sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Paz, pão e habitação (?) BCE alerta: Próxima crise estará relacionada com o imobiliário Danièle Nouy, presidente do conselho de supervisão do BCE. / Ventania imobiliária, o fenómeno do arrendamento.


EDITORIAL
Paz, pão e habitação
Aumentar a oferta de habitação será, porventura, a única medida consensual entre todos os partidos.

AMÍLCAR CORREIA
14 de Setembro de 2018, 7:25

Se na década de 90 as políticas públicas para a habitação estavam concentradas no financiamento de programas de erradicação de barracas, nos anos seguintes a preocupação passou a ser como reabilitar os centros históricos abandonados das principais cidades, uma particularidade muito portuguesa. Nem as barracas, nem as ruínas deixaram saudades.

As sociedades de reabilitação urbana foram criadas com o objectivo de atrair residentes para os centros esvaziados pelo gosto suburbano da periferia e por um mercado de preços mais acessíveis, mas o que aconteceu foi que as casas reabilitadas foram postas à venda por um preço superior ao da média. Hoje, a história é outra.

Não nos podemos queixar da ausência de reabilitação (que em Junho cresceu 40% face ao mesmo mês do ano passado), mas sim da inexistência de casas em número suficiente (as empresas de mediação imobiliária garantem que Lisboa e Porto precisam de 70 mil novas casas por ano) e do preço de arrendamento e de venda daquelas que estão disponíveis. Se o diagnóstico é simples, a solução é mais complexa.

A penalização da especulação imobiliária, seja a título individual, seja para empresas e fundos de risco, pode fazer sentido, quando 80% das casas são compradas e vendidas em seis meses e é necessário travar essa evolução vertiginosa, sob pena de as cidades se esvaziarem ainda mais de residentes. Mas essa é a diferença entre um mercado estagnado e um mercado efervescente. Sabendo que o congelamento de rendas e o crédito bancário facilitado foram contraproducentes, que mercado e políticas de habitação pretendemos?

António Costa dizia em Junho deste ano que o país precisava de políticas públicas que garantissem o direito à habitação a preços acessíveis e que não podíamos expulsar os residentes, nem recusar os turistas. Pacífico. Mas até agora é mais fácil e rentável despejar os primeiros e especular com os segundos.

Aumentar a oferta de habitação será, porventura, a única medida consensual entre todos os partidos. As câmaras de Lisboa e Porto são senhorios e proprietários de imóveis e de terrenos que podem ser colocados no mercado com a intenção de incentivar a construção a preços mais acessíveis e o Estado tem de fazer da chamada “Nova Geração das Políticas de Habitação” uma política consequente e aliciante para, por exemplo, através de incentivos fiscais, convencer os proprietários a baixarem as rendas.




 BCE alerta: Próxima crise estará relacionada com o imobiliário Danièle Nouy, presidente do conselho de supervisão do BCE.

Ana Laranjeiro; Rui Barroso 06.09.2018 / 08:09

Danièle Nouy, do BCE, alertou que a próxima crise vai estar associada ao mercado imobiliário, embora reconheça que a banca está melhor preparada.

Não se sabe quando, nem onde. Mas a verdade é que, mais tarde ou mais cedo, haverá uma nova crise financeira. E a líder do Conselho de Supervisão do Banco Central Europeu (BCE) não tem muitas dúvidas: a próxima crise estará associada ao mercado imobiliário. “Muitas das crises anteriores estiveram relacionadas com o mercado imobiliário, ainda que não de maneira direta”, disse Danièle Nouy em entrevista à agência de notícias da Letónia, citada pelo jornal Expansión. Contudo, a responsável garantiu que, graças ao Mecanismo Único de Resolução os bancos do Velho Continente “estão melhor” preparados para enfrentar um choque económico. Além disso, sustentou, os mecanismos de gestão de crise disponíveis são agora “mais fortes” que no passado. Danièle Nouy alertou ainda que as taxas de juro variável representam algum “risco” uma vez que não há “garantias” relativamente a quando é que vão aumentar. “Vamos acompanhar de perto os desenvolvimentos no mercado imobiliário”, assegurou. Na Zona Euro não é a primeira vez que as autoridades monetárias alertam para os riscos nesta área. Em junho, o Banco de Portugal avisava que a subida dos preços das casas começava a colocar riscos para a estabilidade financeira. Isto depois de um aumento de mais de 30% dos preços desde meados de 2013. A entrada em força de investidores estrangeiros é um dos principais motivos para o boom imobiliário, explicava na altura o banco central. A instituição liderada por Carlos Costa assinalava no Relatório de Estabilidade Financeira que “as indicações de sobrevalorização dos preços no mercado imobiliário residencial em termos agregados” são ainda “muito limitadas”. Mas observava que “a duração e o ritmo de crescimento dos preços neste mercado pode implicar riscos para a estabilidade financeira, em caso de persistência destas dinâmicas”. Ainda esta semana, a agência de rating Standard & Poor’s indicava o mercado imobiliário português como um dos que mais irão valorizar este ano. A agência de rating estima que os preços das casas aumentem 9,5% este ano. Nos dez países europeus analisados por esta entidade, apenas a Irlanda terá uma taxa de crescimento acentuada. E apesar de continuarem a valorizar, as subidas nos valores da habitação deverão ser mais moderadas até 2021. Nesse ano, a S&P estima que o preço das casas aumente 5%. Em 2019 e 2020 as subidas deverão ser de 7% e 6%, respetivamente. “Estimamos que as pressões no preço desçam gradualmente devido a crescimento mais lento e à subida dos custos de financiamento”, diz a agência.





 Ventania imobiliária, o fenómeno do arrendamento


Eu sou aquela do "nem-nem", hoje em dia não podia nem arrendar nem comprar casa. O que aí vem? Nem eu sei, provavelmente vai ficar pior, dada a pouca oferta, os valores exagerados e a falta de poder económico.

Ana Carolina Rocha
Licenciada em Ciências da Comunicação, trabalha actualmente numa instituição financeira.

13 de Setembro de 2018, 17:37

Em 2016, quando decidi sair de casa dos meus pais, quisemos apostar no arrendamento. Os mais velhos, apesar de terem uma cultura muito mais orientada para a compra de casa, também já andam cá há mais tempo e acham que, apesar de tudo, o arrendamento é mais fácil, não se paga IMI nem condomínio e quando se estiver mal pode-se sempre mudar. E como éramos uns jovens inexperientes e sem dinheiro para dar de entrada para um crédito à habitação, decidimo-nos pelo arrendamento.

Lembro-me de que tínhamos um valor acordado e que fizemos uma busca intensa. No centro do Porto era impossível pensarmos nisso, na altura já um T0 rondava os 600 euros, por isso decidimos ir para as periferias. Em Gondomar, pensávamos que iríamos conseguir arranjar algo pelo valor por nós estipulado, mas ou eram zonas quase sem transportes, ou não tinham electrodomésticos na cozinha, ou não queriam fazer contrato e, posteriormente, passar recibo que comprovasse o nosso pagamento.

Uma família com dois filhos que ganhe pelo menos 1200 euros líquidos nunca consegue viver com um arrendamento que ronde os 600 euros e depois pagar água, luz, telefone, comida e despesas extra.

Não tivemos remédio e decidimos aumentar o valor que tínhamos estipulado no início. Um ano mais tarde, em 2017, um casal de amigos começou a mesma aventura, procuravam algo parecido com o nosso, na mesma zona ou perto, e foi nesse momento que percebi que havia uma grande bolha no mercado de arrendamento, uma especulação digna de um espectáculo. Um T2 já rondava os 500 euros e se eles fossem para mais perto do metro, um T2 ainda mais pequeno já custava 650 — já para não falar num T1 que tinha o valor de 450 euros.

Segundo o portal de imobiliário Imovirtual, o preço dos apartamentos para arrendar registou um aumento de 26% em 2017 face a 2016, o que quer dizer que, por um lado, eu ainda arrendei numa altura mais ao menos boa. Se fosse hoje nunca poderia arrendar um T2 por 600 euros porque, por incrível que pareça, 600 euros é o meu ordenado. Lá se ia a taxa de esforço que, em teoria, tinha que preservar. Para mim não dava.

Uma família com dois filhos que ganhe pelo menos 1200 euros líquidos nunca consegue viver com um arrendamento que ronde os 600 euros e depois pagar água, luz, telefone, comida e despesas extra. E se em 2017 já era uma tarefa difícil arrendar, hoje ainda está mais complicado. Esse casal amigo acabou por comprar casa, fizeram as contas e acharam que até lhes compensava mais. Segundo o Instituto Nacional da Estatística (INE), no Porto, a renda de uma casa com 100 metros quadrados custa 677 euros por mês; por sua vez, o custo mensal desta casa será de 450 euros, ao longo de 30 anos. As contas são dolorosas. Mas a verdade é que compensa, apesar dos muitos factores que o INE não refere.

Pedir um crédito à habitação não é assim tão simples, caso contrário tínhamos todos casa própria e não precisávamos do arrendamento nem de alguns senhorios que mais parecem sanguessugas na hora de pedir o valor da renda. É necessário que um dos elementos do casal esteja efectivo numa empresa — coisa que, com 25 anos, digamos que é um bocadinho difícil, ainda que não impossível —, depois precisa de auferir ordenados superiores ao ordenado mínimo — não é impossível, mas é difícil —, em alguns casos é necessário fiador (e nem todos estão para ser fiadores, certo?). Fora isto tudo, se o banco perceber que nós não temos as condições para prosseguir, oferecem-nos imóveis de banco que, por ironia ou não, foram deixadas por famílias que não conseguiram as prestações, as comissões, os seguros, o condomínio, os impostos, o que resultou na entrega da casa ao banco.

Como o banco só nos empresta 80% do valor da casa — e há quem diga que os avaliadores dão mais a quem conhecem do que a quem não conhecem —, o resto somos nós que colocamos, independentemente dos mil que forem. Por isso eu sou aquela do "nem-nem", hoje em dia não podia nem arrendar nem comprar casa. O que aí vem? Nem eu sei, provavelmente vai ficar pior, dada a pouca oferta, os valores exagerados e a falta de poder económico. O certo é que, de caminho, é impossível travar esta ventania imobiliária e trazer de novo um lar possível ou, neste caso, uma casa possível.

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