIRA JERÓNIMO 2 de Setembro
de 2018, 8:45
Quinn Slobodian é professor de História no Wellesley College
(EUA), especialista em história alemã, em movimentos sociais, especialmente nos
anos 1960, e na história intelectual do neoliberalismo. É autor de Foreign
Front: Third World Politics in Sixties West Germany (2012) e, mais
recentemente, de Globalists: The End of Empire and the Birth of Neoliberalism
(2018).
No seu inovador Globalists, escrutina o papel de actores
menos conhecidos na institucionalização do neoliberalismo. Em que medida é que
esta sua abordagem nos permite compreender melhor a “ordem global” nas últimas
décadas?
A história mais familiar do neoliberalismo é bem capturada
na capa do seminal livro de David Harvey, A Brief History of Neoliberalism
(2005). Nela vemos quatro caras: Ronald Reagan, Deng Xiaoping, Augusto Pinochet
e Margaret Thatcher. Associamos essas caras aos momentos em que assumiram o
poder, todos nos anos 1970 ou no início dos anos 1980. Cada um deste líderes
rompeu com um consenso generalizado em torno da social-democracia, dos
sindicatos e da justiça redistributiva que prevaleceu desde 1945. Sem dúvida
que o que Thatcher chamou “rolling back the state” foi sempre a implantação de
um novo tipo de Estado. O Estado neoliberal já não vê o seu papel como
responsável pela condução da economia nacional rumo ao emprego seguro, aos
direitos dos trabalhadores e à igualdade material. Pelo contrário, o novo
objectivo foi o de implantar políticas de emprego flexíveis e direitos
empresariais, com desigualdade material como efeito colateral inevitável.
Cada uma destas caras constitui um exemplo proeminente do
neoliberalismo em acção. O primeiro drama foi Esquerda versus Direita e
capitalismo autoritário versus um capitalismo-providência mais tendencialmente
socialista. Algumas histórias caracterizam o neoliberalismo como um projecto nacional
que só se globalizou mais tarde, nos anos 1980 e 1990, através do Banco Mundial
e do Fundo Monetário Internacional. Nesta narrativa, os conflitos iniciais são
locais e só depois se tornam internacionais. O meu livro argumenta precisamente
em sentido contrário. Eu mostro que os pensadores neoliberais não começaram a
pensar a nação e depois a economia mundial. Começaram com o mundo, de facto.
E quais foram as principais dinâmicas históricas por detrás
desse processo?
Os neoliberais dos anos 1930 foram abalados pela revolução
russa, pela crise bolsista de 1929 e pela Grande Depressão. Temiam acima de
tudo que a interdependência global fosse interrompida por projectos de autarcia
nacional e por tentativas de auto-suficiência. Nos anos 1950 e 1960, estavam
outra vez aterrorizados com a possibilidade economia mundial se segmentar e até
de ser estilhaçada pelos esforços das nações pós-coloniais para proteger as
suas economias nacionais e criar as suas próprias indústrias. A principal
preocupação dos neoliberais foi a de advogar um enquadramento que protegesse os
direitos do capital e salvaguardasse condições de comércio livre e ainda a
circulação de capital sem restrições numa escala global – objectivo que
perseguiram, muitas vezes sem sucesso, da Sociedade das Nações ao direito
internacional dos investimento e à Organização Mundial do Comércio.
E o que é que o olhar global permite ver melhor?
A vantagem desta perspectiva global é que ela revela o quão
importantes foram acontecimentos fora da Europa e da América do Norte na
definição do pensamento e das recomendações políticas neoliberais desde os anos
1930. Coloca África, a Ásia e a América Latina numa história em que elas surgem
frequentemente mais tarde no tempo, ou seja, no caso isolado do Pinochet e dos
seus conselheiros formados na Universidade de Chicago ou no período do
“ajustamento estrutural” dos anos 1980.
O meu livro mostra que devemos compreender o neoliberalismo,
primeiro, como um projecto preocupado com a protecção das condições de interdependência
económica global. O fim dos impérios, primeiro, depois da Primeira Guerra
Mundial, na Europa Central e no Próximo Oriente e, depois, na Ásia e em África,
depois da Segunda, foi a ameaça existencial que moldou o neoliberalismo. Contar
a história como sendo uma de nações e líderes nacionais perde de vista este
ponto essencial.
Porque entende ser importante analisar criticamente, de um
ponto de vista histórico, a longa genealogia do neoliberalismo? E como se
reflecte isso no presente e nas possibilidades de futuro?
O maior desafio para académicos que trabalham a questão do
neoliberalismo tem que ver com as formas promíscuas e contraditórias com que o
termo foi usado por académicos e activistas no último quarto de século.
“Neoliberalismo” é usado tantas vezes como um epíteto tão genérico que muitos
académicos acabam por concluir que não tem qualquer significado. Aliás, os
académicos também podem ser acusados, em parte, de para isso terem contribuído.
Amiúde, neoliberalismo é usado para definir uma forma universalizada, altamente
carregada em termos valorativos, de capitalismo, com um poder quase místico
sobre as nossas vidas. É a ideia que “engoliu o mundo”, como o The Guardian lhe
chamou recentemente. Juntamente com outros historiadores, entendo que esta
definição maximalista de neoliberalismo não ajuda e é tão generalista que perde
qualquer utilidade analítica. Ao invés de ver o neoliberalismo como a negação
radical da regulação económica, eu vejo-o como uma forma de regulação económica
entre outras. Apesar do que alguns proclamam, não é a única variedade de
capitalismo que nos resta. É uma variedade de capitalismo que tem muitos
concorrentes. Descrever o presente como a “era neoliberal” ou a “idade
neoliberal” não dá crédito suficiente à grande diversidade de economia política
que ainda existe.
Por isso se esforça por o compreender como um corpus
heterogéneo de ideias e políticas?
Há diferenças substantivas mesmo no seio do pensamento
neoliberal. Algumas pessoas escreveram sobre a Escola da Virgínia do
neoliberalismo, que inclui personalidades como James M. Buchanan e Gordon
Tullock, e que está maioritariamente preocupada em desenhar constituições
ideais que previnam a interferência de políticos no mercado. Outros escreveram
sobre a Escola de Chicago de Milton Friedman e Gary Becker, que está mais
preocupada com a política monetária e a utilização de análises custo-benefício
para estruturar políticas públicas. O meu livro propõe uma nova categoria, a da
Escola de Genebra, para descrever aqueles pensadores neoliberais, incluindo F.
A. Hayek, Gottfried Haberler, Wilhelm Röpke e Lionel Robbins, que estavam mais
preocupados com as questões relacionadas com a ordem económica internacional e
o problema das instituições supranacionais.
Sendo preciso acerca do que entendemos por neoliberalismo –
e a que tipo de neoliberalismo nos estamos a referir – é um modo de preservar o
termo para usos políticos e académicos. Não deixámos de usar termos como
“socialismo” ou “liberalismo” apesar de serem frequentemente definidos de
formas tão marcadamente distintas. Isto significa simplesmente que temos de ser
claros acerca das nossas categorias.
A ideia de que o
capitalismo precisa de ser defendido da democracia é um dos principais
argumentos em muitos círculos económicos e políticos. Quão rigoroso é o
argumento hoje, dados os múltiplos sinais de de-globalização e crescente
nacionalismo económico?
Muitos académicos, antes e depois de mim, têm escrito acerca
da emergência de instituições no último meio século que isolam os decisores
políticos de pressões democráticas para garantir o que é visto como sendo
políticas económicas necessárias mas frequentemente dolorosas. Exemplos disto
incluem bancos centrais, autoridades portuárias, e tribunais de arbitragem de
disputas entre investidores e o Estado.
A Europa testemunhou esta dinâmica em acção durante a crise
da Eurozona quando a chamada troika da Comissão Europeia, do Banco Central
Europeu e do Fundo Monetário Internacional impôs políticas a países como a
Grécia sem grande atenção ao sentimento democrático local.
A minha preocupação no Globalists foi mostrar que essas
instituições construídas para proteger – ou, como lhes chamo, revestir – o
fluxo de bens e capitais através das fronteiras sempre tiveram um calcanhar de
Aquiles. Faltava-lhes precisamente o ingrediente que tem ajudado as
instituições a sobreviver durante décadas na era moderna: legitimidade
democrática.
Podemos ver um sintoma precoce desta crise de legitimação
nos protestos em massa em Seattle que boicotaram o encontro ministerial da
Organização Mundial do Comércio (OMC) apenas quatro anos após esta ter sido
criada. Podemos ainda vê-lo na rejeição da Constituição Europeia nos referendos
em França e nos Países Baixos em 2005. Ou ainda no crescente ressentimento
relativo à União Europeia durante a crise da Eurozona. E, claro, no voto pelo
Brexit e na eleição de Trump em 2016.
Como olha para essa sequência de processos?
Aquilo a que estamos a assistir agora é uma ampla rejeição
do objectivo de “despolitização” das relações económicas, como muitos
neoliberais lhe chamam.
Porquê?
Muitos dos líderes políticos mundiais já não sentem
necessidade de prestar tributo, mesmo que de modo instrumental, aos desígnios
dos direitos humanos, do estado de direito, e do mercado livre como acontecia
no passado. Isto não é uma forma de capitalismo menos agressiva do que a lhe
antecedeu mas é diferente do neoliberalismo que descrevo no meu livro, que é
caracterizado por um compromisso doutrinário com instituições supranacionais,
comércio livre, livre investimento, e a ausência de vontade de retoricamente
romper a divisão entre o mundo da propriedade, ou dominium, e o mundo dos
Estados, ou imperium.
Hoje, o mundo do comércio internacional e, num grau menor,
da finança, está a ser repolitizado de forma estridente. Para surpresa de
alguns, a mais eficiente crítica ao globalismo neoliberal não veio da esquerda
mas da direita. Teremos de aguardar para ver no que a actual onda de
mobilização capitalista, com o seu crescente ênfase na soberania nacional, se
transforma. É certamente muito cedo para dar o multilateralismo como morto ou
assumir que algo como uma “deglobalização” é uma realidade. Como o século XIX –
frequentemente catalogado como a “primeira era de globalização” – nos mostrou,
um volume de comércio internacional elevado e crescente pode facilmente
coexistir com tarifas crescentes. Usar tarifas deve ser visto como uma táctica
da globalização mais do que a sua negação.
Um argumento fundamental do livro é o de que as instituições
internacionais foram seminais na edificação de uma nova ordem global. Estas
instituições podem ser transformadas por dentro?
Durante décadas, líderes norte-americanos atacaram essas
instituições quando elas não serviam os seus propósitos e elogiavam-nas quando
o faziam. Há quase uma natureza cíclica neste padrão de denúncia e
reabilitação.
A verdadeira questão é se um programa progressista ou de
esquerda pode ser incluído na próxima vaga de reabilitação. Vemos algumas
pessoas fazerem reivindicações aparentemente idealistas para que os direitos
laborais ou a protecção ambiental sejam protegidos a um nível supranacional.
Seguramente é difícil imaginar isto no presente mas a verdade é que
instituições como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que
reivindicam direitos laborais globalmente, existem desde há um século, e houve
projectos inspiradores de consciencialização ambiental e de mudança
comportamental, desde a década de 1970 até ao final da década de 1980. Estes
projectos representam futuros que não se realizaram e aos quais devemos sempre
regressar.
Enquanto há vários partidos que congregam apoios, na Europa
e alhures, opondo-se à migração e reclamando fronteiras fechadas, houve também
muitas pessoas que se voluntariaram para ajudar refugiados em 2015 e depois e
que acreditam sinceramente na causa das fronteiras abertas. Os últimos estão
apenas à espera do seu veículo político.
Nós, historiadores, somos personagens contraditórias. Por um
lado, tendemos a ser bastante pessimistas acerca do destino do mundo e
frequentemente diagnosticamos um declínio generalizado, mas, por outro, sabemos
através do estudo do passado que resultados imprevistos são quase a norma e que
o futuro raramente pode ser previsto com segurança. Por isso tendemos a
mantermo-nos como optimistas melancólicos.
Na sua investigação sobre a história do que chama
Archipelago Capitalism, Vanessa Ogle aborda a história dos vários espaços
extraterritoriais, não regulados e regimes de economias offshore. Como é que se
encaixa na sua história da evolução da ordem económica internacional?
Devemos lembrar-nos que o núcleo do projecto neoliberal é o
que eles denominaram de federalismo competitivo. Como refiro ao longo do livro,
o direito verdadeiramente importante é o direito de partir, não o direito de
ficar. Se o capital conseguir preservar direitos de saída, então isso significa
que uma estrutura legal forte que proteja esses direitos do capital pode abrir
espaço para uma competição evolucionária, como alguém como Hayek pensaria nela.
A mesma coisa que os críticos apelidariam de “race to the bottom” seria visto
como complexidade adaptativa evolucionária pelos seus apologistas. Assim, a
proliferação de zonas de escape em paraísos fiscais e Zonas Económicas
Especiais, e zonas francas de todos os tipos podem parecer ser esforços para
sabotar uma ordem económica legal internacional mas, dependendo de como cada um
entende o desígnio máximo dessa ordem legal, os primeiros podem trabalhar com
ela e não contra ela.
No que toca à relação entre globalização e liberalismo, nas
suas múltiplas formas, incluindo a “neo”: devem ser vistos como dois processos
inseparáveis, como frequentemente são?
Não creio que globalização e liberalismo (neo ou outro)
sejam processos inseparáveis. Acho perfeitamente imagináveis modelos do que
poderíamos chamar globalização iliberal ou não liberal. Poderiam assumir
múltiplas formas. Uma seria uma sociedade global não democrática de direito
privado como é imagina por alguns anarco-capitalistas. Implicaria a eliminação
do governo representativo e a resolução de todas as disputas através de
arbitragem por uma terceira parte.
O modelo de globalização promovido pela China representa
outra possibilidade, classificada como “capitalismo de Estado” por alguns
académicos. Aqui a tónica é colocada na ligação estreita entre estado e
interesses privados sem qualquer possibilidade de processos de tomada de
decisão colectiva para além de plebiscitos pro forma.
O sistema chinês é claramente compatível com o comércio
globalizado. Na minha opinião, eliminar a democracia, como aconteceria nos
modelos libertário radical e de capitalismo de estado radical, seria romper com
o liberalismo. O liberalismo pode por vezes abordar a democracia como um
problema mas nunca procura a sua abolição completa. A democracia, no entanto,
não é necessária para a globalização.
Houve caminhos não percorridos e soluções que não vingaram
durante o lento mas gradual processo de institucionalização do neoliberalismo.
Pode referir alguns destes momentos e porque falharam?
Um exemplo que é hoje particularmente relevante é o dos
direitos de propriedade intelectual. Alguns dos primeiros neoliberais como
Fritz Machlup, Hayek e Michael Polayni opunham-se aos direitos de autor e às
patentes, vendo-os como monopólios de um tipo pernicioso. O conhecimento, uma
vez criado, pode ser reproduzido sem gerar escassez. Reclamar posse exclusiva
era produzir ineficiência. Nesta interpretação, alguns dos primeiros
neoliberais estavam, na verdade, em sintonia com os líderes de países do Sul
Global que, de forma semelhante, acreditaram que o conhecimento, especialmente
na forma de fórmulas farmacêuticas, investigação científica, material impresso
e, mais tarde, software, deviam circular livremente.
Hoje, a protecção global dos direitos de propriedade
intelectual é um dos assuntos mais debatidos na economia global. Está no
centro, por exemplo, da actual disputa entre os EUA e a China. Todavia não
havia qualquer direito económico internacional vinculativo sobre direitos de
propriedade intelectual até à criação da OMC em 1995. Parte desta mudança foi o
exercício puro do poder “corporativo” das indústrias farmacêuticas, de
vestuário e de entertainement norte-americanas, mas parte dele foi também o
resultado a mudança dos neoliberais face às patentes, especialmente em torno da
Escola de Chicago.
Houve recentemente uma conferência na British Academy, em
que esteve presente, para debater Neoliberalismos Globais. Quais os principais
aspectos a reter?
Um dos resultados mais interessantes foi um ainda maior
questionamento daquilo que é dado por adquirido como sendo o modelo de difusão
do neoliberalismo. Normalmente, pensamos no liberalismo como que a espalhar-se
pela Europa de Leste e pela União Soviética como uma onda depois da queda do
muro de Berlim. Investigadores como Johanna Bockman e Tobias Rupprecht
demonstraram como esta ideia é enganadora. Na verdade, havia economistas e
reformadores dentro do bloco soviético que, muito antes de 1989, discutiam
Hayek, Buchanan e outros. Eles não estavam interessados na harmonia entre
democracia e capitalismo, que se tornaria o credo dos neoconservadores
americanos como Francis Fukuyama depois de 1989, mas sim na questão de como se
poderiam obter os benefícios do capitalismo ao mesmo tempo que se suprimia o
potencial disruptivo da democracia. Como pôr os mercados a funcionar sem
eleições multipartidárias?
Neste sentido, a interacção do bloco soviético com o
neoliberalismo estava a empurrá-lo para o modelo da China e não para o dos EUA.
O que se nota quando se olha para a recepção do neoliberalismo globalmente é
que frequentemente o conceito-chave em consideração não é o capitalismo mas sim
a democracia. Quanto pode a democracia ser suprimida sem destruir o milagre dos
mercados? Este devia ser visto como o principal desafio intelectual do
neoliberalismo, especialmente no século XXI.
Com o realizador Ryan S. Jeffery, fez uma pequena metragem
sobre ideias sobre a economia mundial no século XX, The Walls of the WTO. Pode
contar-nos a história dos edifícios do Centre William Rappard nas margens do
Lago de Genebra? E o que vos motivou a fazer este filme (Veja-se aqui: )?
The Walls of the WTO foi uma colaboração com o meu querido
amigo Ryan Jeffery. Permitiu-me visualizar um dos pilares do meu livro,
Globalists. No livro eu sublinho a ironia extraordinária decorrente do facto de
que a sede da Organização Mundial do Comércio (OMC) ter sido inicialmente
construída para alojar uma organização bem distinta, a Organização
Internacional do Trabalho (OIT). Nas seis décadas em que serviu como sede da
OIT, as paredes do edifício estavam cheias de obras de arte oferecidas por
sindicatos e outras organizações de trabalhadores de todo o mundo.
Existiam murais de trabalho, mas eram frequentemente de um tipo
bastante interessante. Não se resumiam à indústria pesada mas incluíam também
serviços. Existiam murais que mostravam mulheres telefonistas, actrizes,
professoras e engenheiras informáticas ao lado dos costumeiros ferreiros e
agricultores. Quando o antecessor da OMC, o GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio), tomou conta do edifício nos anos 70, estas obras foram ou cobertas
ou desmanteladas e guardadas. Eram vistas como demasiado socialistas para a
primeira organização do comércio internacional.
O facto foi esquecido até ao início dos anos 2000, quando a
OMC restaurou muitos dos murais, regressando à sua glória original, no meio de
uma tentativa de reforma da imagem depois do desastre dos protestos de Seattle.
Agora estamos perante uma comovente ironia na qual imagens comemorando uma
organização criada com base em princípios de justiça social, direitos dos
trabalhadores e a dignidade do trabalho adornam as paredes de um edifício cujo
principal objectivo é o de proteger a livre circulação de bens através de
fronteiras, independentemente do seu efeito nos trabalhadores.
As pinturas servem como álibi estético, oferecendo uma
patine de história a um projecto que eles não têm nenhum direito de
representar. Este é exactamente o tipo de tensão que é difícil que o globalismo
neoliberal suporte a longo prazo. Em 2018, a ordem mundial neoliberal está a
ser perseguida por fantasmas que pensava estarem mortos há muito. Não sabemos
ainda que tipo de futuro esta tensão criará.
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