sábado, 22 de setembro de 2018

A sucessão de Joana Marques Vidal ...



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Terá Marcelo ficado 'desagradado', comos muitos insinuam, com a forma de como a investigação de Joana Marques Vidal se aproximou dele ?
OVOODOCORVO



Aprende, Joana: em Portugal manda o PS
Se Governo e Presidente queriam tanto alguém com o perfil de Joana Marques Vidal, porque é que não voltaram a convidar Joana Marques Vidal?

João Miguel Tavares
21 de Setembro de 2018, 16:20

Um comunicado às 21h, já depois de ter passado a hora dos telejornais e a possibilidade de os diários trazerem grandes reacções pela manhã. Em dia de futebol, para os canais por cabo não dedicarem demasiado tempo ao assunto, já que era indispensável debater as incidências do formidável Sporting-Qarabag. Na despedida de Marcelo da universidade, para que o tempo de antena presidencial fosse ocupado por um fait-divers académico-social, em vez da substituição da procuradora-geral da República. Esta é a estratégia de duas consciências pesadas, muito reveladora das verdadeiras intenções de António Costa e de Marcelo Rebelo de Sousa.

O ex-amigo de José Sócrates e o ainda amigo de Ricardo Salgado nunca quiseram a continuação de Joana Marques Vidal. O que eles queriam, como um membro do Governo explicou ao PÚBLICO, era “evitar tentações de messianismos populistas”. Aquilo de que Costa e Marcelo sentiram absoluta necessidade foi de o poder político mostrar ao poder judicial que a separação de poderes é uma coisa muito bonita, sim senhora, mas um está mais em cima, e outro mais em baixo. Uns escolhem, os outros são escolhidos. Não é que Costa ou Marcelo sejam corruptos. Não são. Não apreciam, não gostam e até combatem. Simplesmente, a corrupção não lhes revolve as entranhas – sendo ao mesmo tempo cínicos e pragmáticos, encaram-na com fatalismo, como uma consequência inevitável da acção política.

As pessoas olham para o perfil de Lucília Gago e concluem que é muito semelhante ao de Joana Marques Vidal. É mulher. Reservada. Oriunda dos tribunais de família. Sem ligações conhecidas ao poder político. Mas se Governo e Presidente queriam tanto alguém com o perfil de Joana Marques Vidal, porque é que não voltaram a convidar Joana Marques Vidal? Ah, espera, já sei, a independência, a Constituição, o mandato “longo e único”, as boas práticas democráticas. Não gozem comigo. O respeito pelas boas práticas democráticas está à vista no miserável teatrinho que foi feito esta semana, com simulacros de audições que ainda não vi devidamente denunciados. O PÚBLICO garantia na quinta-feira que o nome de Lucília Gago tinha sido escolhido “por mútuo acordo, há mais de uma semana”, entre Costa e Marcelo, e na quarta-feira andava a ministra da Justiça a ouvir os partidos parlamentares para “debater a continuidade da procuradora-geral da República”. São estas as boas práticas e o respeito pela democracia?

Pedro Passos Coelho tem inteira razão naquilo que escreveu no Observador: todo este processo está muito mal explicado, a decisão é exclusivamente política, e as desculpas constitucionais são uma belíssima treta. As declarações de Joana Marques Vidal, garantindo que a hipótese de recondução nunca lhe foi colocada, vão no mesmo sentido. Seria muito útil, aliás, que Observador e Expresso clarificassem as manchetes do passado fim-de-semana, para pelo menos ficarmos a conhecer de onde veio cada uma daquelas notícias, que muito contribuíram para alimentar o jogo de sombras. Se ali para os lados de Belém há alguém que continua a servir vichyssoise, eu gostava de saber. Enquanto os contornos desta decisão não são mais bem conhecidos, resta-nos dar os parabéns ao PS, em geral, e a António Costa, em particular, que conseguiu aquilo que queria. Quem se mete com o PS, leva. Não acredito que o Ministério Público vá travar processos no presente. Mas talvez mostre um pouco menos de entusiasmo a investigar certos processos no futuro.

JOANA MARQUES VIDAL

Eles atreveram-se
Rui Ramos
21/9/2018

O governo pôde sanear a Procuradora-Geral da República porque a oligarquia política está finalmente em sintonia e porque, acima de tudo, aprendeu a desprezar os portugueses.

Primeiro, mostraram vontade. Depois, fingiram recuar, por entre notícias contraditórias. Finalmente, na noite das facas longas do regime, deram o golpe, e despediram a Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal. Atreveram-se mesmo.

É bom lembrar o que estava em causa. É verdade que o governo e o presidente da república não eram obrigados a reconduzir a Procuradora-Geral da República. Mas nas actuais circunstâncias, era perfeitamente legítimo esperar que o fizessem. Primeiro, porque a justiça portuguesa não tem simplesmente entre mãos uns quantos casos melindrosos, mas, segundo a acusação da Operação Marquês, uma conspiração para subverter a democracia, a qual só no mandato da Dra. Joana Marques Vidal pôde ser investigada. Segundo, porque o governo é neste momento exercido por antigos colegas de José Sócrates. Por tudo isto, talvez se pudesse esperar do governo e do presidente da república um zelo redobrado para não deixar nenhumas dúvidas de que o poder político não pretendia de modo nenhum influenciar o curso da justiça, por exemplo substituindo a Procuradora-Geral que deixou, como lhe competia, prosseguir a investigação.

Não foi isso que aconteceu, e é importante perceber porquê.

A oligarquia portuguesa gerou, nos últimos anos, dois projectos de domínio do Estado e do país. O primeiro, conforme descrito na acusação a José Sócrates, assentou no controle das alavancas política, judicial, financeira e mediática por uma pequena facção liderada pelo então primeiro-ministro Sócrates. O objectivo era o monopólio das grandes decisões e dos grandes rendimentos por uma clique defendida contra qualquer sério escrutínio da justiça ou da imprensa. É uma estratégia que faz lembrar a gestação das autocracias da Europa de leste, onde as aparências da democracia (eleições, tribunais) servem apenas para encobrir a concentração do poder em poucas pessoas.

A estratégia socrática, tal como analisada na acusação da Operação Marquês, foi comprometida pela crise financeira e pela decorrente falência do Estado, bancos e empresas que tinham sido a base de influência do socratismo. Os seus protagonistas principais acabaram mesmo sob a alçada da justiça, para grande espanto dos próprios e dos seus sequazes.

Mas a partir do fim do ajustamento financeiro, a oligarquia não demorou a gerar outra forma de organização do poder. Ainda protagonizada pela rede de amigos e de famílias que esteve com Sócrates no governo, já não assenta, porém, no exclusivismo de uma facção, mas na sua disponibilidade, num ambiente de fraqueza geral dos partidos e corporações, para mediar toda a espécie de entendimentos, muito para além do que era costume. Foi assim que o Partido Comunista, com os seus sindicatos de funcionários, e o Bloco de Esquerda, com a sua universidade e o seu jornalismo, acabaram na rede – a mesma rede em que um desesperado Rui Rio tenta agora arranjar o seu pequeno lugar. É este o contexto que tornou possível a liquidação de Joana Marques Vidal, a que os outros partidos não se opuseram, ao contrário do que teria acontecido se ainda houvesse oposição, e que o presidente da república, também por isso, consentiu.

O consenso, por mais alargado, nunca teria porém encorajado a oligarquia, não fosse outro factor: a percepção que têm da sociedade portuguesa, envelhecida, endividada e dependente. Os oligarcas convenceram-se de que em troca de mais uns euros de ordenado ou pensão, de preferência à custa dos impostos do vizinho, Pedrogão pode arder, Tancos pode ser assaltado, e a Procuradora-Geral da República despedida, que ninguém lhes pedirá contas. Sim, eles atreveram-se — porque aprenderam a desprezar-nos. Com razão?



Um tiro no pé
Só nos últimos seis anos, com a actual procuradora-geral da República, é que foi possível serem levados a julgamento vários processos levantados aos mais notáveis representantes dos dois maiores partidos do arco da governação.

Teresa Sá e Melo
22 de Setembro de 2018, 6:03

Ao fim de 42 anos de Estado de Direito, só recentemente o Ministério Público se mostrou como uma instituição soberana independente, competente e eficaz. Todos os portugueses o reconhecem.
Só nos últimos seis anos, com a actual procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, é que foi possível serem levados a julgamento vários processos judiciais por corrupção política e financeira, levantados aos mais notáveis representantes dos dois maiores partidos do arco da governação.

Nunca tal tinha acontecido com os anteriores procuradores, Cunha Rodrigues, Souto de Moura e Pinto Monteiro.

Agora estes dois grandes partidos resolveram entender-se (primeiro-ministro e Presidente da República) para, como afirmaram, dar “uma solução de continuidade”, substituindo a actual procuradora, Joana Marques Vidal.

E é curioso que nesta “solução de continuidade” não só não coube a recondução da actual procuradora como nunca houve nos últimos seis anos qualquer proposta partidária para alterar o preceito constitucional que obrigue a esta não recondução.

Mas uma coisa é evidente para todos nós. Os actuais processos judiciais em curso são catastróficos e arrasam os alicerces do actual regime político. O professor de Direito e actual Presidente da República sabe-o melhor que ninguém.

Todos nós já vimos o corrupio de políticos do mais alto nível a serem testemunhas no processo por corrupção a Armando Vara, no Tribunal de Aveiro, com o juiz Carlos Alexandre. Poderá vir a repetir-se a mesma cena?

A referida substituição como solução de continuidade não colhe. São conceitos contraditórios, paradoxais.

António Costa tem o direito e a legitimidade política para retirar Joana Marques Vidal do lugar de procuradora-geral da República. Eu, cidadã eleitora, tenho o direito e a legitimidade política de retirar o meu voto a António Costa e a Marcelo Rebelo de Sousa.



Como Marcelo e Costa desarmadilharam a sucessão de Joana Marques Vidal
A escolha de alguém do Ministério Público foi a decisão chave num processo que, no final, causou uma tempestade bem menor do que se esperava à partida.

João Pedro Henriques e Paula Sá
21 Setembro 2018 — 22:34

Costa reitera que PGR deve ter um só mandato e que Lucília Gago foi a "primeira escolha e a primeira aceitação"
Foi algures no meio do verão que o Presidente da República e o primeiro-ministro consensualizaram um com o outro a decisão de não reconduzir Joana Marques Vidal no cargo de procuradora-geral da República (PGR). O desenho constitucional do processo decisório obriga a que haja sempre acordo porque o primeiro-ministro é quem formalmente propõe o nome e o PR é quem formalmente nomeia.

Para ambos, dois processos terão sido decisivos na decisão de não reconduzir a ainda PGR: a "operação Fizz", na qual o MP insistiu na ideia, muito prejudicial para as relações diplomáticas Lisboa-Luanda, de que o ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente, suspeito de corrupção, deveria ser julgado em Portugal; e o caso do roubo das armas em Tancos, não só por causa da morosidade da investigação do MP mas também ter ignorado, antes do assalto, uma denúncia anónima a alertar para o que podia acontecer.

Marcelo e Costa combinaram então que não reconduziriam Joana Marques Vidal com base no argumento de que o mandato do PGR deve ser único, a bem da sua independência face ao poder político. No comunicado onde, ontem à noite, anunciou a nomeação de Lucília Gago para o cargo, o Presidente da República assegura que "sempre defendeu a limitação de mandatos, em homenagem à vitalidade da Democracia, à afirmação da credibilidade das Instituições e à renovação de pessoas e estilos, ao serviço dos mesmos valores e princípios".

No mesmo comunicado, o PR divulgou uma carta do primeiro-ministro onde este formalmente lhe propôs o nome da nova chefe do MP. E nessa carta, Costa escreveu: "Entendemos que a benefício da autonomia do Ministério Público o mandato do Procurador-Geral da República deve ser longo e único. Apenas deste modo pode ser exercido com plena liberdade relativamente a quem propõe, a quem nomeia e a quem possa influenciar a opinião de quem propõe ou nomeie."

Ontem, a ministra da Justiça, Francisa Van Dunem, reforçaria este argumento: "A existência de um único mandato é a solução que melhor respeita a autonomia do Ministério Público." Ou, dito de outra forma: "O Governo não pode, nem os partidos, fazer a avaliação do mérito do desempenho de um magistrado. O procurador-geral da República, enquanto dirigente máximo da magistratura do Ministério Público, é um magistrado e a autonomia do MP impede do ponto de vista da conceção do modelo que haja uma avaliação do desempenho de um magistrado sob pena de condicionar a magistratura."

Sindicato do MP há muito que defende que mandato do PGR deve ser único

Através de Carlos César, o PS há muito que vinha a insistir neste argumento. Mas, mais importante do que isso, foi a certeza que Marcelo e Costa de que a não recondução da agora PGR cessante não mereceria oposição do influente Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMPP). Há muito que o sindicato tinha dito que defendia só um mandato para o PGR, não por imposição legal mas por "um princípio de não eternização nos cargos" e de independência face ao poder político

Do que se tratava, portanto, era de escolher alguém que não ofendesse a corporação por outras razões. Por exemplo: alguém fora do Ministério Público (a lei nem sequer exige que o titular do cargo seja um jurista, basta que tenha "reconhecido mérito"). "Lucília Gago garante, pela sua pertença ao Ministério Público, pela sua carreira e pela sua atual integração na Procuradoria-Geral da República - isto é, no centro da magistratura - a continuidade da linha de salvaguarda do Estado de Direito Democrático, do combate à corrupção e da defesa da Justiça igual para todos, sem condescendências ou favoritismos para com ninguém", escreveu o PR no comunicado de ontem. "É desejável que a personalidade a nomear seja um magistrado do MP, com o estatuto de procurador-geral adjunto e com experiência nas áreas de ação do MP, em particular a ação penal", acrescentou António Costa.

Lucília Gago sai diretamente da entourage de Joana Marques Vidal para o seu lugar

A bem da pacificação, a escolha recaiu sobre uma procuradora-geral adjunta de baixo perfil mediático e próxima de Joana Marques Vidal. Foi por nomeação da agora PGR cessante que Lucília Gago iniciou em 2017 funções na PGR, criando e dirigindo um gabinete de coordenação dos magistrados do MP nas áreas da Família, Jovens e Crianças. Direito da Família é aliás uma especialidade comum a ambas. Mas a futura procuradora-geral tem também de facto no seu currículo experiência direta na investigação criminal aos crimes de colarinho branco (corrupção, branqueamento, etc), currículo feito no DIAP (Departamento de Investigação e Ação Penal), que dirigiu em 2016 e 2017. Passou-lhe pelas mãos o caso dos dois recrutadas comandos mortos e das viagens pagas pela Galp ao Euro 2016 (caso em que são arguidos três ex-secretários de Estado do governo de Costa).

Saber quem se lembrou do nome é algo que não foi revelado - mas sabe-se que Lucília Gago trabalhou com a atual ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, na Procuradoria Geral Distrital de Lisboa (que Van Dunem dirigia quando foi para o Governo).

PS recusa revisão constitucional para ficar explícito que mandato do PGR não é renovável

Outra dúvida em todo o processo é se à PGR cessante foi perguntado mesmo ou não, pelo Presidente da República, há muitos poucos dias, se aceitaria ver renovado o seu mandato. Foi noticiado que Joana Marques Vidal teria respondido que 'sim', aceitaria (depois de há meses ter dito 'não'). Ontem a ainda PGR adiantou que soube que não seria reconduzida pelas 20.00 de quinta-feira, cerca de uma hora antes de o PR anunciar a escolha de Lucília Gago. E depois assegurou: "A hipótese de ser reconduzida no cargo nunca me foi colocada e, por isso, eu não falo de hipóteses."

Partidariamente - e com a excepção de Pedro Passos Coelho - as reações foram calmas. Até o CDS - único partido que explicitamente exigiu a recondução de Joana Marques Vidal - pareceu conformado: "Esperamos que seja mantida a postura que classificámos de muito positiva da anterior procuradora, por, independentemente das matérias, áreas e setores, ter atuado com uma atitude suprapartidária, com independência, isenção e imparcialidade", disse o deputado Telmo Correia. Os partidos preferiram dividir-se sobre se a Constituição deve no futuro explicitamente determinar que o mandato não é renovável. O PS opõe-se a qualquer revisão - e enquanto o fizer tudo ficará como está.

Lucília Gago tomará posse dia 12 de outubro, precisamente seis anos depois de Joana Marques Vidal ter iniciado o seu mandato, proposta por Pedro Passos Coelho e nomeada por Cavaco Silva.

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