EDITORIAL
Paz, pão e habitação
Aumentar a oferta de habitação será, porventura, a única
medida consensual entre todos os partidos.
AMÍLCAR CORREIA
14 de Setembro de 2018, 7:25
Se na década de 90 as políticas públicas para a habitação
estavam concentradas no financiamento de programas de erradicação de barracas,
nos anos seguintes a preocupação passou a ser como reabilitar os centros
históricos abandonados das principais cidades, uma particularidade muito
portuguesa. Nem as barracas, nem as ruínas deixaram saudades.
As sociedades de reabilitação urbana foram criadas com o
objectivo de atrair residentes para os centros esvaziados pelo gosto suburbano
da periferia e por um mercado de preços mais acessíveis, mas o que aconteceu
foi que as casas reabilitadas foram postas à venda por um preço superior ao da
média. Hoje, a história é outra.
Não nos podemos queixar da ausência de reabilitação (que em
Junho cresceu 40% face ao mesmo mês do ano passado), mas sim da inexistência de
casas em número suficiente (as empresas de mediação imobiliária garantem que
Lisboa e Porto precisam de 70 mil novas casas por ano) e do preço de
arrendamento e de venda daquelas que estão disponíveis. Se o diagnóstico é
simples, a solução é mais complexa.
A penalização da especulação imobiliária, seja a título
individual, seja para empresas e fundos de risco, pode fazer sentido, quando
80% das casas são compradas e vendidas em seis meses e é necessário travar essa
evolução vertiginosa, sob pena de as cidades se esvaziarem ainda mais de
residentes. Mas essa é a diferença entre um mercado estagnado e um mercado
efervescente. Sabendo que o congelamento de rendas e o crédito bancário
facilitado foram contraproducentes, que mercado e políticas de habitação
pretendemos?
António Costa dizia em Junho deste ano que o país precisava
de políticas públicas que garantissem o direito à habitação a preços acessíveis
e que não podíamos expulsar os residentes, nem recusar os turistas. Pacífico.
Mas até agora é mais fácil e rentável despejar os primeiros e especular com os
segundos.
Aumentar a oferta de habitação será, porventura, a única
medida consensual entre todos os partidos. As câmaras de Lisboa e Porto são
senhorios e proprietários de imóveis e de terrenos que podem ser colocados no
mercado com a intenção de incentivar a construção a preços mais acessíveis e o
Estado tem de fazer da chamada “Nova Geração das Políticas de Habitação” uma
política consequente e aliciante para, por exemplo, através de incentivos
fiscais, convencer os proprietários a baixarem as rendas.
BCE alerta: Próxima crise estará relacionada
com o imobiliário Danièle Nouy, presidente do conselho de supervisão do BCE.
Ana Laranjeiro; Rui Barroso 06.09.2018 / 08:09
Danièle Nouy, do BCE, alertou que a próxima crise vai estar
associada ao mercado imobiliário, embora reconheça que a banca está melhor
preparada.
Não se sabe quando, nem onde. Mas a verdade é que, mais
tarde ou mais cedo, haverá uma nova crise financeira. E a líder do Conselho de
Supervisão do Banco Central Europeu (BCE) não tem muitas dúvidas: a próxima
crise estará associada ao mercado imobiliário. “Muitas das crises anteriores
estiveram relacionadas com o mercado imobiliário, ainda que não de maneira
direta”, disse Danièle Nouy em entrevista à agência de notícias da Letónia,
citada pelo jornal Expansión. Contudo, a responsável garantiu que, graças ao
Mecanismo Único de Resolução os bancos do Velho Continente “estão melhor”
preparados para enfrentar um choque económico. Além disso, sustentou, os
mecanismos de gestão de crise disponíveis são agora “mais fortes” que no
passado. Danièle Nouy alertou ainda que as taxas de juro variável representam
algum “risco” uma vez que não há “garantias” relativamente a quando é que vão
aumentar. “Vamos acompanhar de perto os desenvolvimentos no mercado
imobiliário”, assegurou. Na Zona Euro não é a primeira vez que as autoridades
monetárias alertam para os riscos nesta área. Em junho, o Banco de Portugal
avisava que a subida dos preços das casas começava a colocar riscos para a
estabilidade financeira. Isto depois de um aumento de mais de 30% dos preços
desde meados de 2013. A entrada em força de investidores estrangeiros é um dos
principais motivos para o boom imobiliário, explicava na altura o banco
central. A instituição liderada por Carlos Costa assinalava no Relatório de
Estabilidade Financeira que “as indicações de sobrevalorização dos preços no
mercado imobiliário residencial em termos agregados” são ainda “muito limitadas”.
Mas observava que “a duração e o ritmo de crescimento dos preços neste mercado
pode implicar riscos para a estabilidade financeira, em caso de persistência
destas dinâmicas”. Ainda esta semana, a agência de rating Standard & Poor’s
indicava o mercado imobiliário português como um dos que mais irão valorizar
este ano. A agência de rating estima que os preços das casas aumentem 9,5% este
ano. Nos dez países europeus analisados por esta entidade, apenas a Irlanda
terá uma taxa de crescimento acentuada. E apesar de continuarem a valorizar, as
subidas nos valores da habitação deverão ser mais moderadas até 2021. Nesse
ano, a S&P estima que o preço das casas aumente 5%. Em 2019 e 2020 as
subidas deverão ser de 7% e 6%, respetivamente. “Estimamos que as pressões no
preço desçam gradualmente devido a crescimento mais lento e à subida dos custos
de financiamento”, diz a agência.
Eu sou aquela do
"nem-nem", hoje em dia não podia nem arrendar nem comprar casa. O que
aí vem? Nem eu sei, provavelmente vai ficar pior, dada a pouca oferta, os
valores exagerados e a falta de poder económico.
Ana Carolina Rocha
Licenciada em Ciências da Comunicação, trabalha actualmente
numa instituição financeira.
13 de Setembro de 2018, 17:37
https://www.publico.pt/2018/09/13/p3/cronica/ventania-imobiliaria-o-fenomeno-do-arrendamento-1843921
Em 2016, quando decidi sair de casa dos meus pais, quisemos
apostar no arrendamento. Os mais velhos, apesar de terem uma cultura muito mais
orientada para a compra de casa, também já andam cá há mais tempo e acham que,
apesar de tudo, o arrendamento é mais fácil, não se paga IMI nem condomínio e
quando se estiver mal pode-se sempre mudar. E como éramos uns jovens
inexperientes e sem dinheiro para dar de entrada para um crédito à habitação,
decidimo-nos pelo arrendamento.
Lembro-me de que tínhamos um valor acordado e que fizemos
uma busca intensa. No centro do Porto era impossível pensarmos nisso, na altura
já um T0 rondava os 600 euros, por isso decidimos ir para as periferias. Em
Gondomar, pensávamos que iríamos conseguir arranjar algo pelo valor por nós estipulado,
mas ou eram zonas quase sem transportes, ou não tinham electrodomésticos na
cozinha, ou não queriam fazer contrato e, posteriormente, passar recibo que
comprovasse o nosso pagamento.
Uma família com dois filhos que ganhe pelo menos 1200 euros
líquidos nunca consegue viver com um arrendamento que ronde os 600 euros e
depois pagar água, luz, telefone, comida e despesas extra.
Não tivemos remédio e decidimos aumentar o valor que
tínhamos estipulado no início. Um ano mais tarde, em 2017, um casal de amigos
começou a mesma aventura, procuravam algo parecido com o nosso, na mesma zona
ou perto, e foi nesse momento que percebi que havia uma grande bolha no mercado
de arrendamento, uma especulação digna de um espectáculo. Um T2 já rondava os
500 euros e se eles fossem para mais perto do metro, um T2 ainda mais pequeno
já custava 650 — já para não falar num T1 que tinha o valor de 450 euros.
Segundo o portal de imobiliário Imovirtual, o preço dos
apartamentos para arrendar registou um aumento de 26% em 2017 face a 2016, o
que quer dizer que, por um lado, eu ainda arrendei numa altura mais ao menos
boa. Se fosse hoje nunca poderia arrendar um T2 por 600 euros porque, por
incrível que pareça, 600 euros é o meu ordenado. Lá se ia a taxa de esforço
que, em teoria, tinha que preservar. Para mim não dava.
Uma família com dois filhos que ganhe pelo menos 1200 euros
líquidos nunca consegue viver com um arrendamento que ronde os 600 euros e
depois pagar água, luz, telefone, comida e despesas extra. E se em 2017 já era
uma tarefa difícil arrendar, hoje ainda está mais complicado. Esse casal amigo
acabou por comprar casa, fizeram as contas e acharam que até lhes compensava
mais. Segundo o Instituto Nacional da Estatística (INE), no Porto, a renda de
uma casa com 100 metros quadrados custa 677 euros por mês; por sua vez, o custo
mensal desta casa será de 450 euros, ao longo de 30 anos. As contas são
dolorosas. Mas a verdade é que compensa, apesar dos muitos factores que o INE
não refere.
Pedir um crédito à habitação não é assim tão simples, caso
contrário tínhamos todos casa própria e não precisávamos do arrendamento nem de
alguns senhorios que mais parecem sanguessugas na hora de pedir o valor da
renda. É necessário que um dos elementos do casal esteja efectivo numa empresa
— coisa que, com 25 anos, digamos que é um bocadinho difícil, ainda que não
impossível —, depois precisa de auferir ordenados superiores ao ordenado mínimo
— não é impossível, mas é difícil —, em alguns casos é necessário fiador (e nem
todos estão para ser fiadores, certo?). Fora isto tudo, se o banco perceber que
nós não temos as condições para prosseguir, oferecem-nos imóveis de banco que,
por ironia ou não, foram deixadas por famílias que não conseguiram as prestações,
as comissões, os seguros, o condomínio, os impostos, o que resultou na entrega
da casa ao banco.
Como o banco só nos empresta 80% do valor da casa — e há
quem diga que os avaliadores dão mais a quem conhecem do que a quem não
conhecem —, o resto somos nós que colocamos, independentemente dos mil que
forem. Por isso eu sou aquela do "nem-nem", hoje em dia não podia nem
arrendar nem comprar casa. O que aí vem? Nem eu sei, provavelmente vai ficar
pior, dada a pouca oferta, os valores exagerados e a falta de poder económico.
O certo é que, de caminho, é impossível travar esta ventania imobiliária e
trazer de novo um lar possível ou, neste caso, uma casa possível.
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